Paradoxo Alternativo escrita por EdB


Capítulo 2
Capítulo 2




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George era um jovem não muito sociável, pelo que eu me lembro. Fazíamos parte do mesmo grupo de estudos; eu era bom em Artes e Matemática, ele em Física e Biologia, talvez pelo fato de ter um pai cientista. Apesar de estarmos sempre juntos por causa dos trabalhos escolares, nunca fomos grandes amigos. Eu era – e ainda sou – uma pessoa de poucas palavras e ele, menos ainda.

Enquanto eu e os outros membros do grupo discutíamos como seriam feitas as apresentações, ele permanecia o tempo todo calado, observando. Quando estava sozinho, ficava sempre fazendo anotações em um bloco de papel que carregava em seu bolso. Em uma época onde não se usavam mais cadernos, carregar um bloco de anotação era um tanto excêntrico. Agora, anos depois nos reencontramos. Ele está mais comunicativo e, não posso deixar de citar, mais estranho.

— Como assim “sabe como fazê-lo”? – perguntou Michele, que na época escolar fazia sucesso por ser uma ótima jogadora de vôlei – Está dizendo que sabe como viajar no tempo?

— Exatamente – respondeu George, com um sorriso triunfante no rosto.

— Como? – perguntou um homem que esqueci o nome

— Passei os últimos anos desenvolvendo uma máquina capaz de transpor as barreiras que dividem o tempo. Como sabem…

— Tudo bem, você explica depois – interrompeu-o Pablo, que possuía algumas dificuldades de aprendizado. Agora que o notei, tento lembrar-me se ele realmente se formou conosco ou repetiu a série – Está dizendo que atrás dessa porta está uma máquina que pode nos transportar para o passado ou futuro?

— Bem… Não – Confessou. Seu sorriso triunfante desapareceu de seu rosto

— O que tem atrás dessa porta, afinal?

— Atrás dessa porta está toda a minha pesquisa. Meus cálculos e teorias que serão necessárias para a viagem temporal.

— Está dizendo que a máquina não existe?

— Não…

— Entendi… Então quer dizer que você afirma poder voltar no tempo, mas só possui teorias? Já vi que você continua tão anormal quanto na época da escola – Alguns começaram a rir. – Vou embora, não acredito que você me fez perder meu precioso tempo. Mas até que a música e a comida estavam boas. Não se esqueça de me convidar para o seu próximo “evento”.

Todos foram embora. Eu gostaria de dizer que permaneci no local para dar apoio ao meu antigo parceiro de grupo, mas acompanho os outros. Sou o último a sair. Antes de transpassar a entrada dupla, olho para trás e vejo George recostado na porta vermelha, com a cabeça baixa.

Dois dias se passam. Domingo à tarde, estou deitado na cama com fones de ouvido e olhando para o teto. Não há nada para fazer. Decido dar um volta pela cidade. Alguns minutos de caminhada sem nenhuma direção programada e logo me vejo em frente à casa de George. Por mais incrível que seja ela parece mais sombria durante o dia. Hesito por um instante, mas enfim toco a campainha.

Alguns minutos se passam. Nada. Toco-a novamente.

— Talvez ele não esteja em casa – penso e dou as costas, me preparo para ir embora. Uma das portas se abre atrás mim.

— Miguel! Que boa visita. Vamos, entre, entre.

— Não será preciso. Só queria saber como você está.

— Como eu estou?

— Sim, sabe… sobre ontem.

— Ah, sim. Não precisa se preocupar, já estou acostumado – sorriu.

— É verdade?

— Sim, é verdade. Estou bem.

— Não é isso. É verdade que você sabe como viajar no tempo?

— Sim, mas preciso de ajuda.

— Entendo. Bem, preciso ir. Terei uma visita hoje à noite.

— Tudo bem – ele parece decepcionado, talvez esperasse que eu me oferecesse para ajuda-lo. Sinceramente, até pensei nisso, mas sou péssimo em tomar a inciativa para algo e admito que eu seja tão sociável quanto ele era na escola. Pelo menos isso ele conseguiu mudar. Eu, não. – Obrigado pela visita.

Fim de tarde, a campainha toca. São meu irmão e sua esposa, fazia tempo que não os via. Como todos vivem muito ocupados durante a semana, nossa única forma de comunicação é através dos telefonemas. A última vez que nos reunimos foi na cerimônia de seu casamento.

Antônio está um pouco diferente, seu cabelo está maior – chegando aos ombros - e parece que ele está deixando o bigode crescer, mas no momento ainda está curto e não muito volumoso. Paloma continua a mesma de que me lembro.

Desde a infância nos damos muito bem, apesar de termos algumas ideias contrárias. Uma coisa que nunca vou entender sobre meu irmão é o seu fascínio com informações que muitos julgam como desnecessárias e até mesmo perturbadoras. Uma das suas favoritas envolve algo sobre masturbação e fetos ainda no útero… Não entrarei em detalhes.

Sinto-me um pouco estranho quando estamos todos reunidos. Olhando para Antônio e minha mãe, vejo como são semelhantes entre si e diferentes de mim. A começar pelo tom da pele, já que possuo uma tonalidade um pouco mais escura. Antônio e eu somos filhos de pais diferentes, então eu suponho que eu deva ser bem parecido com o meu pai, mas é difícil dizer por nunca tê-lo visto, nem mesmo em fotos.

— Bem… - Meu irmão segurou a mão de Paloma. Estamos todos sentados no sofá. - Temos algo para lhes contar.

— E o que é? – perguntei

— Mãe, a senhora será avó. Miguel, você será titio.

— Meus parabéns! – diz minha mãe se levantando e dando um forte abraço em Antônio e Paloma. Faço o mesmo.

— Estamos muito felizes – diz Paloma. Seu tom de voz é um pouco infantil, o que transmite uma sensação de inocência. Gosto de sua voz, apesar dela se zangar se dissermos que sua voz é bonita.

— Já sabem quais nomes darão? – perguntou minha mãe

— Ainda estamos pensando nisso, mas já temos algumas ideias. Não é, Antônio?

— Sim. Já dei várias sugestões caso seja um menino, mas não tenho muitas ideias caso seja uma menina.

— O que acho meio injusto. Sinceramente, estou torcendo para que seja uma menina – admitiu Paloma – mas o amaremos da mesma forma.

— Desde que ela começou a frequentar grupos feministas, até o fato de eu preferir um menino se tornou injusto – brincou Antônio.

— Já disse que não sou feminista. E pode parando com essas piadinhas antes que eu arranque esse seu bigode horrendo fio por fio.

— Nem pense em tocar no meu bigode. Um dia serei igual ao Stalin.

— Pois é… Mas no momento está mais parecido com Hitler.

Minha mãe e eu ficamos apenas rindo daquela discussão. Como eu disse, eles formam um belo casal, apesar de não combinarem muito. Ficamos conversando por horas, contando as novidades que ocorreram durante esses meses. Eu não contei quase nada.

— Adorei a visita de vocês – diz minha mãe enquanto acompanha Antônio e Paloma até a porta - Vejam se aparecem mais vezes.

— Pode deixar – diz Antônio lhe dando um longo abraço – Tenham uma boa noite. Tchau maninho.

— Tchau e vê se tira esse bigode – Paloma riu

— Nem pensar. Um dia ele ficará do jeito que eu quero.

— Mas vai continuar horrível – provocou Paloma, não pude deixar de rir.

7 de Setembro, Segunda-feira.

Hoje o dia será longo. Não trabalho e nem estudo. Se por um lado a rotina semanal se torna cansativa, um feriado mal aproveitado é exatamente o mesmo. Afinal, o que se tem para fazer no primeiro dia útil da semana? Meu metabolismo está tão acostumado que acordei no mesmo horário de sempre, achando que ia trabalhar. Eu poderia sair e aproveitar as diversas comemorações que acontecem pela cidade, mas está chovendo.

É… Esse dia será longo.

Estou assistindo televisão na sala. O telefone toca, mas antes que eu pudesse atendê-lo, minha mãe o retira do gancho.

— Alô? Você de novo? Afinal, como conseguiu esse número? O que você quer? Não, nem pensar… Adeus.

— Quem era? – pergunto, mas já desconfio de quem seja.

— Uma pessoa que conheci há muito tempo.

— É o tal do Leon, não é? – ela hesita por um momento, mas enfim responde.

— Sim.

— O que ele quer com a senhora?

— Nada…

— Eu sei que odeia quando nos intrometemos na sua vida, mas desde que esse cara começou a nos ligar, a senhora tem andado muito estranha. Quero que me diga quem é esse Leon.

— Tudo bem. – Ela respira fundo e se senta ao meu lado no sofá

— E então?

— Ele… ele é…

— Ele é…

— O seu pai. Ele está ligando todos esses dias porque quer nos ver. Eu, seu irmão… E você.

Fiquei mudo e senti um calafrio repentino. Meu pai. O homem que desapareceu há 19 anos cujo rosto eu nem me lembro, que deixou minha mãe sozinha com dois filhos para criar, agora reaparece querendo se reaproximar de nós.

Eu devo ficar feliz?


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