Assim que Katniss abriu os olhos ela percebeu que algo estava errado. Seu corpo estava dolorido e ela percebeu que estava frio, abriu os olhos e assustou-se ao perceber que estava no chão. Levantou-se lentamente até estar sentada. Seus braços, suas costas e seu pescoço doíam. Ela olhou para a cama de Peeta e o encontrou dormindo.

Katniss o observou por um momento. Ele estava sem camisa e com uma calça de moletom. Sua expressão estava tão serena que quase parecia um anjo, mas ela não se deixou enganar, sabia que era o demônio disfarçado.

Ela andou pelo corredor até chegar à cozinha e pegou o maior copo que encontrou no armário. Ela o encheu com água gelada e retornou ao quarto. Parou ao lado de Peeta e sem hesitar virou o copo em seu rosto. Ele levantou de supetão por causa do susto e começou a tossir devido ao pouco de água que entrou em suas narinas.

– Você está louca? – ele perguntou quando parou de tossir.

– O espaço da cama que você separou pra mim é tão estreito que eu caí! – ela exclamou em tom acusatório – Vou ficar metade do meu dia dentro daquela sua banheira que é maior que meu banheiro pra ver se meus músculos relaxam e depois vou ficar deitada pra tentar amenizar a dor que eu estou sentindo.

Ele revirou os olhos.

– Rainha do drama – murmurou.

– Não foi você quem acordou no chão! – ela retrucou.

O celular de Peeta começou a tocar indicando que era hora de ele acordar. Ele desligou o alarme e pegou suas roupas no armário, ignorando Katniss totalmente. Peeta se dirigiu ao banheiro e logo Katniss ouviu o barulho do chuveiro. Ela foi até a própria mala e pegou algumas roupas e uma toalha e ficou esperando ele sair do banho.

Katniss pegou seu celular e verificou se tinha alguma mensagem ou chamada não atendida. Nada. Ela se perguntou se Gale realmente havia achado alguém para “substitui-la”, mas preferiu não pensar nisso. Na verdade ela até esperou que ele tivesse feito isso, assim ela finalmente teria uma desculpa para terminar com ele sem deixá-lo irritado.

Peeta saiu do banheiro já vestido. Assim que ele saiu, Katniss entrou e trancou a porta. Quanto menos tempo tivesse que olhar para ele melhor. Por outro lado ela analisou o banheiro novamente. Podia ser realmente bom ficar essa semana lá, afinal, a casa era enorme, assim como a banheira luxuosa. Ela podia se aproveitar de tudo aquilo.

Ela escovou os dentes e quando estava terminando de se despir ouviu a porta bater, então soube que Peeta havia saído. Respirou aliviada de ficar o dia todo se aproveitando da casa dele sem ter que olhar para ele.

Ela colocou a banheira para encher e colocou a mão na água para sentir a temperatura. Estava bem quente para combinar com o dia frio. Katniss começou a molhar o cabelo e pegou seu próprio shampoo. Quando estava prestes a enxaguar os cabelos, a água, que antes estava quente, ficou fria. Katniss tentou de tudo para fazer com que a água voltasse a esquentar, mas tudo o que estava acontecendo era que a água quente que já estava na banheira, agora também estava esfriando. Ela se enrolou na toalha com o cabelo cheio de shampoo e foi até a sala. Tentou ligar a televisão e não conseguiu, então concluiu que o problema era na energia.

Katniss se sentou no sofá e respirou fundo sem saber o que fazer. Não podia simplesmente se vestir por causa do seu cabelo, não podia simplesmente sair de toalha para perguntar em outros apartamentos se eles também estavam sem energia. Quando ela olhou para o lado, em direção à parede de vidro, percebeu que a cortina não estava totalmente esticada. Olhando pela brecha da cortina ela encontrou um homem na varanda de um apartamento do prédio da frente olhando de volta para ela. Só então ela percebeu que estava de toalha no meio da sala. Ela sentiu o rosto esquentar e correu para terminar de abrir a cortina, saindo da vista do homem.

– Eu não tenho culpa se não tem energia – ela murmurou como se ele fosse ouvi-la.

Ela percebeu que aquela foi a primeira vez que via através da cortina. Havia uma porta, também de vidro, que levava a uma varanda. Ela cuidaria para que nunca precisasse chegar além do que ela foi hoje. Um de seus segredos era que tinha um medo absurdo de altura.

Katniss analisou suas opções que podiam ser consideradas: ela podia terminar de se enxaguar na água fria ou podia colocar um pouco de água para esquentar e usá-la só pra enxaguar o cabelo, aí quando a energia voltasse ela podia tomar realmente um banho. Optou pela segunda opção, já que estava realmente frio e esse frio já estava fazendo-a tremer.

Ela esquentou a água e quando terminou de se enxaguar já estava na hora do almoço. Ela esquentou a pizza do dia anterior e comeu sozinha na mesa. Quando terminou de comer estava se sentindo realmente sozinha, até porque não havia nada para se fazer já que estava sem energia. Ela mal concluiu o pensamento quando ouviu barulho de chaves e em seguida a porta se abriu.

– O que está fazendo aqui? – ela perguntou já que ainda não passava da uma hora da tarde.

– Ah, Kat, tanta coisa para aprender – ele disse em tom irônico, abrindo seu típico sorriso irritante.

– Não me chame de Kat – ela disse em tom de ameaça, mas foi ignorada, como ele já se habituara a fazer.

– Eu sou o filho do dono da empresa, eu vou herdar aquela empresa. Algumas das vantagens é que eu chego lá quando quiser, saio de lá quando quiser, tiro um dia de folga quando eu quiser... – Peeta sorriu novamente.

– Que responsável você – ela debochou.

– Sou mesmo – ele concordou – A prova disso é que eu posso fazer tudo isso, mas ainda assim raramente eu faço. Katniss não retrucou. Ele estava certo, mas ainda assim ela não iria admitir isso em voz alta – Esquenta pizza pra mim?

– Não – ela respondeu.

Peeta deu de ombros. Ele colocou o último pedaço da pizza no micro-ondas e depois foi até a sala, procurando o controle da televisão.

– E então? Por que está de roupão? A energia acabou e não deu para tomar banho? – ele perguntou.

– Exatamente, isso que dá não pagar a conta – ela debochou – Ei, espera aí... Você não estava aqui, como você... – nesse momento ele achou o controle e ligou a televisão. Katniss abriu a boca, indignada – Você desligou a energia!

– Olha só quem sabe somar dois mais dois – ele continuou sorrindo. Katniss se perguntou se Peeta sabia o quanto aquele sorriso fazia com que ela tivesse vontade de socá-lo.

Peeta pegou seu prato e começou a comer. Katniss revirou os olhos e andou até o banheiro para finalmente terminar seu banho. Ela tirou o roupão e novamente colocou a banheira pra encher. Novamente a água estava fria.

– Mellark, seja lá o que você tenha feito já pode parar – ela gritou enquanto se enrolava na toalha.

– Do que está falando? – ele respondeu, também gritando para que ela pudesse ouvir.

– A água ainda está fria!

Ele não respondeu. Passados alguns segundos ele abriu a porta e entrou no banheiro. Ele estava sem camisa e com o cinto solto, mas ainda em sua calça.

– Você gosta de ficar sem camisa, não é mesmo? – Katniss observou.

– Você provavelmente gosta disso já que está reparando – ele sorriu maliciosamente.

– Não seja tão convencido.

– O que é bonito é para ser mostrado, querida – foi a vez dela de ignorá-lo.

Peeta se aproximou da banheira e colocou a mão na água, constatando que estava mesmo fria. Ele passou a mão no cabelo, sem saber o que fazer.

– É, está fria – ele falou.

Katniss colocou uma das mãos na cintura – com a outra ela estava segurando a toalha que cobria seu corpo – e o encarou por um momento, como se dissesse: “Não é óbvio?”.

– Eu não sei o que aconteceu – Peeta lhe disse – Eu liguei a energia de novo quando voltei ao prédio, eu liguei a televisão, você viu.

Katniss assentiu. Não tinha como ele fazer alguma espécie de magia para que só a energia que esquentava a água parasse de funcionar.

– Você acabou de ligar, às vezes seja isso, talvez demore um pouquinho – tentou se conformar Katniss. O dia já passava da metade e tudo o que ela havia tentado fazer era tomar um banho e nem isso ela não conseguiu – Talvez já tenha esquentado!

Peeta tentou aumentar a temperatura, mas não fez diferença, a água permanecia fria.

– Sai, você deve estar girando de uma forma que não faz a água esquentar – protestou Katniss, tentando empurrá-lo para que ela mesma tentasse.

Peeta bufou.

– Ah, claro e como eu faria isso? – ele perguntou retoricamente.

Por pura implicância Katniss insistiu, tentando fazer com que ele saísse de seu caminho, mas – por pura implicância – ele também insistiu, tentando fazer com que ela parasse.

Então o inesperado aconteceu. Katniss empurrou Peeta com um pouco mais de força e consequentemente ele revidou com um pouco mais de força, de forma que ela esbarrou no degrau que levava à banheira e caiu na água levando Peeta consigo já que estava segurando seu pulso.

Eles tentaram se levantar, mas como estavam os dois se movimentando ao mesmo tempo, um só atrapalhou o outro. Por impulso Katniss soltou a toalha que estava segurando de modo que a lateral de seu corpo ficou exposta. Foi só nesse momento que ela parou de se movimentar e Peeta fez o mesmo.

– O que está esperando pra sair de cima de mim? – ela perguntou depois de alguns breves segundos em que ficaram parados em silêncio.

– Com tanto ódio reprimido eu tinha esquecido que você é bonita – ele disse – Mas lembrei quando a única coisa entre meu corpo e o seu era essa toalha – Katniss corou e ele se levantou, rindo brevemente quando notou o rosto dela se avermelhando.

– Não dá para esquecer que uma pessoa é bonita – ela ajeitou a toalha e se levantou também.

– Você é linda por fora, mas por dentro é totalmente o oposto, então acaba que o exterior nem é assim tão significante – essas palavras a afetaram mais do que ela gostaria de admitir. Peeta colocou a mão na água – Está esquentando.

Ele saiu do banheiro e fechou a porta. Katniss permaneceu olhando para o lugar onde ele havia saído. A verdade é que ela nunca parou realmente para pensar em suas atitudes, se ela era mesmo uma pessoa tão ruim. Ela nunca pensou nos efeitos que as suas atitudes tinham sobre outras pessoas, apenas nos efeitos que causavam em si mesma e eram efeitos defensores. Ela pendurou a toalha e entrou na banheira, sentindo a água agora quente imediatamente relaxar seus músculos, mas ela já havia até esquecido da dor que estava sentindo.

Ela decidiu encerrar o banho quando a água começou a esfriar e se vestiu com as roupas que havia levado para o banheiro mais cedo. Katniss estava decidida a ignorar Peeta o resto do dia e ele parecia não se importar com a presença dela, já que estava assistindo televisão despreocupadamente. E se tinha algo que Katniss odiava era ser ignorada. Ela simplesmente não conseguia ignorar se ela já estava sendo ignorada.

– Você não tem o direito de falar assim comigo – ela disse a ele – Você mal me conhece. Nos vimos pela última vez há dois anos. Você é obcecado por mim, devia procurar um psiquiatra.

– Katniss, vá embora – ele revirou os olhos e gesticulou na direção da porta, sem desgrudar os olhos da televisão.

– O quê? - ela indagou confusa.

– Você me ouviu. Pegue suas coisas e vá embora – ele pegou o controle e desligou a televisão, olhando em seus olhos – Você tem razão, eu estou me sentindo um perseguidor. Só queria que você soubesse o quanto me chateou. Agora você já sabe e continua só pensando em si mesma e no seu mundinho cor-de-rosa. Não tem a mínima graça nisso tudo.

– Eu não posso ir – Katniss protestou – Não posso desistir.

– Você não está desistindo, Katniss! – ele exclamou – Recolha sua preciosa dignidade e vá embora porque se continuar aqui eu juro que vou continuar fazendo de tudo para fazer da sua semana um inferno. Minha vida tem sido um tédio e essa é a primeira coisa diferente que eu faço em muito tempo, sabia disso? Volte pro seu namorado, conte para todo mundo a história que quiser e eu vou concordar, diga que me insultou tanto que eu não pude suportar ou o que quiser e eu volto para a minha rotina. Todos ficam felizes.

– Eu não quero ir embora, Mellark! – ela admitiu. As palavras saltaram de sua boca antes que ela pudesse impedi-las – Essa é a primeira vez que eu tenho uma desculpa para ficar longe de Gale – Peeta a analisou por um momento e quando percebeu que ela estava falando sério se pôs a rir. Katniss acabou rindo também – Minha vida tem sido um tédio também e aqui eu como de graça, gasto energia de graça, sua banheira é maior que a minha e sua televisão é maior – ela deu de ombros – Você me quis aqui então agora eu fico até o fim.

Ela se sentou no braço do sofá. Peeta, que estava deitado, sentou-se.

– Eu não vou tornar as coisas fáceis para você, Everdeen. Se ficar, acredite, vai desejar ter ido quando te dei a chance.

– Sinta-se livre para tentar – ela ergueu a sobrancelha em um desafio silencioso.

Depois disso ela ficou o resto do dia escutando música em seus fones de ouvido e cantando tão alto que mais parecia estar gritando. Peeta, por sua vez, tentava bloquear o som da voz dela aumentando o volume da televisão até que o volume estava no máximo e ela estava quase ficando rouca de tão alto que cantava. Só pararam quando o morador do apartamento de baixo bateu no teto com algo que deveria ser um cabo de vassoura ou algo do tipo.

Na hora de dormir, Katniss arrumou uma “cama” para ela com colchas e um travesseiro no chão. Peeta revirou os olhos diante da cena.

– Está frio por demais, durma aqui em cima – ele disse a ela – Eu coloco a divisória do lençol no meio da cama para que você não caia.

– Vou ficar no chão – ela insistiu por orgulho.

Os dois sabiam que esse momento “calmo” que estavam tendo se encerraria logo na manhã seguinte e por mais que não fossem dizer, mal conseguiam esperar. Sabiam que aqueles dias seriam os momentos mais “vivos” que eles teriam em muito tempo.