Um Outro Conto de Fadas escrita por Ryuuzaki


Capítulo 17
Saindo de casa - Parte 1




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...

 

Miriam não percebeu a pequena rachadura que havia feito ao jogar as chaves contra a mesa de vidro. Não era sua intenção causar danos à mobília, mas, em seu estado levemente alcoolizado, não ligava muito para onde chaveiro poderia parar. Queria apenas se livrar do que ocupava sua mão. Pela manhã, após tomar alguns comprimidos de dorflex, se arrependeria amargamente do gesto.

Sua esposa cambaleava em direção ao sofá quando Phil bateu a porta ruidosamente atrás de si, não tencionara usar tanta força, mas ela havia simplesmente escapuliu de seus dedos de um modo que ele não conseguiu entender. Estava ligeiramente mais embriagado que a mulher e seu humor já começava a cair vertiginosamente agora que saíra da agitação do animado boteco, o qual se encontrava algum tempo atrás.  Tentou atravessar num andar levemente afetado pelo álcool, no entanto, esses passos mal formulados foram suficientes para que tropeçasse na ponta do tapete bege, acontecimento que o obrigou a pular aos trambolhões para que não se esparramasse no chão. Quando conseguiu de volta o equilíbrio, proferiu uma série de xingamentos.

A mulher começou a rir baixinho, com uma das mãos sobre os lábios. Mas não ria do marido, lembrava-se de algo que havia visto e agora etiqueta permitia, se deleitava com o fato, ávida por fofocar.

– Querido, você reparou bem naquela nova namorada do Rick? Ela deve ter o que? Vinte anos há mais que ele? – novos risos abafados – E tenho certeza que vi uns botox ali...

– Os mesmos que você estava querendo colocar?

Ela não respondeu. Olhou para o lado e dar uma tragada no cigarro que havia acabado de acender, maldizendo, em seus pensamentos, a capacidade que o marido tinha de ficar insuportável após beber.

– Vou na cozinha pegar água. Quer alguma coisa?

Miriam voltou-se para ele, séria, lábios apenas um fino traço. Sabia que nem se implorasse ele faria uma gentileza. Não agora. Expirou fumaça e logo passou a olhar o vaso de petúnias na mesinha à sua esquerda, que havia subitamente ficado interessante.

O marido tomou aquilo como uma negativa e, dando os ombros para assumir um ar de inocência, continuou em seus passos incertos rumo ao outro recinto. Não chegou, entretanto, até seu destino. Parou no corredor que dava acesso aos quartos, logo antes da cozinha. Franziu o cenho. Uma luz fugidia escapava timidamente pela fresta em baixo de uma das portas, destacando-se na escura passagem. Era o quarto de sua filha: Faye.

– Não pedi para falar para a garota ir dormir cedo? – falou para a esposa, ainda na boca do corredor.

– Sim, e eu falei. Qual o problema agora?

– Pelo visto a pirralha resolveu ficar acordada até tarde...

– Hm. – resmungou desinteressada.

– Não quer ir lá e mandar a mudinha ir para a porra da cama? – normalmente não falaria assim. Efeito do álcool.

– Hmm... Não.

– Mulher preguiçosa... Devia é tá cozinhando... – resmungou enquanto avançava para o quarto.

Gritou o nome da filha no meio do caminho. Irritação denotada em seu tom de voz. No entanto, parou no meio daquela passagem imersa na penumbra. Para que diabos iria dar uma dura em Faye mesmo? Que Miriam fizesse isso; pensou.

Deu meia volta e começou mais uma discussão com a esposa.

 

...

 

O chamado irritado do pai de Faye despertou os dois ocupantes do quarto. Desde que haviam ouvido o primeiro sinal da presença dos donos da casa, tanto o caçador quanto a garota, ficaram estáticos. Temendo que o menor movimento pudesse delatar que havia algo de errado na casa. Escaparam de serem vistos por pura sorte.

As coisas não haviam saído como Owen imaginava.  O plano original consistia em trabalhar com todos presentes na casa dormindo, devido ao poder da fada-dos-dentes. Com isso, fazer o que tinha que ser feito seria rápido e fácil. Mesmo que os pais da garota estivessem fora de casa poderia surpreendê-los caso voltassem antes do esperado e então os colocaria para descansar se valendo de métodos... Alternativos. Contudo, a garota ficara acordada. Vira a fada morrer. Possuía uma estranha ligação com ele. Sabia de coisas que não deveria e ainda exigia explicação para o que não fazia idéia. “Droga”, pensava ele diante da visão de que tudo estava fora de suas mãos. Havia se distraído, baixado a guarda, por que...

– Agora era diferente, a história seguira adiante...

Não terminara tudo o que tinha que fazer. Coisas importantes haveriam de ser deixadas para mais tarde... Algo perigoso. Além do mais, não teria tempo para fazer qualquer desvio de atenção para a polícia que certamente viria em seu encalço. Teria de sair dali, deixando para trás inúmeras coisas com as suas digitais. Não que houvesse qualquer registro dele em lugares que pudessem ser encontrados, mas, um dia, essas pistas acabariam por pôr um fim em sua carreira.

Faye olhava para Owen com a urgência estampada em sua face. Percebeu que o companheiro havia voltado a se perder em devaneios e puxou a barra de sua camisa. O caçador na verdade nem percebeu o gesto da garota, mas, naquele instante, pôs carinhosamente as mãos sobre o ombro desta e falou-lhe.

– Faye... Agora é a hora. Aqui você faz sua escolha: Continuar aqui ou vir comigo. Não terminei de fazer tudo o que precisa, mas o que sobrou pode ser feito em outro lugar. Afinal, peguei teu dente de volta.

A garota mal ouviu o que foi dito. Dada a escolha – partir ou ficar – se encaminhou em direção à janela e balançou vigorosamente a cabeça. Seus olhos marejavam de felicidade.

Owen foi até ela e lhe mostrou um colar bem simples, apenas cordão e uma pedra semipreciosa, que havia tirado do bolso.

– Use isso – ele disse melancólico – Sempre. A partir de agora toda a cidade estará a sua procura. Por anos, talvez para sempre. Até que cresça e não pareça mais com a garota que é agora... Isso vai te esconder. – viu a perplexidade nos olhos da menina e explicou melhor, com uma sobriedade que nunca demonstrara antes – Não vai te deixar invisível nem nada do tipo, apenas vai fazer com que as pessoas te vejam e não dêem importância, não lembrem de seu rosto. Na verdade nem é um grande feito, já que isso aconteceria de qualquer jeito.

As bochechas da menina ruborizaram quando o homem a envolveu para colocar-lhe o amuleto. Ela olhou para baixo, tentando esconder a timidez e em conseqüência deixando-a ainda mais evidente. Se percebeu, Owen não deu importância.

– Isso Pode falhar alguma hora. Se alguém realmente quiser te encontrar... Mas acredite: as pessoas são muito ocupadas para esse tipo de coisa. Qualquer hora explico melhor. Não tem muito tempo agora.

Começou a pular a janela, mas parou e sorriu para a garota.

– As damas primeiro.

Após uma pequena reverencia e um ligeiro floreiro com os braços, ajudou a menina a chegar até a escada contra incêndios. Logo em seguida, com a mão no batente e um único impulso, também foi para o outro lado, por pouco não se cortando seriamente em alguma das lascas de vidro ainda presas à estrutura.

Caiu na superfície agachado. Suas botas fizeram um curioso barulho metálico com o impacto. Em seguida, antes de se levantar e finalmente se lembrando da existência do acessório, ajeitou o chapéu de cowboy – este há muito havia saído de sua cabeça, mantendo-se pendurado em suas costas, por nada mais que um cordão, a maior parte da batalha –. Caso Faye se concentrasse, poderia ver o companheiro se equipando com um austero elmo de batalha.

– Espero que não tenha esquecido nada. Não tem mais volta agora. Temos que ir.

Apesar da eminente urgência na voz de Owen, nenhum dos dois se mexeu de imediato. Desprenderam ao mesmo tempo um ultimo lugar para aquele quarto onde muito havia acontecido. Faye, em um momento um tanto quanto saudosista, sentiu uma ligeira dificuldade na hora de cortar todos os vínculos com o lugar que passara toda sua vida e relembrou os eventos que haviam cunhado essa estranha noite. Já o caçador, olhava e via aquele como o lugar que havia mudado sua história, talvez o levando para mais perto de sua derradeira vingança. Ele estava grato, ainda que um pouco confuso e até mesmo ligeiramente assustado.

Quando os dois pensaram em se virar e finalmente deixar o local, a porta do quarto, que ficava de frente para a janela, começou a se abrir. Por trás dela, uma voz masculina e irritada começava a chamar por Faye.

Os olhos da garota se arregalaram, em pânico. Ainda possuía leves resquícios do pensamento infantil clássico da onipotência paterna, por isso, devido à surpresa, acabou achando que seu pai poria um fim naquilo tudo; arranjaria um jeito de fazer Owen ir embora e poria Faye na cama, estragando todos os planos da garota de fugir de sua casa.

A despeito dos pensamentos pessimistas e surreais da garota, o caçador já havia se mexido. A Sword Cutlass já se encontrava em sua mão e fazia mira. Primeiro pensou em atirar através da – em crescente aumento – fresta da porta. Precisou fazer força para não tomar o curso mais fácil de ação. Não queria matar o pai da garota na frente dela, afinal. Conseguindo domar seus instintos, desviou a mira.

O novo alvo, a garrafa de querosene, não pareceu temer a súbita ameaça.

 

...

 

Owen não esperou para ver o resultado. Ainda com a arma na mão puxou a garota pelo braço, descendo os degraus na maior rapidez que as pernas diminutas poderiam acompanhar. Logo ganharam as ruas.

 

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Sem a magia da fada, o estrondo da .44 sendo disparada pela explosão da pólvora foi ouvido em toda a vizinhança.

 

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Phil não viu nada do que acontecia do outro lado da janela. Quando abriu os olhos chamas preencheram completamente sua visão. Correu para o extintor.

 

...

 

O quarto da garota ardia.

 

...

 

Faye não esboçou uma reação sequer, apenas se deixou levar.

Seguia pela noite, sendo puxada por Owen.

Seu sonho havia se realizado. Mas estava longe de terminar.

Lagrimas silenciosas de felicidade escorriam em abundancia pelo seu rosto.

 

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Notas finais do capítulo

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Precisarei de muitas criticas sobre esse capitulo xDDD
Algo me diz que não ficou muito legal x_x