Saudades De Zeca escrita por LittleLucas


Capítulo 1
Naquela manhã.




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Já tinha um tempo que Zeca vinha cansando, mas toda vez por volta das nove horas, ele esquecia aquilo e conseguia ter um dia normal.

Mas naquela manhã, naquela manhã em especial, não sabia porquê, ele acordou e se virou para sua mulher, olhou para ela e não a reconheceu.

“Minha nossa, quem é essa?”, pensou Zeca.

Sentiu vontade de levantar da cama com repulsa, mas aquela estranheza era confortável.

Sua mente estava vazia, a não ser por aquela sensação de estranheza. Era como se ele não tivesse memória recente.

Se levantou de sua cama, entrou no banheiro, se curvou contra a pia ligando a torneira e com as mãos em concha pegou um pouco de água e lavou seu rosto, levantou o olhar para o espelho e não reconheceu aquela pessoa que refletia. Seu rosto estava com uma expressão desanimada e sem via, cansada, como se ele não tivesse dormido á dias, os olhos ainda estavam um pouco fechados de sono, ele não se reconhecia, era como se ele tivesse envelhecido vinte anos desde a última vez que se olhou no espelho.

“Crise de meia idade, só pode ser.”, pensou ele, lembrando de uma foto dele, em que tinha um lápis atrás da orelha e segurava um capacete.

Voltou a olhar no espelho e lá estava aquela versão mais velha e acabada dele olhando de volta para ele, e Zeca continuava sem se reconhecer.

Ele ouviu três batidas na porta, e em seguida sua mulher falou do outro lado: - Você acordou daquele jeito, não foi?

                - Acho que sim. – Respondeu Zeca.

Ficou encarando o seu reflexo se perguntando se aquele amigo de sua adolescência que se parecia com ele não apenas nos gostos, como também no físico, tinha a aparência que ele tinha agora.

Ele entrou no box do banheiro quando ouviu a voz de uma criança, sua filha mais nova, provavelmente tinha invadido seu quarto.

Terminou o banho e evitou o espelho, evitou sequer pensar, saiu de dentro do banheiro e sua filha gritou: - Papai!

                - Oi. – Ele respondeu desanimado.

                - Uma moça lá na escola disse que te conhecia. – Ela disse com sua voz infantil.

                - Que moça, Lucinha? – Perguntou Gisele, sua esposa.

                - Uma moça que escreve, minha professora de português é amiga dela e ela tava conversando a gente. – Falou a pequena criança inocentemente.

Na cabeça de Zeca, surgiu uma imagem de uma garota, essa garota havia sido sua melhor amiga durante grande parte de sua infância e adolescência e hoje era uma grande escritora. Se não fosse por essa amiga, ele nunca teria desenvolvido seu gosto por leitura ou escrita. Ele viu uma foto antiga, aquela amiga, estava escrevendo – era só um rascunho, complexo demais, dizia ela, mas dez anos depois, era um best-seller. – cabeça baixa, o cabelo esparramado sobre o caderno, toda sua atenção focada naquela folha de papel.

                - Adriana-alguma-coisa, papai. – Lucinha voltou a falar, tirando Zeca de seu devaneio.

                - Adriana Molina Suez. “A.M. Suez”. – Falou Zeca distraído.

O quarto caiu em um silêncio mortal e Zeca percebeu que sua mulher, abraçava a filha, Lucinha como se ele pudesse oferecer algum perigo e o observava com medo.

                - Essa mesma!. – Gritou Lucinha, se desvencilhando do abraço da mãe.

                - Vai se arrumar, filha. – Falou Gisele.

A pequena e feliz jovem saiu correndo, totalmente alheia dos ares ruins entre seus pais.

                - Carlos? – Chamou Gisele. Zeca respondeu apenas com um murmúrio sem palavras. – Você está bem? – Perguntou.

                - Sim. – Respondeu ele, se vestindo dentro do closet. – Porquê não estaria?

                - Ah, não sei, tem tempo que não ouvimos algo tão direto assim sobre ela. Era sua melhor amiga, não era? – Falou Gisele com cautela.

“Fale por si mesma.”, pensou Zeca. Desde o primeiro livro que Adriana Suez havia lançado, Zeca tinha comprado, guardava os livros no assento de sua motocicleta abandonada, junto com outros “tesouros”.

                - José Carlos? – Gisele voltou a chamar.

                - É Gisele, era sim.

Gisele se encolheu na cama, ela achava que ele havia sido rude com ela, odiava os amigos da adolescência de Zeca. Odiava esse apelido, “Zeca”, nunca havia se sujeitado a isso, era “Carlos” ou “José Carlos”, apelidinho mais “bar”, pensava ela. Odiava Adriana, não tinha porquê, simplesmente odiava. Se levantou e foi fazer café da manhã para as filhas, Gisele tinha uma loja no nome de Zeca, mas havia uns meses que não ia trabalhar, para cuidar das filhas.

Zeca terminou de se arrumar e desceu as escadas, para encontrar Lucinha e Valéria a filha mais velha tomando “café”, já que Gisele não deixava nenhuma das duas tomar café.

No carro, Zeca lembrava de tudo, odiava quando acordava assim, pensava no seu antigo circulo de amizade, os que só usavam jeans e sandálias de praia, estavam sempre confortáveis e felizes não importava a situação, se sentia estranho sempre que o nome de um dos amigos dele aparecia na televisão, fosse pelo novo livro, pelo novo projeto... Certa vez no noticiário ele viu uma foto daquele seu amigo que parecia muito com ele, foi uns anos atrás, mas ver que aquele seu amigo ainda usava jeans, moletom e sandálias de praia o fez sorrir.

No seu escritório, se sentiu sufocado pelas quatro paredes, não era pequeno, muito pelo contrário, Zeca tinha um cargo bom, ganhava muito bem, mas odiava.

Ligou a televisão, para ver o rosto sorridente de sua ex-melhor amiga, dando uma entrevista, os cabelos amarelo-queimado longos como sempre, e com um óculos no rosto. “Finalmente.” Zeca pensou. Adriana Suez, desde criança precisava de óculos, mas nunca tinha conseguido usa-los, havia perdido, havia quebrado... Na verdade ela não cansava de inventar de desculpa para não usa-los, e quando jovem Zeca achava aquela encenação toda muito engraçada, ainda mais quando ela pedia para ele ler coisas que não estavam distantes, mas ela não enxergava e ainda assim se recusava a usar os óculos.

“Ela fica bonita assim.” Concluiu ele.

Por volta das nove horas, como de costume tinha conseguido parar com a nostalgia, ele resolveu dar uma volta pelo prédio, e ver os tão chatos e entediados quanto ele.

Ao abrir a porta, voltei no tempo.

                - Zeca! – Gritou aquele meu amigo parecido comigo, Eduardo.

                - Edu? – Falei, com uma mistura de espanto, felicidade, surpresa, e alívio.

Edu ainda parecia o mesmo rockstar da adolescência, o cabelo ondulado igual o meu, porém maior, jeans uma blusa preta, e um coturno preto e talvez até mais magro que eu.

Me olhou dos pés a cabeça, terno e gravata, acho que ele nunca esperava me ver assim. Então sorriu.


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