Olhos De Dante escrita por João Marcos Oliveira


Capítulo 15
Viagem




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Norman não estava se sentido bem. Achou que iria vomitar, se pudesse, mas a sensação de enjoo e mal-estar era a usual mesmo que não acompanhada de nada que viesse do estômago vazio. Olhando para os que se estavam a sua volta, viu que não era o único a se sentir desconfortável. Cada um apresentava seus motivos, mas ninguém gostaria de estar onde estavam, nem para onde iriam. O ambiente escuro proporcionado pelo túnel não foi receptivo para ninguém; além da fraca iluminação pelo lustre que piscava às vezes, o sacolejo do metrô era incômodo, não só por que curvava bruscamente, quando todos deveriam se segurar nos braços dos assentos para não caírem, mas também por que declinava em descida, como numa montanha russa mais amena.

Maria segurava-se a cada vez que o metrô tombava para o lado num grande arrancada, numa dessas, ela se soltou e caiu para o lado, batendo a cabeça no colo de Dimitri. Desajeitada ela, voltou a seu lugar, rapidamente, segurando com mais força no braço do assento. Seus dedos se esbranquiçando nas juntas. Logo que se postou, virou-se para ele um pouco envergonhada e sorrindo.

Norman não fez nada a não ser fitá-la, sem reação, talvez, esboçando uma mínima expressão assustada, ou confusa. A realidade é que ele não estava muito em estado de assimilação natural. Choque. Em sua cabeça, uma enorme fusão de sentidos e memórias, a maioria ruim, tomava forma e o fazia agir como um mero alucinado. Era o que ele queria desde que o coloquei em minha história. Por que não usufruir de sua vontade? Todos nós estamos sujeitos a momentos como esse. Momentos de breve demência, de perca de contato com a realidade, que naquele caso era a irrealidade de sua realidade levada à suas concepções de um cético em transição. Ele não pensava em coisas muito coesas o bastante para notar que estava em um metrô buliçoso rumo ao Inferno.

Tirando todos os transeuntes da consternação em que estavam, cada um a sua própria forma de reagir, olhou para a tela que ligou-se novamente. A imagem da silhueta fora substituída por estática e apenas uma voz. Mas uma voz diferente dessa vez.

— Pelos pequenos imprevistos que aconteceram hoje, não poderemos seguir diretamente sem a supervisão de nossa força. Por isso, cogeres especializados se encarregarão de cada área — dito isso, a tela desligou.

Não demorou mais do que alguns segundos para a porta se abrir e a figura de negro aparecer sem um único som de passo. Parecia para eles que o ser deslizava no chão. Seu terno bem alinhado era contrastante com alva máscara que levava à face. A curiosa máscara apresentava desenhos espiralares em arabescos recortados, que lhe davam um aspecto curioso e medonho pelo sorriso dúbio que carregava. Em sua testa, o número 476 se fazia desenhado.

— Apresentando-me, 476, cogere de alta patente designado à área infernal 999 — disse com a voz feminina, enquanto observava a todos através daquela máscara — Ao que tudo indica, não teremos problemas por aqui — dito isso, se manteve em pé, apoiando-se numa barra transversal no teto.

— O que é um cogere? — perguntou Dimitri, quebrando o silêncio.

— Somos a força que rege a harmonia de nosso mundo, nós mantemos a ordem. E seremos os primeiros a aparecer caso essa ordem se abale.

— O que aconteceu lá naquela plataforma? Foi por isso que apareceram? — questionou Maria, curiosa.

— Creio que não posso respondê-la. Minha responsabilidade no momento será conduzi-los seguramente até a área.

— Você é uma espécie de segunda guia? — indagou a mulher.

— Sim — 476 disse hesitante.

Todos se olharam e, assim, permaneceram calados, observando as pessoas que com eles iriam enfrentar uma nova realidade, imaginando em suas cabeças os motivos de todos estarem ali. Do canto esquerdo, Norman e Maria, que já conhecem, poupam explicações.

***

Dimitri, o tatuado, foi um jovem russo audacioso e problemático, como Maria. Havia perdido quase toda sua família e era apenas mais um a descer pelo caminho maldito de sua linhagem. Não guardava rancores nem mágoas de suas escolhas em vida, pelo contrário. Se orgulhava de ter sido o que foi pelo ideal de vida que tinha, rebelde sem causa. Viver intensamente e ser julgado por isso.

Alice, a garota de roupas provocantes, se vestia assim por uma questão ideológica e profissional. Sua morte, fruto de um crime, foi quase ignorado pela força policial de sua cidade corrupta. Não sabia para onde iria, mas guardava o medo de seus últimos momentos. Em vida fora uma garota prejudicada pela sociedade. Marginalizada. Excluída. Prostituída. Deflorada.

***

Após algum tempo, todos ouviram algo estalar ao longe, algum barulho de metais se chocando, e perceberam que isso se repetia várias e várias vezes nos segundos seguintes. Logo, o som chegou próximo à cabine deles e notaram pela rápida mudança de direção e pela pequena janela do exterior que estavam se separando do metrô principal. Todas as cabines foram para direções diferentes, seguindo seus próprios trilhos, ramificações dos trilhos centrais, que os levariam para sua determinada área.

— Estamos nos separando das outras cabines. Todas as que aqui se encontram seguirão caminhos distintos — a cogere interrompeu a atenção dos presentes.

Todos se mantiveram calados. Os solavancos logo se reduziram drasticamente e a inclinação da decida ia se tornando mais amena, à medida que o tempo decorria. A viagem de todos não foi a melhor, apesar de demorada. Tudo que poderiam fazer era olhar pelas pequenas vidraças escuras da cabine que lhes mostrava um pouco do exterior, que ia clareando aos poucos e fitar os outros ainda em silêncio. Era estranho para todos estar ali, por mais que horas enclausurados naquele lugar tenham se passado. Era sempre intimidador.

Depois de um tempo, pequenas tochas se evidenciaram distribuídas pelas paredes exteriores do túnel. Isso mostrou que apesar da alta velocidade em que estavam, ela se reduzia e logo chegariam ao destino final. A iluminação se tornou mais incidente minutos depois e a cabine parou em seguida, ao soar de um pequeno sinal e ao barulho de freios fazendo seu trabalho.

— Chegamos... — disse a cogere, abrindo a porta da cabine e mostrando para todos o ambiente lá fora.


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