Mitogênese escrita por Braga Primeiro


Capítulo 6
Capítulo VI


Notas iniciais do capítulo

Está meio difícil conseguir escrever muita coisa por semana, pois o conteúdo da faculdade começou a se acumular há algum tempo... Mas garanto que meu desejo de terminar o primeiro arco desta estória é grande demais para me deixar desistir!



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            Muitas pessoas sentem facilmente saudade de casa, do lugar onde nasceram ou cresceram, mas para ser honesto, depois destes quinze anos que estive fora, não senti a mínima falta daqui.

 Todos os locais pelos quais já passei havia pobreza de um jeito ou de outro, mas nenhuma como a que assola a URSS; parece que a cada ano fica pior. As pessoas daqui são duras como o regime e frias como o país, além de passarem uma sensação de fome gelada diferente da típica fome ácida.

            Os indianos, até os mais pobres, eram bastante vivos e seus costumes refletiam isso nas roupas, na comida, nas expressões e no modo de pensar. Muitos do chineses mais abastados tinham fortíssimas ambições e os mais pobres tinham uma fortíssima vontade de sobreviver que moviam suas vidas como o vapor move os trens. Não os socialistas soviéticos. Quase todo o mundo daqui lembra vacas e bois. Se eu não enxergasse a alma dentro de seus corpos, juraria de pés juntos que eles não têm espíritos!

            Minha jornada, porém, trouxe-me de volta a esta terra.

            - Finalmente você chegou, Zhong! Já não era sem tempo.

            - Sabe o quão difícil é para um deus doméstico ficar muito tempo no mundo celestial?! Não, acho que não.

            - Certo, certo... Tanto faz.

            - Olhe o respeito por seu ancestral, jovem! Cada dia você se parece mais com um jovem irresponsável, como se não fosse um deus com mente feita. Sinceramente...

            - Não sei do que você está falando. Bem vamos ali ao meu templo primeiro, recebi a informação pelo meu fluxo de que acabaram de ofertar comida para mim! Acho que não vão se importar caso seja seu próprio deus que coma.

            Pelo menos o templo é bonito, simples, mas bonito. É uma construção baixa com teto em formato de prisma triangular, janelas arqueadas e paredes caiadas. Por dentro há vários afrescos no teto contando a estória que nunca vivi. Não há bancos e todos normalmente cultuam em círculo uma alabarda esculpida em pedra igual à Justa, no pé da qual há cestas com pães e frutas.

            Hoje o culto já acabou, então não há mais ninguém aqui dentro.

            - COMIDA!

            - Modos, Zheng, tenha modos!

            Ainda falo de boca cheia para irritar Zhong mais um pouco.

            - Ah... Comer com fome é o melhor tempero! – ouço gritos – O que é isso?

            - Não parece ser apenas um grito isolado...

            - Vamos lá ver!

            Há muitas pessoas correndo para todo o lado; as que podem entram dentro de casa. Som de metralhadoras e uma oração: “senhor Tys, sou muito grata a vida que você me ofereceu; obrigada por tudo, agora vou me juntar ao senhor no grande banquete celestial...”.

Não pode ser...!

            Quando chego à praça central do povoado, vejo um grupo de pessoas contra a parede de uma loja e outro grupo preso e escoltado por soldados.

            - Eles vão executá-los. – explicou genialmente Zhong.

            - Parem com isso! – gritei enquanto corria para mais perto – Parem!

            Tudo ficou escuro de repente. Algo se materializa em minha frente, algo que tem um fluxo estranho conectado ao corpo não pelo umbigo, mas pela base da coluna... Só pode ser um demônio!

            - Eu sou Mefistófeles, o galã. Prazer em conhecê-lo, Tyscvaisha.

            Que homem belo... Digo, demônio. Mesmo assim: maxilar forte; olhos sensuais; cabelos sedosos, negros e lisos escorridos até o pescoço; lábios finos, mas não demais; nariz de seta perfeitamente modelado; corpo não muito musculoso, mas bem definido realçado por um aparentemente caro terno... Se eu fosse uma mulher, já teria caído a seus pés.

            - E-eu, sou... – quem eu sou mesmo? – Ah! Eu sou Zheng... Tys!

            Claro, porque alguém que já me cumprimentou pelo nome não sabe quem eu sou.

            - Eu devo mantê-lo aqui até que a missão dos humanos esteja cumprida. – ele disse numa voz suavíssima.

            - Claro... Espera. Por quê? Mas eles iam matá-los! Tenho de impedi-los!

            - Tsc, tsc. Temo que não. Espere só um minuto e tudo estará acabado.

            - Se você não me deixa sair por bem, vai me deixar por mal. – saquei a Justa.

            - Se eu fosse você, eu não faria isso. – debochou.

            - Tarde demais! – gritei enquanto avançava. Acho que preciso melhorar minhas estratégias de luta, pois parece que gritar e atacar não surte muito efeito.

            Mefistófeles elegantemente desviou de meu ataque e tocou de leve em minhas costas. Uma dor lancinante quase me faz desmaiar. Quando me recupero, vejo que ele segura um naco de carne na mão direita.

            - Não creio que um humano aguente perder mais do que três desses pedaços sem morrer. Veja bem –

            Tento cortá-lo, mas ele desvia com pequenos passos.

            - Eu sou o demônio da beleza roubada –

            Tento estocá-lo no peito, mas ele recua com um saltinho.

            - Além de ser “aquele que não ama a luz” –

             Tento decepar sua cabeça, mas ele se abaixa com graça.

            - Por isso tenho a habilidade de roubar a carne das pessoas, para vestir sempre os melhores corpos; ter a melhor aparência. Sua pele é particularmente boa! – dito isso, ele tocou em meu ombro e arrancou o respectivo pedaço de pele.

            - AAAAAAAH!!!

            - Tanto sangue saindo... Uma pena que só dará para pegar três pedaços antes de você morrer. Mas acho que não há muito mais atrativos mesmo. – o maldito riu.

            - Ora seu...! – acalmei-me um pouco para usar a cabeça – Ó, Grande Tys, senhor dos céus, demônio das nuvens, guardião da lança de luz, invoca o raio que será a perdição do meu inimigo!

            - Meu poder é seu, pode usá-lo! – e mais uma vez relampejou e trovejou como sintoma da transformação da Justa.

            Mas... Está tão claro aqui? Um segundo atrás estava completamente escuro, dando para ver apenas o demônio e agora... Estou de volta à praça.

            - AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!! – dessa vez é Mefistófeles que grita – Maldito! Como você sabia da minha fraqueza?!

            - Que fraqueza? – que fraqueza?

            - À luz, à luz, seu filho de uma...!!!

            - Ahhh... Quer dizer que a luz te queima?

            - Mais do que isso, idiota! Ela destrói meu avatar! Se meu avatar sumir eu não vou mais poder me manifestar na Terra!

            - Ah é?

            - SIM!

            - Pois então receba a minha... Lança Relâmpago!!! – e a arremessei.

            O efeito foi melhor do que o esperado: o corpo todo dele se desfez numa gosma preta. A essência de demônio, uma nuvem de medo de cor vermelha, ficou visível no mundo sutil.

            - Eu vou conseguir um novo corpo e voltar para me vingar, Tyscvaisha! Guarde minhas palavras!

            E então desapareceu.

            - Me feri bastante... Mas pelo menos não foi uma vitória tão difícil. – comentei comigo mesmo antes de perceber meus arredores – Ah não...

            À minha frente estão os corpos de todos os meus seguidores.

             Por quê? Por quê?! Por que eles ignoraram meus seguidores todos esses anos e agora, do nada, vieram matá-los?! Esse país maluco!

            - ARGH! – saquei a Lança Relâmpago novamente e a arremessei em direção aos céus, onde atingiu uma nuvem e causou vários trovões.

            - Tys... Me desculpe, eu não pude fazer nada por eles...

            - Você não tem culpa, Zhong. Agora eu sei.

            - Sabe o quê...?

            - Sei quem são os culpados por tudo o que tem acontecido até hoje em minha vida.

            Percebo que eu sempre soube, mas é como se apenas agora todas as peças se encaixem mesmo sem nenhum esforço meu.

            - Quem?

            - Aqueles que não medem esforços para criar novas armas... – disse com uma ira fria – Que usam a ciência e o sobrenatural para fins bélicos. Aqueles que querem me tornar uma arma...

“Os soviéticos.”


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