Paradoxo Alternativo escrita por EdB


Capítulo 4
Capítulo 4




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Dezenove anos. Foi o tempo que tive que conviver com a ausência de um pai. Todos esses anos, principalmente na infância, recebendo olhares estranhos das outras pessoas sempre que eu dizia não saber qual era o seu nome. Obviamente, a culpa caía sobre minha mãe, afinal como uma mãe pode não revelar ao seu filho o nome de seu pai? Claro, se julgassem que ela sabia o nome dele.

Mas a questão é que eu nunca perguntei, nunca me interessei. Acho que nunca me fez falta. Nos antigos trabalhos escolares onde as crianças tinham que escrever ou tirar fotos com os seus pais, eu simplesmente dizia “não tenho pai” e ficava por isso mesmo.

Dezenove anos.

O que leva uma pessoa a abandonar sua família por tanto tempo? O que faz um homem simplesmente sumir deixando para trás uma mulher com duas crianças para criar? Isto é uma coisa comum? É normal?

Por que ele decidiu voltar? Por que logo agora, depois de tanto tempo? Por que não permaneceu oculto, longe dos meus pensamentos para sempre?

– Com licença... – sua voz invade meus ouvidos e então percebo que estou em pé em sua frente, calado sabe-se lá por quanto tempo, perdido em meus pensamentos – Você está bem?

– Você... Disse ser o pai dos dois rapazes?

– Sim. Você os conhece?

O que fazer? Contar que sou aquele por quem ele procura? Isto está fora de cogitação. Agredi-lo física ou verbalmente? Como expressar toda essa tormenta de emoções que está surgindo neste momento com um único gesto? Muitas opções estão aparecendo. Um soco? Talvez um único soco...

Que piada. Agir impulsivamente nunca combinou comigo. Agora não seria diferente.

– Me desculpe, mas acredito que eles tenham se mudado há muito tempo.

– Entendi – posso notar o tom de decepção em sua voz – É uma pena. Mas obrigado mesmo assim.

Ele me dá as costas e começa a se afastar. Neste momento um alívio súbito começa a tomar conta de mim enquanto o observo, esperando que saia do alcance de minha visão, mas não dura muito tempo. Ele para e se vira novamente.

– Desculpe, mas eu não sei o seu nome.

– Meu nome? É... – Antes que eu possa pensar em uma resposta, ouço a porta de minha casa de abrindo.

– Miguel? – pronuncia minha mãe com uma voz sonolenta – Com quem está conversando a essa hora?

– Espera... Ela lhe chamou de Miguel? Miguel, não é? Não acredito, é você! – ele começa a se aproximar novamente.

– Não se aproxime!

– Miguel, o que está acontecendo? – pergunta minha mãe, preocupada.

– Mãe, por favor. Volte para casa.

– Mãe? Não pode ser... Você é a... Ashlley?

– Como sabe o meu nome? Não me diga que...

– Ashlley! Sou eu, Le... – antes que ele consiga pronunciar seu nome, meu punho acerta-lhe a face, o que o faz cair no chão.

– Vá embora. – digo, olhando-o nos olhos.

– Mas... – ele tenta argumentar enquanto leva a mão até o lado direito do rosto.

– Vá embora!

– Miguel – ele apoia a mão no chão e tenta se levantar – Eu preciso lhe contar uma coisa

– Não estou interessado em nada do que você tenha para me falar! – lhe acerto um chute no peito, o que o faz cair novamente no chão. – Não me faça repetir de novo. Vá embora!

Quando estou prestes a lhe acertar outro golpe, sinto dois braços envolvendo o meu corpo por trás, me segurando. Os braços de minha mãe.

– Miguel pare, por favor. – diz ela com a voz baixa. – Leon, por favor, vá embora.

Ele se levanta com dificuldade e ofegante. Antes de partir, olha fixamente para nós dois, seu olhar diz que o assunto ainda não está encerrado. Não é um olhar agressivo, na verdade eu diria que é um olhar de preocupação. E então ele caminha lentamente, e ficamos observando-o até vê-lo virar a esquina e sumir.

Minha mãe solta o meu corpo e volta para casa em silêncio, deixando a porta aberta para que eu possa entrar. Permaneço na rua, olhando para minha mão ainda fechada. Só agora percebo o que acabei de fazer. Impulsividade nunca combinou comigo, mas sempre há uma primeira vez.

12 de Setembro, Sábado.

– Você está meio distraído hoje, Miguel. Aconteceu alguma coisa?

– O quê? Ah, desculpe, George. Não foi nada.

– Tudo bem, então. Está ansioso para conhecer nosso local de trabalho?

– Sim, claro.

Estamos caminhando até a parte baixa da cidade, onde George alugou um antigo galpão para podermos construir a máquina. Eu poderia estar levando comigo apenas meu caderno digital, mas ao invés disso estamos ambos carregando imensas mochilas abarrotadas de papel.

– Onde está o Félix? – pergunto

– Ele nos encontrará lá. O galpão é dele.

– Pensei que você o havia alugado.

– Eu aluguei, do Félix.

Pouco tempo depois já conseguimos avistar o local. Félix está nos esperando na entrada com o seu grande sorriso.

– Agora que estamos todos aqui, podemos começar! – diz George, animado antes de entrar correndo no galpão.

Entro logo em seguida e me surpreendo. O lugar é enorme e está repleto de grandes maquinários que eu nunca tinha visto antes. Mas o que mais me surpreende não é o tamanho do local ou as máquinas, mas sim o seu estado de conservação. Aparentando estar a muito tempo fora de uso, o chão está coberto com uma grande camada branca de poeira, teias de aranha surgem aos montes entre as engrenagens das máquinas e várias das muitas janelas estão com os vidros quebrados.

– Não tenho palavras para descrever isto – digo

– Eu sei. É incrível, né? – diz George, com um sorriso no rosto que poderia ser comparado ao de Félix – Mas, acho que teremos que dar uma pequena faxina por aqui.

– “Pequena”? – digo e direciono o olhar para Félix, que solta uma gargalhada.

Horas se passam, é fim de tarde e estou sentado em um banco apoiando o cabo de uma vassoura sobre o ombro, exausto. George e Félix não estão numa situação diferente. Félix está sentado do meu lado, com aquele sorriso nos lábios que às vezes me parece perturbador, enquanto George está com um pedaço de pano dando um polimento nas máquinas.

– Neste ritmo não vamos avançar nunca – digo, dando um suspiro.

– Talvez – responde Félix.

– Quando George convidou você para o projeto?

– Poucos dias antes de convidar você, acho que uns dez dias antes. Eu já o conhecia há algum tempo, afinal aluguei esse galpão para ele quando ele estava procurando um lugar para guardar todas essas máquinas. Ele precisava de ajuda, pois não sabia como utilizar a maioria desse equipamento. Eu trabalhei em uma fábrica e sei operar máquinas industriais, essas aqui possuem o mesmo conceito básico, então são fáceis para eu manobrar. Foi quando ele me convidou.

– Entendi.

– E você? Por que aceitou fazer parte? – pergunta Félix abrindo uma garrafa de água mineral e dando um gole.

– Sinceramente, eu ainda não sei ao certo. Eu só tinha uma pequena ilusão de poder voltar no tempo e reviver velhas coisas que não tive a oportunidade de aproveitar. Algumas oportunidades que me escaparam. Essas coisas.

– Saquei. Será que vamos conseguir?

– Espero que sim.

– Por mais que seja uma coisa extraordinária, sinto um pouco de medo.

– Medo?

– Sim, você não sente? Afinal viagens temporais podem ser perigosas. Eu fico imaginando o que pode acontecer se mudarmos algo do passado. Que resultados essas mudanças podem trazer. Por causa disso só sonho em viajar para o futuro. Sempre quis saber como será o mundo daqui a 100 ou 200 anos. E você, pretende ir para o passado ou futuro?

– Passado.

– Você não tem receio de mudar o seu futuro? Ou o seu presente, sei lá. – ele me passa a garrafa de água.

– Acho que não – tomo um pequeno gole – “É exatamente isso o que pretendo” – penso.

– Finalmente terminamos! – diz George com um sorriso triunfante e os braços erguidos sobre a cabeça, antes de desabar de costas no chão. Ele se vira para nós – E então, vamos começar?


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