O Lamento Da Lua escrita por J S Neto


Capítulo 3
Três - A fuga




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Depois de ter terminado de arrumar a mochila, voltamos para a sala , para podermos nos despedir e seguir para a casa de Matheus e podermos depois continuar a trajetória imprevisível até o acampamento.

Quando chegamos à sala, minha mãe mandou esperar um momento e foi em direção ao quarto dela.

–O seu verdadeiro pai me entregou isso logo que teve de partir. – disse ela voltando com um embrulho na mão. – Era para quando você descobrisse do seu destino...

Quando segurei o rolo de tecido branco, o peso foi quase insignificante. Se não fosse a consistência que o pano enrolava algo, poderia parecer não conter nada.

–Vai, abre logo! – disse Matheus se empolgando, com os olhos inchados de tanto ter chorado – Um presente de um deus não deve ser besteirinha...

–Calma cara. Já vou... Já vou... – disse começando a desenrolar o conteúdo.

O presente ideal para a situação. “Oh, pai, provavelmente você já imaginava a ocasião tão “tranquila” que estaria no momento que recebesse isso...” pensei. Era um arco. Oitenta e dois centímetros. Refletia em um dourado bonito, e possuía uma escrita bem discreta no lugar onde se segura a arma. A palavra estava em grego “Απόλλων”. Por um momento eu pensei ter entendido do que se tratava, porém meu cérebro se embaralhou e me afundou em confusões. Algo parecido com Argolo.

Alice se encontrava do meu lado e estava sorridente, mas ao mesmo tempo surpresa. Pelo visto ela podia ler aquilo perfeitamente e provavelmente significava algo.

–Como eu imaginava... – disse ela depois de ter tirado os olhos do arco e ter visto a expressão de minha mãe.

–Vão, adiantem. A viagem ainda é longa, e provavelmente não será um caminho muito fácil... – disse minha mãe nos levando até a porta. Percebi que enquanto saíamos seus olhos se enchiam de lágrimas.

–Nós vamos ficar bem... – sussurrei abraçando ela que vacilou e deixou as lágrimas caírem.

–Eu sei. – disse agora me olhando nos olhos – O destino de um herói é nada mais que honra. Independente do que aconteça, eu tenho orgulho do que você é e do que ainda será.

Odeio despedidas.

–Bem! Espero que o nosso destino seja bom, porque descobrir que faz parte de um mundo interessante para morrer depois... não é nada legal. – disse Matheus interrompendo e quebrando o clima triste – E, além disso, você tem uma arma... Ninguém mais nos derruba, minha tia!

Ela sorriu e colocou a aljava com flechas apoiada no meu braço esquerdo me dando mais um beijo.

–E caso encontre com seu pai... – disse ela agora mais sorridente – Dê uma tapa naquela cara sínica por mim.

Encaixei o arco dentro da aljava de uma forma que ficasse guardado por enquanto. Imaginei o que as pessoas que ali andavam estavam me vendo segurar. Provavelmente uma bolsa de golfe.

–Rafael, sobre seus desenhos... – disse Alice – Você não se recorda de onde tirou aquele rosto de homem?

–Não... – disse me lembrando do retrato que tive afeição ainda enquanto fazia.

–Meu Deus... O que eu vou falar a minha mãe quando chegarmos lá? – disse Matheus do meu lado.

–Se o seu caso for igual ao de Rafael, que o deus é o pai e não a mãe, ela vai saber de tudo. – disse Alice.

***

Quando chegamos, ouvimos um barulho estranho vindo do fundo da panificadora que fica do lado da casa de Matheus. Não esperamos ali parados para ver o que era. Subimos correndo para a casa dele que ficava em cima da loja que seu pai era dono.

–Mantenha a calma, rapaz. – disse quando percebi que ele tremia tanto que suas mãos chacoalhavam ao lado do corpo.

–Não dá. Não dá. – dizia ele com uma voz tremula – Não dá mesmo. Vamos seguir o caminho... Não me importo de usar umas roupas suas.

–Ah, mas eu me importo... – disse puxando ele para continuar a subir as escadas.

–Só precisamos arrumar umas coisas para a viagem, e comunicar a um dos seus pais... – disse Alice – O que há de demais?

***

–Como você conseguiu descobrir isso?!?! – perguntou a mãe de Matheus gritando e ficando um pouco nervosa (dali vinha de onde ele puxou o descontrole de voz...).

Matheus gaguejava feito um criminoso sendo julgado.

–Calma tia. Foi porque... – tentei começar.

–Calma tia? – perguntou ela ainda descontrolada – Rafael, eu mantive Matheus distante disso tudo durante todos esses anos! E o que eu vou dizer ao pai dele?!

–Vamos embora... – implorou Matheus num sussurro meio choramingado no meu ouvido.

–O Rafael e o Matheus não podem mais ficar soltos na cidade. – começou Alice que recebeu um olhar da mãe de Matheus como se ela não tivesse percebido a presença dela ali. – Os monstros já os encontraram. Já estão nos seguindo... Precisamos chegar logo ao acampamento são e salvos.

Conseguimos acalma-la depois de um tempo. Arrumamos as coisas de Matheus que ficou deprimido por ter que deixar todos os “mil” videogames que tinha e o computador.

–Deixa eu levar pelo menos o Nintendo DS... – implorou ele.

–Tecnologia... Não... – disse Alice, fazendo ele recordar do seu falecido Sansung Galaxy SIII. – Pelo menos por enquanto. Talvez no próximo verão...

A mãe dele pegou tantas coisas que não caberia em uma mochila comum de viajem que tivemos que reduzir tudo. Enfim conseguimos convence-la de que Matheus não precisaria de sapato social para festas.

Pronto. Estava tudo pronto para partirmos.

–Mãe, o que você vai dizer ao meu “pai” quando ele perguntar onde eu estou? – perguntou Matheus quando estávamos descendo as escadas já para irmos embora. Ela olhou para nós três, e ali percebi que era a hora certa de sairmos correndo, antes de ela surtar mais uma vez, e nos atrasar mais ainda no caminho para o acampamento, além de fazer corrermos o risco de conhecer a tal criaturinha que está atrás de nós.

***

Tudo pronto. Malas prontas, eu com um arco na mão, Matheus ainda com os olhos inchados de chorar, e agora descobrimos que Alice nem se quer pensara em como iriamos até o tal acampamento meio-sangue.

Ok então né. Acho que pedir a um taxista para nos levar para tal acampamento de pessoas filhas de deuses da Grécia antiga e dizer que estamos um pouco apressados por estar sendo seguidos por um monstro não é uma boa ideia.

–Alice, se aquele mapa era do Professor Enzo, porque ele não está aqui para nos levar até lá? – perguntou Matheus que sentara no meio-fio da calçada, enquanto pensávamos em como iriamos até o local.

–Enzo está tendo outros problemas para resolver. – disse ela olhando para os lados (provavelmente procurando a possibilidade do inesperado surgimento do monstro que nos segue). – E além do mais, eu fui mandada para guiar o Rafael em segu... Quer dizer, vocês dois. Guiar vocês dois em segurança.

–Pra quem distribui GPS de papel para semideuses chegarem em segurança no acampamento sem ajuda alguma, Enzo é um péssimo guia para iniciantes. – disse, pensando logo depois no que realmente Enzo tem a ver com tudo isso. – A propósito, o que ele é? Além do nosso professor de Matemática?

Alice não me respondeu. Não sei se foi pelo fato de estar pensando em um plano ou se foi intencionalmente. Que seja... Prefiro não descobrir que talvez ele tenha um rabo de peixe e asas de borboletas minusculamente toscas nas costas.

–Vocês querem uma carona, não é? – perguntou Matheus se levantando como se já tivesse uma solução – Que tal aquilo ali?

Antes de me virar, deduzi que não era nada que prestasse. O sorriso macabro e um pouco doentio que Matheus às vezes faz (e confesso que me dá vontade de deixa-lo sozinho e correr para distante dele) indicava que o que eu estava para ver não passava de um dos Planos-Matheus. Aquele tipo de plano, que tem a possibilidade de 99% de alguém nos pegar e nos levar a uma clinica psiquiátrica, ou provavelmente para um local chamado prisão, ou então quem sabe, a sala do gerente de um supermercado por ter roubado cinco Doritos.

Então digo o que eu vi. Ali estava, estacionado na frente do banco, descarregando o dinheiro que transportava até aquela agencia. Um carro-forte. Digo o que pensei: entendo completamente o motivo do desespero da mãe do Matheus quando pensávamos em ir a qualquer lugar onde ele ficasse perto de dinheiro.

–Cara, você sabe que seremos presos logo depois né? – pergunto só para garantir que meu amigo não é completamente anormal.

–Você tem uma ideia melhor? – perguntou ele como se eu estivesse jogando fora o melhor plano do mundo.

–Qualquer plano é melhor do que sermos levados direto para a delegacia.

–Qual foi... Você tem um arco... – disse ele.

–Você está supondo que eu mataria trabalhadores inocentes para não ser preso? – perguntei, com medo do que ia receber como resposta. – Seu caso é mais grave do que eu imaginava...

Concluindo, roubamos o carro-forte. Mas foi por um caso de vida ou morte.

Tudo aconteceu quando Alice estava em estado de choque, enquanto Matheus me dava ideias de onde atirar nos homens para não causar fatalidades e que poderiam ser tratados depois. Quando ignorei as habilidades assassinas de Matheus para dar atenção ao que Alice olhava, pode se dizer que foi o combustível para colocarmos o plano de roubo em ação.

Por dentro das árvores que se encontravam a poucos metros de distancia de nós, se encontravam dois olhos mortíferos que nos encaravam fixamente. O corpo a qual os olhos pertenciam serpenteavam por entre as diversas árvores, se enroscando em umas e deslizando em outras. Algo me dizia que era uma cobra, uma das grandes. E algo também me dizia que eu, e ninguém ali, queria ver aquela criatura de perto.

E é ai que chega o momento em que fugimos de uma serpente gigante e um monte de homens com sacos de dinheiro na mão, gritando.

***

Três adolescentes dentro de um carro-forte. Nenhum dos três com habilitação. Uma serpente gigante como seguidora. Meu dia não podia piorar, não é possível.

Enquanto Matheus tentava guiar o volante do carro abafado, Alice olhava o mapa do acampamento, que começou a funcionar como um verdadeiro GPS. Uma voz masculina começou a soar do folheto.

“Queridos Semideuses, favor apertar os cintos para garantir uma segurança maior e aumentar as chances de chegar vivo até o acampamento Meio-sangue, ou talvez de um monstro tristemente devora-lo no caminho”.

–Obrigado por lembrar essa ultima possibilidade... – sussurrei observando, pela porta traseira que estava aberta, a serpente rastejando por entre os carros que buzinavam sempre que passávamos por perto.

“Logo à frente, vire a direita, para um caminho mais curto e divertido. Onde provavelmente não correrão riscos de serem seguidos por nenhum tipo de perigo, a não ser que esteja tendo uma festa de camisa para monstros. E como momento de reflexão vai ai a Frase do dia: Achado não é roubado”.

–Esse é meu lema! – disse Matheus do volante – Enfim alguém que me entende...

–Desde quando isso é um GPS? – perguntei, voltando para olhar como o objeto funcionava – Ele fala mais coisas sem sentido do que nos guia para o lugar certo.

–É que esse GPS é narrado pelo Hermes, o deus dos viajantes, e dos ladrões. – disse Alice olhando para o folheto que continuava a guiar da forma mais estranha possível. – E dizem que ele é um pouco complicado de levar as coisas a serio.

Fizemos um caos no transito em todas as partes da cidade que Hermes mandava seguirmos o rumo. E sempre com informações que cada vez mais me dava vontade de joga-lo pela abertura do carro-forte que no momento não havia mais porta para fechar (tinha despencado de tanto bater e acertou a cabeça da serpente que desapareceu, espero que para sempre).

Passamos por Lauro de Freitas. Já eram umas duas e meia da tarde quando enfim Alice chegou à conclusão, juntamente com Hermes que só era preciso seguir pela Estrada do Coco até chegarmos à Praia do Forte.

“Mais animação, queridos novatos! Pensem no lado positivo, já se passaram 30 km e todos os três estão vivos e o carro ainda consegue correr! Depois de passarmos pela Estrada do Coco basta visitar as tartaruguinhas em cativeiro e seguir a pé até o acampamento!”

A voz de Hermes continuava a soar do papel animadamente como se os sacolejos que Matheus causava com o carro fossem parte do brinquedo mais divertido de um parque de diversões. As diversas vezes que pensei em vomitar procurei ter certeza que a fonte de voz do deus estivesse na minha mira, para ver se assim pelo menos ele calava a boca.

–É o Projeto Tamar que ele está falando. Lá na Praia do Forte. – disse Alice – Espero que nada nos impeça de chegar lá...

–A cobra sumiu. Acho que se acelerarmos um pouco mais chegaremos lá antes que qualquer outro monstro nos ache. – disse olhando para o mapa que nos indicava como uma seta que se mexia descontroladamente na linha que representava a estrada.

–Não dá para acelerar! – dizia Matheus da área do motorista – O carro já não está nas melhores condições.

***

Demorou para chegarmos à área do Projeto Tamar. O céu já possuía um tom alaranjado quando abandonamos o que restou do carro-forte no canto da estrada.

–Bom, daqui para frente podemos seguir a pé. – disse Alice dobrando o mapa e abafando algumas coisas que Hermes ainda persistia em falar – O Caminho não é tão curto, mas chegaremos lá daqui a quinze minutos no máximo.

Rodeamos a área de visitas e seguimos pela praia, até onde quer que fosse o enfim Acampamento Meio-Sangue.

Sobre o caminho. Alice estava certa, não era curto. Matheus já andava se arrastando e respirando seco, com a língua quase do lado de fora. Já nem estava com a mochila nas costas, segurava uma das alças com uma mão e deixava ela deslizar na areia da praia.

As árvores que rodeavam toda a área me deixavam alerta, me fazendo sempre correr a mão até o arco, caso fosse necessário. Alice não parecia diferente. Se uma veterana tem o que temer por aquelas redondezas, quem sou eu para ignorar está tal insegurança?


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