Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 20
Capítulo 19


Notas iniciais do capítulo

Vizinho na área! E família Lins, muito bem-vindos. Querem conhecer o cast (dicas)?

Helena (mãe da Milena) - Teri Hatcher (Desperate Housewives)
Otávio (pai da Milena) - Nathan Fillion (Castle ♥)
Marília (avó da Milena) Susan Sullivan (Castle ♥)
O avô da Milena até hoje não sei, mas quem tiver dica, só gritar o/

Pra quem tem curiosidade sobre a avó da Milena, que de vez em qnd a cita, o post traz a homenagem que a senhorinha mereceu. Enjoy.



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A festa está chata e acho que nem tem jeito de animá-la.

Acho que sou eu quem está sem graça. Tô quase chorando de tédio nessa confraternização do jornal local. A música que não me ganha, o que faz parecer tudo muito chato. Talvez se tivesse badalado eu ainda estaria com a mesma expressão. Para minha amiga o mesmo. Se eu não tivesse forçado Flávia a se levantar, ela estaria pendendo ainda em meus ombros. Jogar água no rosto não seria uma boa ideia se ela também tinha preguiça de refazer a maquiagem.

Infelizmente eu não a deixei dormir pelo resto da tarde, então o cansaço ainda a dominava essencialmente. E era essa nossa diferença maior, porque mesmo entediadas, era o sono quem pegava no pé dela, enquanto que era a chateação que pegava no meu. O melhor que nós fizemos mesmo foi nos levantar, pois ficar olhando para o Murilo na mesa me fazia sentir ser vigiada. Se não fosse pela minha família, eu já teria dado no pé dessa festa há muito tempo.

Só que era um dia tão especial para nós, principalmente para a vovó Marília. A minha desculpa para adiantar a viagem foi de fazer uma surpresa a ela, de presenciar sua homenagem. E, caramba, parece que nunca começava! Eu mesma estava quase indo lá no palco e dar partida nesse troço, pois, se fosse cedo, terminaria cedo. Além de inquieta, a impaciência também estava de visita. E nada de manifesto na festa até então, para minha agonia.

Foi bom ter saído da mesa. As pessoas estavam notando algo estranho. Mamãe havia me perguntado umas três vezes antes de sair de casa se eu estava sentindo algo. Vovó disse que minha face também não estava das boas e vovô perguntou se eu queria vomitar. Instantaneamente lembrei-me de Bruno e... Putz, acho que agora entendo porque ele saiu destrambelhado naquela festa de aniversário e quis subir numa árvore. Porque eu também estava meio a fim de fazer isso, dar uma sumida. Só que meu vestido coberto parcialmente por rendas (visualizar: http://migre.me/arhXR) não deixaria. Quer dizer, não me deixaria subir na árvore.

Claro que aleguei cansaço, que outra desculpa eu poderia improvisar de última? Essa era boa. Convenceu todo mund... digo, quem deveria engolir. Flávia sabia o porquê e Vini já devia ter ligado para meu irmão, quem provavelmente reportou toda a notícia de nossa discussão. Eu sei que eles se comunicam. Vejo também as expressões que Murilo faz. Que beleza... Meu plano mal tinha umas 24h e nada de engatar de vez.

Tomar alguma atitude seria ótimo se eu soubesse como proceder...

– Lena, não rói unha. Abaixa essa mão.

– Eu não tô roendo, Flávia.

Paramos na sacada do salão de festas. O hotel em que se realizava a organização estava todo iluminado e, de repente, toda essa iluminação também estava me irritando. Tô inquieta. A sacada estava de boa sendo um lugar mais calmo, relaxado e meio escuro. Encostada minhas costas no ferro que aparava o fim da linha, no alto do sétimo andar, minha amiga me imita quando cruzo os braços ante ao vento frio que passa por nós. Algo a incomodava também. Ou ainda era o sono, que a deixava cada vez mais de olhos pequenos. Só que sua testa franzida denunciava sua mente maquinava algo... o comportamento era um pouco de apreensão. Era eu quem a deixava assim?

– Olha, eu sei que fui quem deu a ideia de você vir antes da data marcada... mas era para dar um tempo, Lena. Não pra ficar doida. Se nem essa arejada que você propôs ao sair da mesa está funcionando, o que dirá ess...

– Não, Flávia, eu... eu só tenho tido muita distração. Eu ainda preciso de um tempo. Como... como... como ligar o som e se desligar do mundo. É uma terapia infalível.

– Tá muito falível pra mim desse jeito que anda as coisas.

Mordo o lábio, mais agoniada com essa declaração negativa. Suspiro mais uma vez cansada e não vejo como bem me sair dessa. Flávia me conhece o bastante para saber quando estou enrolando. Aperto o abraço em mim mesma por permanecer de braços cruzados. Uma ideia brilhante que me aparasse no momento seria ótimo, já que não é legal ficar acuada.

Ela me encara e está séria. O corte baixo do seu cabelo o impedia de se esvoaçar tanto. Já o meu, que eu não segurava, voava e se valia das leis do vento, deixando uma cortina na qual eu poderia me retrair. Seu vestido (visualizar: http://migre.me/ari5M) levantava mais que o meu e ela nem dava atenção a isso. Talvez representasse algo tão mínimo ao que falava que me sinto culpada em deixar que ela fale sozinha. Só que eu não queria falar sobre isso mais, não hoje. Seria minha terceira discussão... a última que tive foi o bastante. E ainda estou chateada pelo confronto que foi com Vinícius.

Aquela sua mensagem no celular parecia uma bandeira branca, perguntava como eu estava e como tinha sido a viagem. Respondi num modo vago que tinha sido como eu suspeitava. Eu não conseguia não ser indiferente, apesar de às vezes duvidar do meu próprio plano. Aí, sem aviso prévio qualquer, o meu celular tocou. Se não o estivesse em minha mão vibrando, eu chutaria que não era o meu tocando, pois estava no toque padrão do aparelho. Eu havia removido o “Good Life” enquanto remexia nas configurações durante a viagem já que não havia muita coisa para fazer. Retirei “Lazy Song” também. Estava tão acostumada com o Ryan e seu “Good Life” que nem parecia que a ligação era pra mim. Piscava o nome de Vinícius, o que me desorientou mais ainda.

Flávia entendeu quem era só pelo aspecto que eu transparecia e ficou me incentivando a atender. Ela realmente torcia por ele. E eu... bom, tentei pensar no que dizer. Porque, sério, a língua me faltou um pouco. Levantei da cama e atendi, me movendo para sair do quarto e dar um descanso à Flávia. Pensei que era capaz de encontrá-la ressonando se eu voltasse no segundo seguinte.

– O-oi. Espera um pouco... Tudo bem, pode falar.

– Aconteceu algo?

– Não, é que estava no quarto com a Flávia, ela ainda está muito cansada. Preferi sair de lá para não atrapalhar.

– Ah. Estava preocupado... pensando que talvez você não me atenderia. Fico feliz que tenha me respondido ao menos a mensagem. Eu... e-eu... você ainda está com muita raiva de mim?

Ele hesitou, eu engoli a seco. Que combinação.

– Não vamos falar disso, Vini. Eu não quero.

Do outro lado ele suspira cansado. O silêncio que se transporta pelo celular torna a voz dele bem nítida, de forma que fico a imaginar onde esteja. Pelo horário, devia estar em casa.

– É que... poxa, me sinto tão perdido. E sinto sua falta.

– Sinto sua falta também.

Isso não dava pra negar, óbvio.

– Você não precisava ter ido assim, tão repentinamente...

Essa não demorou.

– Você não entende, Vini.

– Me explica então.

– Eu já disse. Preciso de um tempo.

– Mas eu só quero ajudar, Mi. Odeio brigar, odeio ficar nessa situação. Você sabe que estou do seu lado e que pode confiar em mim.

– Eu sei? Eu posso?

Meu tom não é dos melhores. A zombaria na dúvida ficou bem marcada.

– Claro. Vamos resolver juntos.

Que confiança. Dele, não minha.

– Vamos?

E se repete aquele tom.

– Não faz assim, Lena. Essa dúvida toda de mim...

– É, não tem cabimento, né?

Acho que eu não queria deixar aquele tom tão cedo.

– Ok, tudo bem, você está ressentida comigo. Mas eu não desisto.

– O que isso quer dizer? Desistir de quê?

– De nós. Não importa essa raiva, Lena, eu não vou me afastar.

– Eu não disse isso.

“Que ultraje!” era pra ser minha resposta, que não saiu.

– E eu não estou... ressentida. Só... bom, soo repetida, mas é verdade que quero um tempo fora disso, tempo para pensar em outras coisas. Não quero fazer nada de cabeça quente. Mas nunca eu disse que tinha... desistido.

– Só que é isso que dá a entender.

Bufo na minha linha pela loucura que ele acaba de dizer. Como ele pode pensar isso? Se eu fosse terminar algo, eu teria feito, oras, ali na minha sala, na minha casa. E não o fiz, não o farei. Um momento para ficar sozinha é que quero. Mas eles ouvem, mas eles entendem? Não, ficam me obrigando a ser ácida com eles. Fico indignada mesmo.

– Ou você herdou isso de Filipe ou tem andado demais com Murilo, porque eu falo uma coisa, vocês entendem outra.

– Também não precisa chegar aos extremos, Lena. E não mude de assunto. Você tá fugindo.

– Claro que não. Eu sei o que eu tenho que encarar, então não venha querer dar uma de sabichão comigo. E Vini, para de insistir, tá? Isso não tá ajudando.

– Eu sei que eu fui errado, Lena, mas também não precis...

– Se vocês parassem de ficar se justificando aqui e ali, eu agradeceria muito. Tchau.

– Espera. Milena? Lena?

Desliguei. Dali pra frente eu previa que não ia sair coisa boa.

E foi isso. Voltei para meu quarto, deitei na minha cama.

Nem eu sabia o que estava acontecendo comigo, tinha toda uma confusão na cabeça que muitas das palavras ditas que saíram por sair. Eu não sabia mais o que queria, o que devia fazer, o que eu estava de fato fazendo. Ora estou tão decidida, ora tão desorientada. E respirar estava tão difícil.

Foi então quando Flávia me percebeu chorando e veio ao meu encontro. Não a deixei dormir mais naquela tarde enquanto chorava baixinho, sem saber na verdade porque estava chorando. Se tinha sido pela discussão, pela saudade, pelo que ruminava, por aquilo que guardava. Não sei, era tudo ruim do mesmo jeito. Era odiável.

Eu também estava chateada comigo mesma por ter me deixado levar daquela maneira na ligação. Não foi a toa que minha cara estava estranha na hora de vir para a festa da minha avó, não há maquiagem que cubra isso. Como ouvi uma vez, a melhor maquiagem é a interpretação, então eu não estava indo bem, nada bem. Mas eu não precisava de um puxão de orelha! E quem puxou foi Flávia, no alto do sétimo andar.

– Lena, vocês não estão bem. Nenhum dos três. E parece só piorar a cada hora que passa. Naquela hora que te aconselhei a dar esse tempo, era sensato... E sinto dizer que agora não mais. Eu sei que você está bem magoada, mas não seria bom conversar com seu irmão de vez? Tentar resolver, de verdade.

Só de imaginar isso por uns poucos segundos meu desconforto aumenta. Aperto os lábios numa linha fina pela carga pesada que significa falar com meu irmão, sabendo que ele não iria ceder. Eu conheço a peste! Por isso me mata tanto... é muito ressentimento para uma pessoa só assimilar. O caso é que eu não queria brigar com minha amiga também, afinal, quando quebrada, só a ela pude recorrer. E quando ainda mexem nos meus cacos, a ela eu ainda recorro. Mas se é ela quem também mexe... E que me desarma...

– E saudade? Também não tem mexido com você? Por que eu sinto que tem algo faltando nessa história?

Mexo no meu cabelo, nervosa ao ver que tem um super vinco questionador vindo de seu rosto. Sei que dali em diante era caminho perigoso. Na verdade, a discussão que tive com Vini, desde quando descobri sobre o segredinho dele com meu irmão, começava bem por aí nesse friso de questão. Porque o que mais tem falta nessa bagaça toda é informação... Tá todo mundo perdido. Vini tinha insistido nisso de novo. O que me rendeu em cota a segunda discussão pela tarde, por isso eu dispenso uma terceira. Era o bastante.

Eu apelo, de novo, para a mágoa.

– Tá faltando decência da parte deles. Porque não adianta o quanto eles me forcem, o quanto perguntem ou me sondem, eles só se justificam. Eu não quero justificativas, eu os quero de volta. Só que eles aparentemente não conhecem o arrependimento...

Flávia pondera por uns segundos, calada, dá uns passos, retorna ao mesmo ponto e, de fim, expira em desistência. Acho que a convenci.

– Ok. “Não-pensar” ainda parece meio sensato. Mas eu ainda acho que...

– Licença, garotas.

Luke surge do nada, meio sem jeito. Será que ele entendeu que estávamos brigando ou algo assim? O que deve estar transparecendo para as pessoas esse meu comportamento? Tenho medo de ouvir o que as pessoas têm a dizer se eu realmente for direta e perguntar isso a alguém.

– Milena, dona Marília nos chama. Acho que agora vai começar.


~;~


Sabe quando você sente que tem algo errado? E fica olhando ao redor pra ver se encontra a resposta? Bom, todo mundo tá sentindo. E quando eu digo todo mundo, é geral mesmo.

Estava indo tudo bem, o diretor do jornal havia chamado a atenção por bater de leve um garfo na sua taça, a música ambiente parou, cabeças se moveram para o palco, as conversas se reduziram a burburinhos e as luzes amenizaram para dar destaque ao tão esperado discurso do chefão. Um “boa noite” se seguiu, foi respondido pelo público como um eco e o diretor comentou a honra da noite. Já ia falar da força que o jornal mantém a cada ano quando veio aquela microfonia atingindo nossos tímpanos e tudo paralisou.

Pelo pouco que sabia de microfones – toques que aprendi na monitoria que participei – é que quando isso acontece, temos que baixar o volume do troço para que ele não incomode nossos ouvidos. E baixaram. Só que não mais voltou.

O diretor ficou lá, com cara de bobo, virado de costas perguntando para a organizadora da festa o que tinha acontecido. Para disfarçar, ele virava para o público e soltava um sorrisinho amarelo. Era daquelas situações que passam 1 minuto e você sente que se passou uma vida. Penso nisso quando o diretor arregaça um pouco a gravata, sem saber como proceder.

Exasperados estavam alguns assessores. Uns passaram como uma bala, senti, por uma parte da fiação do aparelho passar por perto de onde eu estava e que atingia o por trás das cortinas. A mulher da organização de festas já não sabia quem empurrar para fazer a manutenção. Ela foi e voltou da cabine de som que contei umas três vezes. Quando voltava, falava com o diretor e o secretário na ponta do palco. Eles não faziam boas expressões.

Os burburinhos do salão aumentavam. Eu mesma estava sem ação, sei nem por quê. Talvez por ver de “camarote” a novela que estavam fazendo pela falta de microfones na festa. E onde eu estava? Na ponta do palco, perto da escadaria, na parte de baixo, para dar apoio moral a minha avó.

Falando na minha avó Marília, ela aparentava desconfiada. Detinha-se de braços abraçados ao corpo conversando baixo com seu editor. Ela estava no canto oposto, em cima do palco com outras pessoas que trabalhavam no jornal, todos cochichando entre si. O diretor estava ainda naquela de esperar consertarem tudo, pagando mico ou não. De certa forma, estava até engraçado.

Havia outro problema também: ficar de pé ante ao palco com o Murilo. Quer dizer, com o Murilo me cutucando. Ele abaixou-se um pouco para chegar ao meu ouvido e cochichou, discretamente – eu sei, acho que agora ele aprendeu a ser discreto! – no meio dessa confusão. Quando achei que ele ia fazer um comentário coerente sobre o que estava acontecendo, eis que vem uma pergunta que me faz rolar os olhos instantaneamente:

– O que “ele” está fazendo aqui?

Esse “ele” tem nome. Enquanto que Murilo estava do meu lado esquerdo, Lucas estava a minha direita, todos em apoio a minha avó, enquanto o resto da família e amigos continuavam nas mesas no salão. Ele até veio conosco no carro, enquanto que meus avós ficaram no carro dos meus pais. Confesso que também estranhei o fato dele ficar para prestigiar a vovó perto do palco. Quando Lucas interrompeu minha conversa com Flávia, me preocupei mais em engolir a chateação que tinha e forçar um sorriso do que me perguntar sobre por que ele tinha dito “dona Marília nos chama”.

Só sei que dou de ombros para meu irmão. Eu não ia travar uma conversa com ele, ainda que fosse uma coisa tão... não sei... trivial? Respondo por educação e trato de não esperar resposta dele.

– Sei lá, vai ver vovó o chamou também.

– Mas nós que somos os netos, ele não tem nada que estar aqui.

Olho para Lucas totalmente alheio, meio avoado, observando como estava o palco, e bufo para meu irmão. Respondo sem na verdade querer e pra ver se ele dava o assunto por encerrado. Meu tom frio para com ele reforça minha intenção.

– Já tá implicando de novo?

Ah, pergunta retórica, sua linda.

Murilo se faz de indignado. Não que eu ligue muito.

Até acho bom. Digo, o problema com os microfones. Porque não demora muito e empurram o diretor de volta ao centro do palco e ele bate com o garfo na taça novamente, o que silencia por um momento a todos no salão. Por visão periférica, percebo meu irmão ainda meio tenso, de mãos nos bolsos da calça formal. Ouço quando respira fundo como se estivesse dispersando uma raiva. Zanga besta por tê-lo cortado ou por esse corte se referir à indignação que teimosamente sente com a presença de nosso vizinho. Não me atenho a isso, só olho para onde o diretor estava e, já com toda atenção mais uma vez do público, ele retoma a vez, sem microfone mesmo.

– Desculpem, amigos, por esse probleminha de última hora. Problema técnico é comum. Espero que isso não prejudique nossa noite. Para dar continuidade, seguiremos sem o aparelho de microfone enquanto a manutenção está cuidando do caso, afinal, não podemos mais postergar esse momento tão querido.

Eu achava bom porque ia logo começar e porque... bom, minha avó sempre odiou esses aparelhos, tal qual eu. Só o fato de ela estar lá no palco, eu podia ver e até sentir seu desconforto. Sei tão bem como é estar nesse lugar. Ter os olhos de todos em peso em sua direção pode ser bem incômodo.

E o homem desata a falar, como se não fosse acabar nunca. Conta piadinhas, umas engraçadas, outras nem tanto. Comenta histórias do dia-a-dia do jornal, fala da repercussão, puxa papo com o editor-geral... Ele força a voz para tudo isso. Quando faz uma entrada no discurso para falar da minha avó, sorrio de alivio e de orgulho, mesclados tal como o dela, que percebo mesmo de longe.

– E como eu poderia falar do cotidiano jornalístico sem citar nossa querida Marília, que então fez 20 anos de carreira no nosso Impresso do Dia, levando-nos todos os domingos pelas letras embaladas de um sentimento desmedidamente questionador? Orgulho impresso no dia do descanso, ela nos vem provado que não precisamos partir do complexo para se pensar, mas sim partir do mais simples, que faz a base das nossas crenças e atitudes.

Aplausos, lindos aplausos surtiram do público.

Eu mesma batia palmas com vontade.

– Persistente, dona Marília por sempre dá um jeito de ter um efeito sobre nós. Seja num bom dia, seja na hora do cafezinho, é uma senhora boa de conversar. De escrever, então, nem se fala! O problema que infelizmente lhe acometeu há alguns anos, teimou numa perseguição. E nem por isso, senhoras e senhores, ela quis largar mão do que era seu espaço. Eu mesmo já quis dar uma licença para ela, e vejam só, sua obstinação foi tão grande que ela deu um jeito de me passar para trás e continuar o que sempre foi seu prazer. Desculpem-me se quase tirei esse seu combustível de vida.

Risos tomaram o local.

– Por isso, nesta memorável noite, tendo todos reunidos, trabalhadores, amigos e família, não só tenho gosto de homenagear essa grande mulher firme, mas anunciar que suas palavras não permanecerão mais nas nossas efêmeras páginas impressas do dia. Elas se eternizarão como bem devem ser, nas páginas de livros, junto com outros mais nossos colunistas. Convido então dona Marília para ser a matriarca de um lançamento futuro, muito próximo espero, de um livro que traga toda essa essência que se superconceitua no nosso jornal, na nossa cidade.

Ok, eu não sabia dessa.

Os aplausos vêm com mais força, flashes tomam o palco, assobios vem de muitas partes. Principalmente dos dois que estão ao meu lado, enquanto eu não consigo deixar a surpresa desgarrar de mim. Boquiaberta, eu assisto a animação de todos e me envolvo nela enquanto minha antiga letargia fica para trás. Meu Deus, minha avó... vai lançar um livro! Nunca duvidei de seu potencial, mas agora se realizando, eu fico boba, claro.

Que orgulhinho! Tanto orgulho que quando meus olhos se enchem, é de alegria. E, Deus, como eu estava precisando de um pouco disso... Estava quase para subir ao palco, sem me importar com nada ou ninguém. Eu queria ser a primeira a abraçá-la. Só não pude porque o diretor estava tentando conter a todos, gritava para tomar a voz novamente, e os urros de felicitações não o deixavam. Quando finalmente o público dá uma trégua, ele respira, toma um pouco de água que lhe oferecessem. Forçar a voz estava tomando-lhe forças, dava para ver como ele estava meio vermelho e exausto só nesse tempo que esteve falando, o foco de iluminação transparecia bem.

– Bom, agora com vocês, umas palavras da nossa homenageada da noite. Dona Marília?

Minha avó estava... simplesmente linda. Um xale em ciano cobria parcialmente seu corpo, combinando com o azul claro de sua blusa por baixo. O preto de sua calça que deu a quebra do “cheguei” da cor, o que deu aquele seu toque de discreto (visualizar: http://migre.me/axbjA). Eu já havia comentado com todos ainda em casa o quanto ela estava maravilhosa, roubando uns assovios dos homens da casa. Vovô até deu um peteleco no meu pai por cantar a própria mãe. Disse que era para tirar o olho, que ela tinha dono. Algo no olhar dela brilhou, como se tivesse alguma coisa em mente lá do fundo de seus anos passados com seu marido. Os “owns”, como sempre, vinham de minha amiga Flávia. Aí todas se notaram.

Por incrível que pareça, todas nós mulheres do recinto, sem combinar nem nada, estávamos de azul. Mamãe foi a primeira a perceber na verdade (visualizar: http://migre.me/axbvN), dizendo que era injusto, porque ela queria se destacar. Só não ficou desolada porque papai disse que ela também estava maravilhosa e até hoje a mulher se derrete por cada coisa que ele fala. Eles têm um companheirismo bonito de se ver todos os dias. Rodeada de tanto amor familiar, eu disfarcei engolindo a seco a falta que um amor daqueles estava me fazendo. E por revirar a discussão com Vini de novo em mente, foi que todos perceberam minha estranheza de comportamento. Eu estava mal e não era de saúde. Disfarcei o quanto pude.

Mas no palco, minha avó estava nervosa. Sabia por que eu acabei herdando isso dela, odiamos palco e principalmente microfones. A gente só vai quando é empurrada, porque se dependesse de nós mesmas, era a primeira coisa a se dispensar sem pestanejar. Para meu espanto, uma vontade de subir lá e realmente dar meu apoio a ela se mantém. Um impulso de num sei de onde vem e, contrariando tudo o que sentia quando se tratava de centro das atenções, eu me sinto diferente.

A última vez que me senti assim foi quando me soltava em plenos pulmões cantando com a Dani no aniversário da Flávia. Minutos antes de subir para cantar me lembro de ter tido um ataque de pânico. Também pensei na minha avó. Sempre nos demos conselhos uma a outra nesse quesito. Convém lembrar também que o Vini estava comigo na ocasião. Ele me deu força para essa determinação se enraizar em mim, ele me deu a mão, sabia o que eu queria. Ele aos poucos soube me mudar. Pelas beiradas, cuidou de mim e cicatrizou um pouco de minhas inseguranças.

E no momento minha avó precisa de mim. Por isso, quando ela tenta acalmar os aplausos do público com as mãos balançando ao ar, engolindo seco posso ver, eu parto para a escadaria e de vez corro até seu encontro. Me abraça meio perplexa e sinto que eu tinha mais que necessidade disso, desse tremor que ainda me toma o corpo, e misto de saudade e esperança. Esperança de que tudo voltaria ao normal.

– Opa, opa. Minha netinha também está se deixando levar pela emoção, não é querida?

Eu não queria largá-la, porém, tinha de fazê-lo. Porque, helloooooo, estávamos ainda em cima do palco, a luz centrava-se em nós, e o público em peso nos observava. Quando a solto, sinto que estou sorrindo. Porém, ao ver a expressão dela, algo se detinha em seu rosto que eu não consigo entender. Não até que ela passa a mão no meu rosto e então percebo que umas poucas lágrimas tinham descido sem eu ter sentido. Como assim se chora e não se nota? É a emoção, só pode.

Daí eu senti o primeiro espasmo. E braços me rodearam. Eram de Murilo e Lucas, que me abraçaram, levando-me de encontro a minha avó de novo, num encontro grupal emocionado. Eu não afasto meu irmão dessa vez. Na verdade, até rio. Quando vovó Marília nos solta, parece que volto novamente à realidade. Estar envolta de tantos braços me deu um conforto tão grande que me esqueci do mundo “lá fora” que se apresentava a nossa frente.

– Caros amigos... fami-i-i-i-liares e outros conheci-i-idos mais presentes... como veem, estamos todos e-e-emocionados... e... e...

E ela trava aí mesmo. Olha para mim, para Lucas, para Murilo, tenta achar as palavras e nada. Puff. Parece que as palavras lhe faltavam. E elas nunca faltaram para minha avó! Pelo menos não no papel. Ela ainda estava um tanto nervosa, percebe-se pelas suas mãos um pouco geladas e estado desconcertada. Nós quatro olhávamos um para o outro e o público esperava uma resposta.

Nunca pensei que um dia agiria por ímpeto e adrenalina num palco. É isso que me leva a fazer um discurso espontâneo. A insegurança aos poucos vai se esvaindo e as palavras estavam ali, prontas para serem ditas.

– Então...

O burburinho do público vai diminuindo e me dá espaço de expressão. Me sinto bem e estranha ao mesmo tempo, as luzes no palco, todos atentos. Mas não ligo a mínima se estiver desajeitada. É uma boa confiança que brota e eu quero liberá-la. Sorridente e cuidadosa, tiro os resquícios de choro emocionado e forço um pouco a voz. Pelo menos eu não tinha que enfrentar o microfone. Odiava aquele aparelhinho.

– Felicito com vocês essa homenagem à vovó Marília, orgulho da família e pessoa muito querida. Eu não poderia dizer suas qualidades, porque não saberia falar todas elas e quem sabe usar a bom juízo as palavras é ela, não eu. Mas não sou tão má assim, sou?

Queria saber de onde veio esse tal impulso. É forte. Tanto que algumas lágrimas me inventam de escapulir. Falo meio embargada, e engulo para que não me atrapalhe. Abraço minha avó de lado e não repreendo Murilo por se manter às minhas costas. Lucas só assente para que eu prossiga. Acho que eu estava indo bem.

– Eu... eu só quero dizer que dona Marília é uma mulher de se admirar, por força, por vontade, por... tudo. Vocês podem não saber, mas quando ela esteve doente, no intensivo do seu tratamento, ela não podia de fato escrever... Eu fui suas mãos. Ela falava, eu escrevia, ela editava e então no jornal saía. Eu a via tão frágil. Contudo, quando se tratava de exteriorizar o que era necessário, ela estava firme. E eu sei que cada palavra vem de suas sinceridades, vem da alma e nos toca. Me toca. Agora se eternizarão. Acho que agora vocês podem perceber o quanto significa, pelo menos pra mim. Obrigada por cederem uns minutos de seus domingos para lerem a coluna.

Aplausos surtiram novamente e eu não me aguento no sorriso. Ele é aberto, é espontâneo, é maravilhoso. A adrenalina me preenche de uma forma boa que... talvez eu até topasse o microfone se ele estivesse bom. Minha avó me dá um beijo no rosto e complementa ao público antes de nos orientar a descer:

– E eu agradeço por tirar essas palavras de minha boca, querida. Sem mais.


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Notas finais do capítulo

Milena ultrapassando suas barreiras, hein. Infelizmente apenas do microfone. Por enquanto.



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