O Lamento Da Lua escrita por J S Neto


Capítulo 9
Nove - Desistir ou não




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Quando a hora do jantar chegou, procurei por Matheus e Alice. Meu plano envolvia o Heitor, então tivemos que esperar por ele por alguns minutos antes de discutirmos como sairíamos dali ainda naquela noite, sem ser percebidos.

Quando o centauro enfim apareceu, já estávamos terminando de comer e eu e Alice só esperávamos Matheus fazer uma ultima oferenda a Hermes.

Quando chegamos a fonte que ficava em frente à Casa Grande, marcamos tudo certo de onde iríamos nos encontrar e o horário exato que devíamos estar nos lugares. Depois de instruções ditas, Heitor se afastou dando um “boa noite” alto e em bom som, de uma forma desnecessária, achando ele estar disfarçando. Conclui isso quando ele deu uma piscada para nós depois de um bocejo também exagerado.

–Você acha mesmo que esse centauro vai ser apto para ajudar? – disse Alice depois de desmanchar o sorriso falso que dera quando acenamos para Heitor-indiscreto.

–Ele é nossa única chance... – disse.

***

As cortinas se fechavam e todos já transitavam vestindo seus pijamas. Enquanto todos meus irmãos já se recolhiam, eu voltei do banheiro depois de ter escovado os dentes. Alice me olhou e olhei para o relógio. 23:13. Ainda tínhamos que fingir que estávamos dormindo até meia-noite, que era quando Heitor estaria nos esperando na frente do chalé.

Me deitei e para tentar passar o nervosismo fechei os olhos. Porem eu não conseguia deixar meus pés parados, e estes balançavam o tempo todo debaixo do edredom. Os olhos não se mantiveram em momento algum fechados, o tempo todo conferindo o relógio de madeira do quarto claro. 23:30, 23:36, 23:41. O tempo parecia andar tão devagar que varias vezes eu me perguntava se ele estava voltando os ponteiros de propósito.

Meia noite. Me sentei na cama quase que no mesmo instante em que uns cabelos ruivos-castanhos já balançavam em uma cama vizinha. Alice sinalizou para que eu esperasse. Tirou o pijama que estava por cima da roupa, calçou o tênis e, ainda colocando o cinto de lápis na cintura, seguiu até a porta na ponta dos pés. Os filhos de Apolo nem se mexiam na calada da noite, mas em compensação a maioria acordava junto com o sol e isso me levava a perguntar o porquê que eu era irmão deles.

Alice abriu a porta e provavelmente encontrou com Heitor já esperando, pois me deu sinal de positivo, me fazendo tirar o pijama em disparada e pegar meu arco imediatamente.

Do lado de fora do chalé, Matheus e Heitor já esperavam atenciosos a qualquer movimento.

–Vamos adiantar – sussurrou Heitor guiando-nos para a saída que ele tinha em mentes – Não temos muito tempo. Consegui convencer as harpias de não começarem pelos chalés, mas algo me diz que elas logo virão para cá.

–Só de falar nelas me dá arrepio – sussurrou Alice logo atrás de mim. Engraçado, mas pelo que me lembro o monstro que atacou a mim e a Matheus na escola era uma harpia também e Alice naquele dia não demonstrou pavor algum por ela. Pensei se as harpias a serviço do acampamento seriam diferentes daquela velha-substituta-e-tarada – As harpias fazem a limpeza e têm a permissão de atacar qualquer semideus que esteja fora da cama. Dizem que uma vez elas pegaram um garoto na beira do mar e comeram ele até não sobrar nada, até mesmo as roupas. Foi ai então que Quíron percebeu a seriedade que elas levavam a permissão que tinham.

–Valeu ai sua historia macabra Alice. Ajudou bastante a gente nesse momento. – sussurrei olhando por entre os emaranhados de folhas das árvores que ali estavam, esperando uma harpia faminta saltar em minha direção e mascar meus olhos como bolas de chiclete.

Vimos de longe um grupo de caçadoras em pé, paradas como estátuas, fiscalizando o Pavilhão de Jantar. Heitor nos guiou por dentro da floresta, o que aumentou nossos riscos de encontrar outros tipos de monstros.

Demorou muito pouco para andarmos e encontrarmos outro grupo de caçadoras dentro da floresta. Heitor parou e observou. O plano ia por agua abaixo, eu estava prevendo isso. Provavelmente, se eu estivesse com papel e lápis na mão nesse exato momento ia desenhar as harpias-faxineiras desfrutando de um jantar a luz da lua com um cardápio vasto de três semideuses caras de pau.

–Está acabado. – sussurrou Alice – Vamos voltar. Antes que as harpias comecem a limpar a área dos chalés, não quero terminar como o garoto que estava na beira do mar e...

–Cala a boca Alice – sussurrou Matheus para ela, sendo isso a primeira coisa que ele havia dito desde que o encontramos com Heitor fora do chalés 7. Matheus tremia um pouco e seus olhos arregalados não piscavam com tanta frequência assim, o que me deixou assustado por um momento.

–Façam o seguinte. – disse Heitor para nós três ainda de olho nas caçadoras que montavam guarda em um semi-“u” – Quando eu der o sinal, aproveitem o máximo de tempo possível e sigam naquela direção – disse ele apontando um pouco para a direita a nossa frente – Lá na frente vocês encontraram o arco da saída e entrada do acampamento.

–E o que você vai fazer? – perguntei.

–Boa sorte... – disse ele sorrindo e seguindo em direção as caçadoras gritando – Estão invadindo o acampamento! Monstros da florestas! Estão invadindo as fronteiras do acampamento!

Quando as caçadoras o “acalmaram” um pouco, ele contou a mentira dele lá e convenceu elas a segui-lo para onde quer que estivesse tendo o ataque inexistente.

Corremos para onde Heitor nos indicou e logo encontramos o arco.

–Vamos conseguir! – disse Matheus um pouco mais sorridente e piscando em maior frequência.

Atravessamos o arco e realmente conseguimos. Saímos das redondezas do Acampamento Meio-sangue.

***

O que adianta realizar um plano de fuga que tenha dado certo se no final das contas estávamos desamparados, sem rumo a seguir?

No caminho da praia, para chegarmos ao Projeto Tamar, já podia imaginar o perigo que correríamos pegando carona uma hora daquelas. Que tipo de pessoa boazinha anda nas estradas com boas intenções para levar três adolescentes à Salvador? Precisaríamos de muita sorte para encontrarmos um alguém tão honesto. E pelo que venho percebendo, “sorte” e “semideus” são palavras inversamente proporcionais.

Quando enfim alcançamos a área de visitantes, Alice se sentou em um batente e não evitou o surgimento de um bico.

–Tá. – disse ela, provavelmente se segurando para não explodir de raiva – Okay. Estamos aqui. Mas de que forma vamos para a bosta da cidade?!

Matheus que ainda sorria de animação percebeu então do que estávamos falando e vacilou deixando o sorriso sumir instantaneamente.

Por algum motivo eu me vi pensando em Camilla e por mais que tentasse voltar a planejar uma forma de sair dali eu me via imaginando momentos românticos com ela jamais vividos. Na verdade eu não tenho muitos momentos vividos com a caçadora, só tapas na cara e olhadas de idiota. Mas o impressionante é que eu me vi em um estado que só tinha Camilla, Camilla, Camilla, Camilla e Camilla na minha cabeça.

Era como se Camilla eu estivesse Camilla sendo hipnotizado ou Camilla qualquer coisa Camilla do tipo Camilla.

–Tsc tsc... Como semideuses como vocês querem obter sucesso em uma missão desse tipo se nem uma forma de se transportarem encontram? – disse uma voz me fazendo sair aos poucos do estado de Camillência.

–Quem é você? – perguntou Alice um pouco atordoada para uma mulher que olhava os aquários de peixes que estava logo atrás dela.

–Ah garota, se desconecte um pouco da saudade do seu namorado e perceba a pergunta de fácil resposta que me fez. – disse a mulher que agora pude perceber ter uma beleza exuberantemente surreal, vestida com um vestido leve que a transformava quase em um dos espíritos das arvores que dançavam nos arredores do acampamento.

–Afrodite... – disse Alice em questão de segundos.

–Como é bonitinho ver vocês três em delírio pensando no amor. – disse ela dando um beijo de esquimó no vidro do aquário como se estivesse esfregando o nariz no peixe que a observava do outro lado – Meus irmãos muitas vezes não percebem como a influencia deste pequeno sentimento pode desestabilizar a vida das pessoas. Por isso estou achando um máximo o que está acontecendo com a pobre coitada da Ártemis nesse exato momento...

–Você deveria estar do lado dela... Deveria estar aconselhando-a, ajudando-a de alguma forma. Além do mais é um assunto que você mais domina. – disse eu ainda tendo a sensação de algumas Camillas ainda explodirem em minha cabeça como bolhas.

–Mas eu estou ajudando garoto... – disse ela dando a volta no aquário, permitindo a nós vê-la apenas como uma imagem bem distorcida – A paixão deve ser encorajada. E Ártemis não tem o costume de vivencia-la. Então... Preferi deixa-la à vontade e disse para ela seguir o que o coração dela mandava.

Que miserável... Ela acabou de assumir que deixou mais difícil a possibilidade de um final bom para a profecia de Apolo. Nunca conheci um outro deus de perto, mas o jeito “simplesmente fiz, faço e farei de novo” de Afrodite me dava ânsia de vomito, mesmo que ela ainda fosse a mulher mais bela que já havia visto.

–Tudo bem que você ache que ela deve ficar com Órion, mas não percebe que isso está arriscando a estrutura do Olimpo? Os irmãos Sol e Lua podem entrar em discórdia infinita por conta desse romance, até que enfim um deles seja morto. – disse Alice rodeando o aquário indo a procura da deusa que saltitava para outros mais distantes, porem mesmo distante eu podia escutar sua voz, como se estivesse sussurrando as palavras no pé do meu ouvido.

–Garota, você está querendo mesmo aconselhar a deusa do Amor? Olha vocês, estão em uma missão que não é da conta de nenhum dos três. Não é da conta de ninguém. – disse a deusa parando e olhando para Alice que enfim conseguira ficar de frente com a divindade – E além do mais, para um gigante... Órion até que está agindo de uma forma romântica. Voltar das estrelas... Retornar a vida em busca do seu grande amor... Ai ai. – disse ela em um suspiro e logo depois voltando com a cara meio emburrada para nós três – Vocês deveriam ter vergonha de estarem em uma missão de Tentativa de Divorcio.

–Não estamos exatamente tentando estragar o romance de Ártemis – disse Matheus – Só que infelizmente o Caso de Família dela é bem perigoso para todo mundo, principalmente para os meus dois amigos aqui.

–Não importa o que vocês falem. – disse ela se mexendo por entre os aquários outra vez - O gran finale só depende da Ártemis. Apenas. Estão perdendo o tempo de vocês... O que vai valer no final serão os princípios emocionais da deusa...

Alice revirou os olhos.

–Alguém já disse que você é bem maçante quando o assunto é amor? – disse Alice percebendo que não havia imagem distorcida da deusa atravessando o aquário – Afrodite?

Após a pergunta sem resposta, a noite de repente escureceu de forma sinistra, como se um véu negro estivesse cobrindo todo o céu e absorvendo as luminárias das ruas fazendo uma escuridão macabra tomasse o lugar. Olhei para o céu sem muitas estrelas e vi a lua em um estado irreconhecível. Provavelmente os sentimentos de Ártemis já estavam se consolidando a suas personalidades divinas.

–Que mulher estranha... – disse Matheus.

–Ei, tenha respeito... – disse Alice parando de olhar a transformação da lua para observar se Afrodite tinha retornado para cortar a cabeça de Matheus – Independente do quanto você não suporte um deus não o insulte. Não deve dar no que preste ter um imortal te praguejando o tempo todo.

–Mas não estou falando da Afrodite... Estou falando daquela mulher.

Quando eu e Alice olhamos para onde Matheus apontava vimos a figura que ele se referia.

–É uma Nereida... – disse Alice observando a mulher na beira do mar acenando para eles.


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