Anjos Morrem escrita por Ketlenps


Capítulo 1
Capítulo Único - Hurt


Notas iniciais do capítulo

Hey!Espero que gostem dessa One, a ideia dela apareceu do nada. Escrevi ouvindo a música Hurt de Johnny Cash, se quiserem, fiquem à vontade para lerem ouvindo a mesma.Boa leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/411253/chapter/1

A agulha abre um buraco

A velha picada familiar

Tento apagar tudo

Mas me lembro de todas as coisas [...]

O corredor parecia longo e infinito para Ellie, seus passos ecoavam pelo piso de madeira num som ritmado, cada passo seu em direção àquela última porta do corredor era igualmente as batidas de seu coração contra suas costelas. Passando pela única janela ali, ela suspirou fundo produzindo uma fumaça branca de sua boca que combinava com a neve que caia do lado de fora naquela tarde gelada de inverno.

Mais três passos Ellie, disse para si mesma.

Dois passos.

Um passo.

Ela ergueu a mão e encarou a maçaneta enferrujada da porta, sua mão tremia e ela não sabia se era pelo frio tenebroso ou se pelo medo que sabia que sentiria ao ter a visão de dentro.

Medo de perder.

Um medo que neste mundo em que ela vivia eram apenas palavras vagas e fúteis, mas havia uma diferença entre perder bens materiais e perder alguém que ama, e disso Ellie entendia muito bem.

Ela tomou coragem e abriu a porta, o quarto estava quente, bem diferente do frio no corredor. As duas janelas que haviam atrás da cama estavam fechadas com cortinas brancas, mais precisamente amareladas e desgastadas pelo tempo, mas ainda sim era possível a entrada da claridade do sol fraco e por isso não havia necessidade de usar velas ou candelabros. Os móveis no quarto eram feitos de mogno como de todo o resto da casa, eram móveis difíceis de estragarem e por essa razão eram muito usados, contudo naquele pequeno quarto apenas uma cômoda e uma cama de casal eram utilizados.

Silenciosamente, Ellie fechou a porta atrás de si e fitou com dor nos olhos o homem deitado na cama. Ela respirou fundo, tentando conter a ardência nos olhos que resolvera começar, com rapidez passou a manga da jaqueta nos olhos impedindo que aquela coisa salgada lhe atrapalhasse a visão.

Ah, Joel...– murmurou num fio de voz rouca.

Ellie caminhou até a cama com leves passos, Joel parecia estar dormindo num sono profundo, sua boca mexia-se enquanto ele falava coisas que Ellie não entendia.

Eu odeio pesadelos, lembrou-se ela de ter dito isso a ele a primeira vez que o vira dormindo e falando ao mesmo tempo, naquele velho sofá.

Tanto tempo atrás...

Ellie sentou-se na beirada da cama com cuidado, levou sua mão até o ombro do velho homem e o sacudiu vagarosamente. Joel abriu os olhos lentamente, como se tivesse dificuldade para fazer aquilo, ele estava mais cansado que o normal e Ellie sabia com tristeza o motivo.

– Ei... - ela o chamou e ele girou os olhos para o lado.

Ao vê-la, Joel sorriu debilmente e Ellie retribuiu. Joel havia mudado tanto, percebia Ellie, a questão era que o tempo tinha passado com muito pressa. Os cabelos dele estavam mais grisalhos, as rugas ao redor de seus olhos e testa mais profundas e seu sorriso só ressaltava que a idade já havia chegado para ele.

Mas Ellie e nem Joel podiam reclamar disto, Deus parecia não ter se esquecido deles, afinal, e deu tempo de vida o suficiente para Joel.

E agora Ellie sabia que esse tempo estava no fim.

Treze anos haviam se passado desde que ambos tinham se conhecido, Ellie não era mais uma criança de quatorze anos, ela agora era uma mulher, e Joel, oh Joel, estava na casa dos sessenta anos. Seria considerado um idoso há 33 anos, mas agora, para Ellie, ele era um herói e sempre seria.

Na vida; ou na morte.

– Seu cabelo está cheio de neve. - avisou Joel, dando-lhe um sorriso de canto.

– Lá fora está a maior nevasca, não faz ideia. - respondeu Ellie, passando a mão nos longos cabelos soltos e deixando que a neve caísse aos seus pés.

Joel a fitava em silêncio, apenas observando-a com tamanha intensidade e Ellie sabia, com orgulho de si própria, o que ele estava pensando.

Você cresceu tão rápido; virou uma mulher tão forte quanto um rinoceronte; tenho orgulho de você, não sabe o quanto. Mas Ellie sabia.

– Como se sente? - perguntou tentando quebrar o clima tenso que instalou-se ali no quarto, onde apenas o som de suas respirações pesadas podiam ser ouvidas.

– Mal. - respondeu ele, com uma careta. - Não me sinto muito bem, não vou mentir para você.

Ellie engoliu em seco, sentindo a saliva rasgar sua garganta com força.

Joel estava doente e não havia nada que Ellie ou qualquer outra pessoa pudesse fazer. Ela já havia rodado quase o país inteiro tentando achar um remédio, mas não havia nada que podia consertar o que crescia dentro de Joel. Todos diziam que era um câncer, mas ninguém sabia de fato o que era, entretanto, todos sabiam qual seria o final daquela história.

– Eu queria tanto que estivéssemos na época em que o mundo era "normal" para você e pudéssemos levá-lo a um hospital para ser curado...

– Mesmo que estivéssemos querida, não mudaria muita coisa. - A voz de Joel era fraca e carregada de cansaço. - Eu provavelmente faria alguns exames, talvez uma cirurgia, tomaria remédios... Mas e depois?

– E depois você estaria ótimo e pronto para cantar e tocar violão comigo. - A voz de Ellie saiu chorosa para sua raiva, ela já não estava mais conseguindo esconder.

Joel riu, uma risada baixa e rouca, que durou menos de cinco segundos até uma tosse seca o interromper, porém ele logo voltou ao normal novamente. Ellie apenas o olhava, sentindo uma dor aguda e fina cutucar seu peito, provocando-lhe aquela sensação de medo que a perseguia há anos.

– Eu não quero perde-lo Joel. - Ellie disse, por fim, sentindo as lágrimas encher-lhe os olhos e caírem sobre suas bochechas.

– Oh, não se preocupe comigo, menininha. - Joel ergueu-se um pouco nos travesseiros, afim de visualizar Ellie melhor. Ele encontrou sua mão e a apertou, os dedos finos e já com calos da menina - um mero sinal de um sobrevivente - estavam geladas, mas não o incomodou.

Quando Ellie respondeu, sua voz tremeu.

– Mas eu me preocupo. - disse ela. - Sempre me preocupei.

Joel sorriu com os lábios fechados.

– Eu ficarei bem, além do mais você não ficará sozinha quando eu não estiver mais aqui. - disse Joel, tentando soar firme mesmo com a garganta sendo pressionada pelo nó. - Você tem Luke.

– Ele é meu parceiro, Joel, não minha família. - respondeu Ellie, resignada. - E você é minha família.

– Família é aquilo que cuida e se importa com você, e Luke é assim.

Ellie sabia que Joel estava querendo ser leve, tentava soar normal naquela situação, mas ele e Ellie sabiam que aquilo era uma despedida.

Tomada pela tristeza e dor, Ellie não pode mais aguentar, desabou em lágrimas ali mesmo, deixando que tudo que estava sentindo fosse colocado para fora com míseras lágrimas, que muitas vezes era a única solução no mundo em que ela vivia.

Por que a vida tinha de levar tudo que eu amava? Por quê ela era tão cruel? Por quê ser assim, tão má?

Joel puxou Ellie para perto e ela deitou-se em seu peito magro, ele estava quente e confortável como sempre, aquele lugar era e sempre seria confortável para Ellie. O coração do homem batia lento debaixo dos ouvidos da garota, e ela fungou alto enquanto as lágrimas encharcavam a blusa de Joel e borravam a visão de Ellie. Ele acariciava - lhe os cabelos, como fazia quando ela era mais nova; quando a relação de ambos estava transformando-se no que é hoje.

Pai e filha.

E Ellie pensava que, tudo havia começando com apenas: "Ela é só uma carga, Joel." Ellie agradecia até hoje por ter sido apenas uma carga.

Joel colocou os braços ao redor de Ellie, e a abraçou desajeitadamente, permitindo-se, pela primeira vez em anos, chorar.

– Eu amo você, menininha. Lembre-se disto.

Ellie fechou os olhos com força, afundando a cabeça no peito de Joel e apertando sua mão.

– Eu sei. - respondeu num sussurro tão fraco que se Joel não estivesse tão perto dela, não teria ouvido. - Eu também te amo, pai.

Joel havia sido seu anjo da guarda todos aqueles anos, até agora, mas para tudo tem um fim e anjos também morrem.

Como ele.

Todos que eu conheço vão embora

No final.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

"I love you baby girl, remember this." - Joel.Fica tão mais bonito em inglês quando ele chama ela de baby girl, não acham? Eu espero que tenham gostado (e feito vocês suarem os olhos HAUAHUEHAUE). Não quero que o Joel morra assim tão cedo, de jeito nenhum, ele ainda tem muitos anos pela frente para viver com a Ellie, só escrevi isso porque achei bonito e ao mesmo tempo triste.Agradeço por terem lido, agora não faria nenhum mal vocês comentarem, né?♥