Crónicas Do Céu Ao Inferno: O Último Carrasco escrita por Joaquim Almeida


Capítulo 4
Luís Alves dos Santos


Notas iniciais do capítulo

Se Estêvão estava quase convicto, no capitulo anterior, que o assassino se tratava do Espírito de Luís Alves dos Santos agora ia perder-las quase por completo e voltar a estaca 0.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/412110/chapter/4

Entrei em sua casa. A porta era baixa e os meus olhos não se demoraram a adaptar á diferença de luz da rua para o interior. Segui-a por um corredor estreito ladeado por cómodas e mobílias repletas de bijutaria, molduras e bibelôs de porcelana. Á esquerda a sala. Pequena e desajeitada com decoração ao estilo do moderno de Portugal. Sofás cobertos por naperons com padrões pirosos. A imagem de santos e da virgem Maria, assim como quadros do culto Mariano estavam presentes em todos os recantos. Náuseas e dores de cabeça eram me dadas pelo cheiro intenso a naftalina e incensos que supostamente afastavam os Espíritos. Era comum as pessoas adquirirem incensos e outros produtos que tal convencidas que criariam um escudo de defesa de Espíritos e maus-olhados. Assim como o uso de colares de alhos pendurados atrás das portas como garantia de repelar todos o seres ditos sobrenaturais. Na verdade estas supostas proteções repelavam as assombrações mas pelo seu incomodativo odor. Pessoalmente odeio os colares de alhos mas afastam-me como a qualquer humano.

                A idosa tinha trazido da cozinha um bule de chá fumegar e convidou a sentar-me com ela.

                - Sirva-se de biscoitos meu filho. São de limão. Adoro-os.

                E deliciou-se com três deles na boca em simultâneo. Para parecer simpático retirei dois do pires e mastiguei-os lentamente dando a impressão de os estar a saborear.

                - São bons não são? – foi feita uma breve pausa para que ela se servisse de mais bolos. – qual o seu interesse por esta assombração? Sabe que é perigoso procurar por Espíritos? Procura por trabalhos?

                Na verdade era a minha vida.

                - Não minha senhora, eu não pretendo ir ao encalço do Espírito do Carrasco. Na realidade tenho apenas interesse por estas histórias que assombram o nosso país e a nossa vida. Sou um mero curioso pelo folclore português. Não me quer contar a verdadeira história desse homem?

                - Se assim o pretende… eu lha contarei… - a senhora recostou-se no velho sofá com cheiro a mofo. – a sua história começa em 1806, no ano em que Luís António Alves dos Santos nasceu, não aqui, em Capeludos de Aguiar, Trás-os-Montes. Provinha de uma de uma família extremamente pobre. Em 1822, com apenas dezasseis anos alistasse para o Exercito. Passou a integrar o regimento de cavalaria e viu-se logo envolvido nas lutas liberais, pelejando ao lado dos absolutistas.

                “ No final da guerra imediatamente regressou á sua aldeia mas perseguido pelas tropas dos revoltosos. Vinham para o levar vivo ou morto pelos pretensos crimes que cometeu anteriormente. Foi a 23 de Dezembro de 1835 que o inimigo o encontrou finalmente. Mas Luís Alves não era de desistir facilmente e ao ver-se encurralado em casa, quando saiu feriu três soldados e um sargento e pôs-se em fuga novamente. Só o conseguiram agarrar a 11 de Maio de 1836 levando-o para chaves depois de o espancarem de morte. Permaneceu preso durante dezassete meses, mas astuto, evacuou-se da prisão. Tencionava embarcar para o Brasil mas denunciou-o um falso amigo e tornou á cadeia de Chaves.

                “Numa das audiências do seu julgamento arremessou o bando onde estava sentado ao Supremo Magistrado, conseguindo assim ser condenado á morte! – a idosa fez uma breve pausa para novamente se servir de chá antes de prosseguir na narração. – que volta o processo dei eu não sei mas que Luís Alves se livrou da força isso se livrou!

                “ E em compensação da anulação da sua pena de morte tomou o cargo de executor da justiça. O ex-soldado tornava-se assim o último carrasco de Portugal.

                Porém decorria o ano de 1873, a 18 de Agosto quando foi anunciada a morte de Luís Alves dos Santos por via de uma paragem respiratória. Nos dias de hoje assombra o Pátio do Carrasco como foi nomeado após a sua morte por sua causa e á noite volta aqui trazendo urros e gritos. Os barulhos são mais fortes junto ao sitio onde outrora havia uma túnel por onde passava até á antiga cadeia do Limoeiro. Vá até lá uma noite destas se desconfia do que lhe digo. Faça-o se tem coragem.

                Agora sabia as origens deste carrasco, já podia agir. Com a personalidade bulhenta e impiedosa que teve em vida não seria descabida a possibilidade de depois de morto a sua Alma se tenha tornado num Espírito assombroso muitas eram as Almas nómadas que ousam penetrar os Portões do Inferno em fuga dos seus escombros.

                A idosa olhava para mim na esperança de uma reação por minha parte á história do Luís Aves que me contara.

                - Esse Carrasco teve em vida uma atitude maldosa, não se espera outra coisa além de estar a arder no Inferno. É o seu merecido destino.

                 - Deus terá o mandado para o Inferno com certeza mas ele escapou pelas suas fendas e eu não aqui ficarei á espera que me traga uma morte horrível como deu á menina Maria.

                A velha estava verdadeiramente assustada estava irredutível quanto á ideia de abandonar a casa.

                Deixei passar algumas horas, naquela manhã já não havia mais nada que pudesse fazer no local. Nas noites seguintes vigiei o Pátio do Carrasco mas sem êxito. Duas noites passaram e o Espírito de Luís Alves não surgiu, nem denunciou a sua presença com os habituais gritos, suspiros e urros que costumava usar para assustar os moradores. Com o passar dos dias os habitantes do Pátio acalmaram com esperança que o assassinato da menina Maria tivesse sido um caso isolado. Em conformidade com a violência do crime e o misticismo que envolvem o local onde foi descoberto o corpo decapitado da jovem e que cada vez com mais certezas me apraz dizer que o “assassino” não se tratava do Espírito de Luís Alves dos Santos. As evidências do crime apontavam em grande parte para que fosse o Carrasco, em contra partida, um Espírito maldoso fugido do Inferno não deixaria a sua chacina após apenas uma morte. Os Espíritos em grande parte fugidos do seu fim, ao voltarem á Terra instalam-se num local que lhes tenha marcado a vida terrena. Podem viver toda a eternidade a assombrar o local onde vivem ou foram mortos ou qualquer outro sítio. Com o Carrasco dir-se-ia o mesmo visto o Pátio ter sido o local ligado á sua vida e oficio.  

                A polícia fazia o seu trabalho de busca do perigoso assassino e na verdade podiam estar a seguir as pistas certas. Muitos eram os conhecedores desta história do Carrasco e da sua assombração no Pátio do Limoeiro onde outrora ele vivera. Seriais Killers ou doentes mentais podiam ter se aproveitado desta personagem temida por muitos para ocultar um crime. O mesmo modo de matar, a decapitação e o mesmo local onde dizem este ainda permanecer.

                Para os racionais polícias esta possibilidade de um Espírito assassinar pessoas não era válida mas para muitos crentes e medrosos do sobrenatural era motivo suficiente para os manter afastados.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Aqui ficaram com um pouco de história de Portugal e as origens do Espírito Luís Alves dos Santos. Comente e deixem opiniões.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Crónicas Do Céu Ao Inferno: O Último Carrasco" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.