Lobos entre ovelhas escrita por Brenda Sarah


Capítulo 2
Realidade




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Naquele mesmo entardecer

Por mais generoso que aquela tarde pudesse ser,tendo encontrado esplendorosos livros e uma dama a qual me encantei,pensamentos tomaram conta de mim e por um segundo a confusão se apossou de minha mente,enquanto dobrava as camisas de Hanz de um modo totalmente angular e simétrico dentro de um armário grande com cheiro de mofo, me lembrava do que acontecia por fora daqueles altos muros de tijolos acinzentados, me lembrava o que acontecia por entre aqueles arames e aqueles dormitórios de madeira,me lembrava oque cada machucado na pele de Ewa significava,tanto para mim,quanto para ela.

Me retirei do quarto lentamente e desci novamente para a biblioteca,já era quase noite e o cheiro de comida invadiu minhas narinas como o leve perfume de grama recém cortada e roupa limpa de Ewa quando a vi pela primeira vez,quando me sentei naquela poltrona verde me senti penetrado por seus olhos e cativado por suas doces palavras,me perguntava se seu coração pertencia a algum outro ou se poderia toma-lo pra mim e cuidar daquele pequeno ser,que aparentemente passava fome,por suas mãos esqueléticas e sua pele apática e sem vida,mas que,apesar de tudo,emitia mais vida que eu mesmo.

Peguei o primeiro livro da pilha na pequena mesa ao lado da poltrona que se chamava Romeu e julieta,havia me enjoado de ler e reler essa intrigante história de amor proibido que apenas a deixei no braço da poltrona,agora aquelas páginas me traziam semelhanças ao atual. Peguei o próximo livro da pilha que se chamava "Anna Karenina" de Tolstói,era um livro azul escuro com detalhes dourados como os de cabos de rosas dobrados e emaranhados com o título também escrito em dourado ao meio,suas páginas eram novas e tinham aquele leve aroma de algo que foi lido e relido com aquela fome que um leitor ávido tem sem seus dedos,o papel era creme e era macio ao toque,me fez sentir em casa.

Quando parei de admirar tão bela literatura lá pela página 18,Claus,meu grande amigo e talvez o único verdadeiro bateu a porta e me chamou para o jantar,meu sorriso se abriu de orelha a orelha e eu levantei da poltrona como uma criança ao ouvir que a sobremesa está pronta,me dirigi até a porta a direita da escada e vi uma mesa comprida e arredondada de madeira com cinco cadeiras de cada lado e uma em cada ponta ao centro,havia um tapete vermelho com dourado embaixo das mesas e um belo lustre branco que iluminava o ambiente acima dela,uma janela grande que ficava logo atrás das cadeiras mostrava que o vento mexia as árvores com força e que logo iria nevar,sentei-me na 3 cadeira que estava de frente para a janela e claus sentou de frente a mim do outro lado da mesa,Hanz estava sentado na ponta a direita,Yohan e Karl se sentaram ao lado de Claus e Eric sentou ao meu lado,a comida estava a mesa e os pratos foram distribuídos pela senhora que tentara me ajudar quando cheguei.

Alguns minutos depois quando estávamos discutindo as possibilidades de diversão para amanhã a porta da sala de jantar se abre lentamente e eu viro a cabeça subitamente e Ewa entra meio encurvada de cabeça baixa carregando uma enorme panela cheia de sopa de carne com legumes,ela estava tremendo,certamente estava sem força devido a falta de comida,me levantei para ajuda-la e Hanz me interrompeu.

– O que você pensa que esta fazendo Frederich? - Disse Hanz de um modo arrogante.

– É melhor eu servir isso...ela esta tremula,melhor que um de nós sair queimado com essa panela. - Eu disse rindo ao final.

– Se ela derrubar vai ser por que quis derrubar,ela não merece nenhuma ajuda,sente logo ai Fred. - Disse ele tirando sarro. - Até parece que se importa.

Me sentei e dei risada para disfarçar,mas meu coração se apertava cada vez que ela dava passos lentos em direção a nós,ela serviu cada um de nós e quando chegou em mim,eu a olhei de tal modo que ela se distraiu por um instante e derrubou um pouco de sopa em minha calça,dei um pequeno grito e tentei limpar,ela só sabia pedir perdão e tremer,ela engolia o choro e tremia de medo.

– Sua judia imunda,não sabe servir? - Hanz se levantou e foi em direção a ela como um verdadeiro antissemita. - Vou te ensinar a trabalhar direito,mulher nojenta.

– Hanz você não precisa... - Eu tentei argumentar.

Hanz deu-lhe um tapa na cara de um modo tão rude e forte que ela bateu a cabeça na parede,se desequilibrou e caiu no chão.

– Levante-se vadia,levante-se. - Ele gritava enfurecido no salão.

Todos ouviam em silêncio e ficavam como uma criança ouvindo uma bronca da mãe,de cabeça baixa fingindo que nada estava acontecendo.

Bati as mãos na mesa com força e me levantei.

– Eu cuido de puni-la...não gaste saliva Hanz,eu cuido disso. - Eu disse olhando para ele de lado.

– Você não sabe punir Fred,seu coração é mole de mais. - Disse ele puxando-a de um modo que ela ficou de pé.

Ele a puxou pelo pulso esquerdo até o lado de fora da sala e espancou de tal modo que uma lágrima escorreu pelo meu rosto,eu senti sua dor como se fosse em minha carne,senti sua angústia em minha mente,ouvi seus gritos e ouvi o estalo dos tapas em sua pele,o barulho abafado dos socos em seu belo rosto e seu choro que ecoava pelas paredes da sala. Hanz gritava "Vadia imunda,judia imunda" e eu fui perdendo a fome,foram 15 minutos de surra e quando Hanz voltou estava com as mãos vermelhas e os olhos saltados de raiva,ele me olhou com aqueles olhos e disse.

– Aprenda Fred,aprenda. - Ele disse me olhando enquanto se dirigia até sua cadeira.

Após dois minutos sentado olhando para a janela me levantei e disse friamente.

– Perdi a fome,me deem licença. - Eu sai pela porta da sala.

A encontrei chorando em silêncio no 3 degrau da escada principal,eu sentei ao seu lado e a abracei,senti sua dor mais fortemente e senti suas lágrimas descendo pela minha camisa,lhe dei um beijo na testa e a segurei no colo como uma criança entre meus braços, notei que não havia ninguém e a levei lentemente até a biblioteca,sentei-a na poltrona verde e me ajoelhei diante dela, lhe dei um beijo na testa e peguei suas mãos frias,pálidas e machucadas,olhei seu rosto cortado e vermelho pelos tapas,seu olho roxo e o vermelho em seus olhos, seu cabelo estava bagunçado e caia pelo seu rosto,afastei algumas mexas para atrás de sua orelha e peguei um pequeno lenço que havia em meu bolso,fui até o pequeno banheiro que havia na biblioteca e o molhei,voltei a ajoelhar em frente a ela e com delicadeza limpei os cortes em seu rosto,em seus braços e seus joelhos,peguei suas mãos novamente e ela só sabia soluçar baixinho e tremer.

– Me perdoe,eu não sabia oque fazer,eu prometi que iria protegê-la e não o fiz...eu devia ter impedido...deveria ter feito algo,me perdoe Ewa...me perdoe. - Uma lágrima escorreu por meus olhos.

Ela levantou a cabeça lentamente,abriu um sorriso com um semblante de dor e disse com voz trêmula.

– A surra não dói senhor,o que dói é chorar em silêncio após tudo isso,você está aqui agora e isso vale mais do que qualquer coisa do mundo senhor. - Ela se aproximou lentamente d mim e me beijou a cabeça de um modo delicado e trêmulo.

Sua boca cortada ardeu ao beijar minha testa e ela mordeu o lábio de um jeito ingênuo e doloroso,seus lábios tocaram minha pele como uma pétala de rosa jovem e saudável,e pela primeira vez eu me senti vivo,com ela.

Soltei seu cabelo e ele foi até a metade de sua cintura,ele era levemente encaracolado e caia perfeitamente em seu rosto,ela ficou envergonhada e abaixou a cabeça,levantei-a pelo queixo com meus dedos e disse com toda a verdade que havia em mim.

– Vou cuidar de você,vou fazer o possível para que você não sinta mais dor,não vou deixar que encostem em você novamente. - Eu a levantei levemente pelos braços e a envolvi delicadamente em meus braços como se nada importasse,nem Hanz,nem meu pai,nem o Fuhrer poderiam tira-la de mim,não mais.

Eu me levantei e tranquei a porta da biblioteca,no mesmo momento ouvi passos pelo corredor.

– Fred,está tudo bem? - Karl disse num tom de preocupação.

– Sim estou,eu só...preciso relaxar e você sabe que livros me acalmam mais que uma noite de sono,vou passar a noite aqui.

– E a judia? Para onde ela foi?

– Deve ter ido para os dormitórios nos fundos,não se preocupe.

– Não vou... - Ele disse com um tom desconfiado e saiu.

Olhei para ela,ela estava olhando para a estante,seus olhos brilharam.

– Não vejo uma estante assim desde a infância,meu avô tinha uma biblioteca,agora é só pó...todos aqueles livros,cinzas. - Ela susurrou olhando para cima.

– Quero ler para você. - Eu disse chegando ao seu lado e cobrindo-a com meu casaco.

Puxei-a pela mão lenta e delicadamente até a poltrona onde me sentei de um modo que ela se sentou em minha coxa direita e se recostou em meu ombro encaixando sua cabeça em minha bochecha ela começou a chorar em silêncio e disse,com aquela voz trêmula.

– Eu vou morrer...é assim que acaba... - Ela disse parada em meu peito com meu braço direito acolhendo-a.

– Enquanto eu viver,não vou deixar que essa vida que você tem em você se vá eu prometo. - Eu disse de maneira ingênua.

– Obrigada...Fred - Ela disse dando-me um beijo na bochecha e me abraçando com força.

Eu a abraçei,apenas a abraçei e disse para mim mesmo que a partir daquele dia eu não seria um Goring,eu não estaria ali para estourar cabeças,ou bater em judeus ou muito menos sentir orgulho de ser ariano,eu estaria ali para ela,só para ela.

Ela dormiu em meus braços e eu a levei até seu dormitório nos fundos como uma criança e pensei sua reação ao acordar de manhã e pensar que tudo foi um sonho,a senhora que tentara me ajudar de manha abriu a porta antes que eu batesse e deu espaço para que eu colocasse na cama fina de madeira com espuma,eu a deitei lentamente na cama,peguei meu casaco e a cobri com uma coberta ao lado,vê-la repousar como se fosse um anjo me fez sorrir.

A senhora me olhou e sorriu.

– O senhor é bom. - Ela disse pegando minha mão. - Obrigada por estar aqui.

Ela disse de um modo tão gentil e agradecido que me fez sentir um herói.

– Eu estou aqui sempre que precisar,eu posso ajudar.

Eu sai do dormitório e entrei pela porta dos fundos,subi as escadas lentamente até meu quarto,por sorte todos estavam dormindo profundamente, fechei minha porta e coloquei meu pijama,apaguei as luzes do quarto e me enfiei de baixo das cobertas,me virei para a esquerda e olhei para a janela,a lua estava brilhante em meio ao céu negro com nuvens esparramadas por ele como um pequeno detalhe sedutor,eu pensei nela,em como sua respiração era calma,em como suas lágrimas eram verdadeiras,em como seus olhos me traziam conforto em meio a tanta sangria,eu estava vivo e ela estava ali,podia sorrir e respirar,seu coração estava batendo e eu podia sentir,não sei nada sobre a vida desse pequeno ser que tive em meus braços por aquele tempo perfeito,mas sei que sua alma é boa e sua beleza é única,e que acima de tudo dias vem todas as manhas e que amanha vou vê-la,e que talvez tudo isso valha a pena no final.


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