Estou andando ao lado de Noah, ele anda mais devagar para poder acompanhar meus passos lentos com a muleta. Ele me conta sobre como a tecnologia Erudita ajuda a Amizade e como aprendeu a tocar banjo. Rio. Ele é tagarela demais para a Audácia.

– Então tinha Sky, você vai conhecer ele, ele era da Abnegação, ele me ensinou a tocar banjo nos primeiros dias de transferência...

Entro sem bater na porta. Entreabro a porta e vejo Drezza sentada á um canto do quarto. Com um livro na mão e Luna andando de um lado para o outro. Toda vez que Luna pega uma das maquiagens que Drezza sempre trás junto a si em um estojo em seu bolso, ela grita um “Não”.

– Já arrumando confusões, Neelie? – digo sarcasticamente parando no vão da porta. Sua cara muda de branco doentia para corada em poucos minutos.

– Como sabe sobre o “Neelie”?

– Noah é um fofoqueiro. – digo rindo e me aproximando lentamente com as muletas. – Por que não me disse que esse era seu nome?

– Ele é vergonhoso. – Estou cheia dessas pessoas escondendo seus verdadeiros nomes por que são “vergonhosos” – Noah... – ela diz olhando para a porta. Ele esta lá passando a mão nos cabelos nervosamente. – Já não gosto de você. – ela diz seria, mas depois ri.

– O que você esta lendo? – Sento-me em sua cama, já que ela esta no chão.

– Um manual sobre a irrigação daqui. – ela diz simplesmente.

– Pra que esta lendo isso? – Noah pergunta olhando ela como se ela fosse louca.

– Era o único livro que Luna tinha... – ela olha para Luna que agora esta mexendo os pés. – Estou com fome. – diz Drezza olhando para mim. Ela esta bem. Seus cabelos esta arrumado, ela veste uma blusa vermelha que lhe parece servir bem e uma calça amarela. Parece um palhaço, mas esta viva. Não acho que vou conseguir a chamar de Neelie. Para mim ela sempre será Drezza.

– Fome? Mas você comeu á umas duas horas atrás. – diz Luna.

– Luna, Luna... Que má responsável você é... Tsc, tsc, acho que deveria comunicar á Johanna e ela colocar Eloah como responsável da Neelie. – Diz Noah passando o braço pelos ombros de Luna. Ela parece irritada com o comentário dele, mas não tira seu braço de lá.

Sinto vontade de rir e bater nela ao mesmo tempo. Algo se agitou dentro de mim quando ele fez isso. Como um monstrinho que quer sair da jaula. Desvio o meu olhar deles para Drezza.

– Então vamos comer. – digo dando a mão para ela se levantar. Saímos para o corredor. Deixamos Luna e Noah irem á frente. Eles fazem brincadeiras entre si, se cutucando ou se empurrando. Não gosto de olhar para eles.

– Você esta bem? – Drezza pergunta.

– Claro que estou. – rio. – Por quê?

– Um dia você vai se cansar de dizer que está tudo bem. – ela diz murmurando. Ela me olha – Você esta vermelha. Esta com raiva?

Levo a mão ao meu rosto. Ele esta quente. Talvez esteja com raiva.

– Não. Éer... Esta muito quente aqui.

– Esta mentindo. – ela diz e suspira. – Ruthless, Ruthless... Quando vai aprender a não mentir para mim? – ela para, balançando a cabeça em um falso desapontamento. Por um momento ela me lembra de Andrew. Como ela deve estar se sentindo em relação á ele agora?

– E você?... Esta bem?

– Claro. – ela diz sem duvidas.

– Ainda me pergunto por que você largou a Erudição para fugir comigo...

– Larguei a comodidade pela aventura. Espirito de adrenalina. – ela sorri. – Amo isso.

– Ama poder morrer á qualquer momento?!– pergunto incrédula.

– Faz parte. – ela balança os ombros.

Descemos alguns lances de escadas. O refeitório é no térreo.

– Qual será a informação que a Abnegação tem que a Erudição quer? – ela pergunta de repente.

– Algo grande, sem duvidas. Talvez Caleb saiba... Ouvi dizer que ele chegou hoje de madrugada. – digo, ela me olha.

– Por que ele não ficou na Erudição? Não que diga que a guerra chegou até lá. – ela está preocupada.

– Drezza... Ele é um transferido da Abnegação. Seu pai era um dos lideres. É provável que esteja morto. É provável que todos os lideres da Abnegação estejam mortos agora. – digo. Noah á frente diz

– Marcus está vivo. Ele esta aqui no complexo. – ele responde e acho melhor falar mais baixo, pois eles devem estar escutando.

– Ahn... – ela murmura. Chegamos ao refeitório. Ele tem grandes janelas por onde entram a luz solar. Sinto como se estivesse do lado de fora. O piso de madeira escura e as paredes brancas amareladas. Várias mesas estão distribuídas e consigo ver a cozinha daqui. Algumas pessoas estão aqui sentadas. Elas gargalham. Vejo um grupo de crianças correndo em volta das mesas brincando de pega-pega. Uma manhã normal. Eles não fazem ideia do que aconteceu ontem. Ou fazem, mas para eles não faz diferença. – Comida!

Rio. Drezza mais parece uma das crianças do que alguém que acabou de ver mortes. Ela corre até a fila que esta segurando bandejas e passando lentamente. Conversando com as cozinheiras e os cozinheiros enquanto enchem suas bandejas.

– Impressionada? – Sinto os braços de Noah passar pelos meus ombros. Sinto-me em impasse. Ele estava a cinco minutos fazendo isso em Luna, por que agora esta fazendo isso em mim? Vejo que Luna não esta mais ao nosso lado e se senta em uma mesa próxima. Ela cutuca um menino alto de cabelos loiros. Ele se vira e sorri para ela. Em um movimento rápido ela tira a maçã de sua mão e da uma mordida. Ele se finge de irritado e os dois riem.

– Não te lembra da Audácia? – pergunto me virando para Noah. Ele é muito mais alto que eu.

– Tirando a escuridão, o ar frio, as pessoas estranhas, as roupas pretas, as caras pálidas... É me lembra, um pouco. Elas têm algo em comum... O barulho. – ele diz rindo e o acompanho até a fila.

Não percebi o quanto estava com fome até ver o café da manhã. Depois de pegar o que eu queria, sento-me com Drezza em uma mesa vazia.

Enquanto comemos vejo um grupo vestido de cinza. A Abnegação. Os sobreviventes da Abnegação. Desvio os olhos. Talvez entre eles esteja a família daquele homem que minha irmã matou. Talvez eles não tenham sobrevivido também. Eles vêm em silencio, mas não são sombrios. Eles sorriem e acenam com a cabeça em sinal de respeito.

– Não conseguira ser dessa facção. – Drezza diz baixo.

– Você teve aptidão para o que afinal? – pergunto mordendo minha torrada com geleia.

– Erudição e Amizade. – Paro por um momento... Ela acabou de confirmar que é...

– Divergente? – repito baixo.

– Assim como você. – Olho para ela.

– Como sabe que sou?

– Nesse tempo de pesquisa consegui encontrar os relatórios dos resultados dos testes de aptidão... Erudição e Audácia estou certa? Mas foi registrado apenas como Audácia.

– Você é aterrorizante. – murmuro. Deuses! Ela sabe que sou divergente. Sei que posso confiar em Drezza, mas não quero que todos saibam disso. Ser divergente é perigoso.

Noah vem na nossa direção.

– Faltam 30 minutos, meninas. – ele diz. Luna vem vindo também. – Acho melhor irmos.