Crônicas Do Olimpo - A Batalha Do Labirinto escrita por Laís Bohrer


Capítulo 10
O Pior Pesadelo dos Ciclopes




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Eu tinha visto Hera apenas uma vez na vida, em um Conselho dos Deuses, mas eu não tinha prestado muita atenção nela. Na época eu tinha sido cercado por um bando de outros deuses que discutiam se iam ou não me matar... Então, é. Eu não me lembrava dela parecer tão normal. Claro, os deuses estão normalmente com seis metros de altura quando estão no Olimpo, o que faz com que pareçam muito menos normais. Mas agora, Hera parecia uma mãe comum.

Ela nos serviu sanduíches e despejou limonada.

- Hansel, querido. - disse ela. - Use o guardanapo, não o coma.

- Sim, madame! - exclamou Hansel.

- E Tyler, você está desperdiçando. Quer outro sanduíche de manteiga de amendoim?

Tyler abafou um arroto.

– Sim, senhora simpática.

- É... - Jake começou. - Rainha Hera, sem querer ser grosso, mas o que a senhora faz aqui? No labirinto?

Hera sorriu. Ela agitou um dedo e toda a sujeira e fuligem desapareceram do seu rosto.

- Eu vim para ver você, naturalmente. - disse ela. 

Eu e Hansel trocamos olhares desconfiados. Quando um deus procura por você, não é pela bondade em seus corações e sim porque vão te pedir alguma coisa, acha que estou mentindo? Quer uma prova? Bem, quando eu tinha doze anos, o deus da guerra pagou um X-burgue para mim e logo depois pediu para que eu pegasse seu escudo, no fim era uma armadilha... Acha pouco? Eu também achava quando Hermes apareceu para mim pedindo que eu salva-se seu filho, antes me presenteando com pílulas anti-magia-de-feiticeira-que-transforma-homens-em-porquinhos-da-índia e uma garrafa térmica cheia de vento. 

Ainda assim, isso não me manteve longe dos sanduíches de peru e queijo suíço e batatas fritas e limonada. Eu não tinha percebido como estava faminto. Tyler estava engolindo um sanduíche de manteiga de amendoim após o outro, e Hansel estava amando a limonada, triturando o copo de isopor como se fosse casquinha de sorvete.

– Bem, eu não achei que você gostasse de heróis. - completou Jake.

Hera sorriu indulgentemente.

– Por causa daquela pequena briga que tive com o Hércules? Sinceramente, ganhei tanta má fama devido a um pequeno desentendimento...

- Mas... Você não tentou matar ele tipo, várias vezes? - perguntou Jake.

Hera acenou sua mão desconsiderando.

- Águas passadas, querido. Além disso, ele foi um dos filhos do meu amado marido com outra mulher. Minha paciência estava escassa, admito. Mas Zeus e eu tivemos algumas excelentes sessões de aconselhamento para casais desde então. Expusemos nossos sentimentos e chegamos a um entendimento, principalmente depois daquele último incidente.

- Você diz, quando ele gerou Thalia? - imediatamente me arrependi assim que as palavras saíram da minha boca. Assim que eu disse o nome da nossa amiga, a meio-sangue filha de Zeus, Hera voltou seus olhos para mim friamente.

- Megan Jackson, estou certa?... Uma das crianças de Poseidon, pensávamos que Poseidon não poderia ter filhas, e veja!  - ela não deixava nem mesmo de ser gentil enquanto falava daquele jeito. - Temos aqui uma das crianças dos três grandes e ainda por cima... Uma menina. Que interessante. Pelo que me lembro, eu votei em deixar você viver no solstício de inverno. Espero ter votado corretamente.

Ela se virou para Jake com um sorriso ensolarado.

– De qualquer forma, eu certamente não desejo a você nenhum mal, meu menino. Aprecio a dificuldade da sua missão. Especialmente quando você tem que lidar com desordeiros como Jano.

Jake não deixava de encarar a deusa, mas ele prestava muita atenção nas palavras da deusa, Jake era um tipo de sensor de falsidade ambulante, ele sabia sempre quando alguém estava mentindo, pelo menos, sabia quando eu estava, mas não conta. 

- O que ele estava fazendo aqui? - perguntou Jake. - Quer dizer...

- Tentando lhe enlouquecer. - disse ela. - Você tem que entender, os deuses menores como Jano sempre foram frustrados pelas pequenas funções que desempenham no universo. Alguns, receio, têm pouco amor pelo Olimpo, e poderiam ser facilmente tentados a juntar-se à ascensão de meu pai.

- Seu pai? - repeti. - Oh, entendi.

- Surpreendente. - disse a deusa. 

- O que quer dizer?

- Nada, querida. - ela me jogou mais um de seus sorrisos.

Eu tinha esquecido que Cronos era o pai de Hera também, assim como era pai de Zeus, Poseidon, e todos os deuses olimpianos mais velhos. Acho que isso fazia de Cronos meu avô, mas o pensamento era tão estranho que eu o coloquei para fora da minha mente.

– Temos de vigiar os deuses menores – disse Hera. – Jano. Hécate. Morfeu. Eles fazem beicinho para o Olimpo, mas ainda...

- Então é isso. - eu falei, meio que chamando atenção deles. - Por isso Dioníso estava fora? Estava vigiando os menores?

- Certamente. - disse ela apontando para os moisaicos dos olimpianos. - Você vê, em tempos de dificuldade, até mesmo os deuses podem perder a fé. Eles começam a colocar sua confiança nas coisas erradas. Eles param de olhar para o quadro geral e começam a ser egoístas. Mas eu sou a deusa do casamento, você vê. Estou acostumada com a perseverança. Você tem que superar as disputas e o caos, e continuar acreditando. Você tem que manter sempre os seus objetivos em mente.

- E quais são seus objetivos? - perguntou Jake meio rude, quer dizer, até ele sabe que quando os deuses lhe procuram... Ah, já expliquei isso.

Hera sorriu.

Manter minha família, os olimpianos, unidos, claro. No momento, a melhor forma com que posso fazer isso é ajudando você. Zeus não permite que eu interfira muito, mas uma vez a cada século, aproximadamente, em uma missão que me interesse muito, ele permite que eu conceda um desejo.

- Desejo? - repetiu Jake.

Antes que você peça, deixe-me dar alguns conselhos, o que eu posso fazer de graça. - ela sorriu ainda mais. - Eu sei que você procura Dédalo. Seu labirinto é um mistério para mim como é para você. Mas se quer saber o seu destino, eu visitaria meu filho Hefesto em sua forja. Dédalo foi um grande inventor, um mortal que Hefesto gostava. Nunca houve um mortal que Hefesto admirasse mais. Se existe alguém que mantém contato com Dédalo e pode dizer-lhe o seu destino, é Hefesto.

- Mas... Como raios chegaremos lá? - perguntou Jake.

Estremeci, sempre que alguém falava raios eu lembrava da minha aterrorizadora experiência na minha primeira missão... Acredite, não foi legal.

Olhei para Jake erguendo as sobrancelhas.

- Desculpe, Megan. - então ele se voltou para deusa. - Já sei meu desejo. Eu quero uma maneira de navegar pelo Labirinto!

Hera pareceu desapontada.

– Que assim seja. Você deseja por algo que, no entanto, já lhe foi dado.

– Eu não entendo...

– Os meios já estão dentro de seu alcance. – Ela olhou pra mim. - Megan sabe a resposta.

- Eu sei. - repeti me sentindo orgulhosa de mim mesma, mas no instante seguinte fiquei confusa. - Espera! Eu sei?

- Você não está me dizendo o que é! - disse Jake.

- Possuir algo e ter a sabedoria para usá-la... essas são duas coisas diferentes. - disse Hera. - Tenho certeza de que sua tia, Atena, concordaria comigo.

A sala tremeu com um trovão. Hera se ergueu.

– Essa é a minha deixa. Zeus está ficando impaciente. Pense no que eu disse, meu menino. Procure por Hefesto. Você terá que passar pelo rancho, imagino. Mas continue em frente. E use todos os meios à sua disposição, por mais incomuns que eles possam parecer.

Ela apontou para as duas portas e elas derreteram, revelando dois corredores idênticos, abertos e escuros.

- Mais uma coisa, Jake. - disse a deusa. - Eu não evitei sua decisão, eu adiei-a apenas. Jano esta certo, um dia você terá que fazer uma decisão.

Ela acenou uma mão e se transformou em fumaça branca. Assim como a comida, justo quando Tyler mordia um sanduíche que virou neblina em sua boca. A fonte parou. A parede de mosaicos obscureceu e se tornou velha e desbotada novamente. A sala já não era qualquer lugar no qual você iria querer fazer um piquenique.

Jake bufou.

- O que Hades foi isso?! “Aqui, tome um sanduíche. Faça um desejo. Opa, eu não posso ajudar você!” Puf!

– Puf! – Tyler concordou tristemente, olhando para o seu prato vazio.

Hansel suspirou se levantando.

- Bem. - disse ele. - Ela disse que Megan sabe a resposta, já é alguma coisa.

Todos olharam para mim.

- Eu sei? - repeti.

– Tudo bem. Então, só teremos que continuar. - suspirou Jake.

- Tá bom, mas... Qual caminho? - perguntei, Jake iria abrir a boca para responder quando Tyler se ergueu e Hansel e meu irmão caçula ficaram tensos.

- Esquerda. - disseram ambos ao mesmo tempo como se tivessem ensaiado.

- Como podem ter certeza? - perguntei.

- Vem algo ruim na direita. - disse Tyler.

- E esta com pressa. - acrescentou Hansel. 

Olhei para Jake.

- Esquerda soa bem. - decidiu

Juntos, mergulhamos no escuro corredor correndo mais rápido que a luz, mas isso não era o suficiente. Agora vejamos as vantagens e desvantagens daquele caminho. Vantagem: o túnel da esquerda era contínuo, sem saídas laterais, desvios ou retornos, ou deuses menores pressionando uma decisão... Desvantagem: Era beco sem saída. 

Após correr alguns metros, chegamos em uma enorme rocha que bloqueou completamente o nosso caminho. Atrás de nós, sons de passos arrastados e respiração pesada ecoavam no corredor. Alguém – algo... definitivamente NÃO era humano – estava no nosso encalço.

- Tyler! Você pode... - comecei.

- Sim! - Ele bateu seu ombro contra a rocha com tanta força que o túnel todo tremeu. Poeira caiu do teto de pedra.

Hansel espirrou.

- Certo, não coloque o teto abaixo mais se apre... Atchim!

- Hansel? - chamou Jake.

- Estou bem, só sou alérgico a poeira.

A rocha finalmente cedeu com um barulho de trituração horrível. Tyler a empurrou para uma pequena sala e nós atravessamos por trás dela.

- Feche a passagem! Rápido! - disse Jake.

Nós todos fomos para o outro lado da rocha e empurramos. Seja o que for que estava nos perseguindo gemeu de frustração conforme colocamos a rocha de volta na passagem selando o corredor.

- Nós o prendemos... - suspirei.

- E nos prendemos. - corrigiu Hansel.

Eu girei. Estávamos em uma sala de seis metros quadrangular de cimento e a parede oposta era coberta com barras metálicas. Nós havíamos entrado direto em uma cela.

- O que Hades...? - Jake hesitou.

Ele puxou as barras, mas como esperado, elas nem se moverão. Através das barras podíamos ver fileiras de celas em um anel em torno de um escuro pátio – pelo menos três andares de portas de metal e passadiços de metal.

- Uma prisão. - deduzi. - Tyler poderia entortar as barras.

- Shh! - chiou Hansel. - Ouçam!

Em algum lugar acima de nós, profundos soluços ecoavam através do edifício. Havia um outro som também – uma voz rouca balbuciando algo que eu não podia entender.

As palavras eram estranhas, como pedras em um copo de vidro.

– Que língua é essa? – sussurrei.

O olho de Tyler se arregalou.

- Tyler?

- Não poder ser.

- "Não pode ser" O que? - perguntou Jake.

Mas Tyler apenas agarrou duas barras na porta da nossa cela e as entortou o suficiente até para um Ciclope atravessar.

- Espere! - Hansel disse.

Mas me parecia que Tyler não iria esperar. Corremos atrás dele. A prisão era escura, apenas algumas luzes opacas fluorescentes cintilavam acima.

- Alcatraz. - disse Jake. - Eu havia visto em fotos antes...

– Você quer dizer a ilha perto de São Francisco? - perguntei.

- Isso mesmo.

- Não é possível... - murmurei.

Não parecia possível que pudéssemos ter saído do Labirinto do outro lado do país, mas...

– Pare. - disse Hansel puxando Tyler de volta. - Pare Tyler, você não consegue ver?

Olhei para onde ele estava apontando, e meu estômago fez um salto mortal. Na sacada do segundo andar, no outro lado do pátio, estava um monstro mais horrível do que qualquer coisa que eu já tinha visto antes. Era o pior dos meus pesadelos até agora.

Era como uma espécie de centauro, com corpo de mulher da cintura para cima. Mas em vez da parte de baixo de um cavalo, tinha o corpo de um dragão – de pelo menos seis metros de comprimento, preto e escamoso com enormes garras e uma cauda farpada. Suas pernas pareciam que estavam emaranhadas em videiras, mas então percebi que eram cobras brotando, centenas de víboras se esforçando em volta, procurando constantemente algo para morder.

O cabelo da mulher também era feito de serpentes, como o da Medusa - Acredite, sei do que estou falando. -  Mais estranho de tudo, em torno de sua cintura, onde a parte mulher encontrava a parte dragão, sua pele borbulhava e se transformava, ocasionalmente produzindo cabeças de animais – um lobo maligno, um urso, um leão, como se ela estivesse usando um cinto de criaturas mutantes.

Tive a sensação que estava olhando para algo meio formado, um monstro tão antigo que existia desde o início dos tempos, antes das formas terem sido totalmente definidas.

- É-É ela. - gemeu Tyler.

- Vamos! - Hansel chiou.

Nós nos agachamos nas sombras, mas o monstro não estava prestando qualquer atenção em nós. Ela parecia estar falando com alguém dentro de uma cela no segundo piso. Era de onde os soluços estavam vindo. A mulher-dragão disse algo em seu estranho e estrondoso idioma.

- O que ela esta dizendo? - perguntei. - Que língua é essa?

– A língua dos tempos antigos. – Tyler tremeu. – A que a Mãe Terra falou com os Titãs e... suas outras crianças. Antes dos deuses.

– Você entende isso? – perguntei. – Pode traduzir?

Tyler fechou o olho e começou a falar em uma horrível, rouca imitação da voz da mulher.

Você vai trabalhar para o mestre ou sofrer.

Jake prendeu a respiração.

- Quando ele faz isso é irado... Assustador... Mas irado.

Como todos os Ciclopes, Tyler tem super audição e uma capacidade inigualável para imitar vozes. Era quase como se ele entrasse em um transe quando falava em outras vozes.

- Continue Tyler. - falei.

Não servirei, – Tyler disse em uma voz profunda e ferida.

Ele mudou para a voz do monstro:

Então eu apreciarei a sua dor, Briareu. – Tyson vacilou quando disse aquele nome.

Eu nunca ouvira ele romper um personagem quando estava imitando alguém, mas ele soltou um som estrangulado. Então ele continuou na voz do monstro.

Se você achou a sua primeira prisão insuportável, você ainda não sentiu o verdadeiro tormento. Pense sobre isto até que eu retorne.

A mulher-dragão foi em direção à escadaria, víboras sibilando ao redor de suas pernas como uma saia de grama. Ela abriu asas que eu não notara antes – enormes asas maléficas que ela mantinha dobradas em suas costas de dragão. Ela saltou do passadiço e voou sobre o pátio. Nós nos agachamos mais nas sombras. Um vento quente sulfuroso golpeou meu rosto quando o monstro voou acima. Então ela desapareceu ao virar a esquina.

- Ho-ho-horrível! - gaguejou Hansel. - Nunca pensei que poderia existir um monstro que cheirasse tão forte assim!

– Pior pesadelo dos Ciclopes – Tyler murmurou. – Campe.

- Quem? - perguntei, mas para deixar Tyler tão assustado, deveria ser mesmo o pior pesadelo.

Tyler engoliu seco.

– Todos os Ciclopes sabem sobre ela. Histórias sobre ela nos assustam quando somos bebês. Ela era a nosso carcereira nos anos ruins.

Jake assentiu.

- É verdade. - disse ele. - Quando os Titãs governavam, eles aprisionaram as primeiras crianças de Gaia e Urano: os Ciclopes e os Hecatonqueires.

- Eca-o quê?

– Os centímanos - disse Jake. - Eles os chamavam assim porque... bem, eles tinham uma centena de mãos. Eles eram os irmãos mais velhos dos Ciclopes.

- Muito fortes! - Tyler bateu palmas. -  Tão altos quanto o céu. Tão fortes que podiam quebrar montanhas!

- Maneiro. - falei. - Exceto se você for uma montanha. 

– Campe era a carcereira – continuou Tyler. – Ela trabalhava para Cronos. Ela mantinha os nossos irmãos aprisionados no Tártaro, torturava-os sempre, até que Zeus veio. Ele matou Campe e libertou os Ciclopes e os de centímanos para ajudar a combater os Titãs na grande guerra.

- E agora... ela voltou. - falei.

- Ruim. - resumiu Tyler.

- Mas, quem esta na cela? - perguntou Hansel. - Você disse um nome...

– Briareu! – Tyler se animou. – Ele é um centímano! Tão altos quanto o céu. Tão fortes que podiam...

- Quebrar montanhas. - acrescentei. - É. Já entendemos.

Olhei para as celas acima de nós, imaginando como algo tão alto quanto o céu poderia caber em uma pequena cela, e por que ele estava chorando.

- Talvez... Podíamos dar uma olhada enquanto Campe não volta. - disse Jake.

- Isso mesmo! - exclamou Hansel. - Espera... O que? Esta louco? E se ela voltar e nos ver?

- Fazemos como sempre, rolamos algumas cabeças, sabre e espada, e acaba como sempre... - disse Jake. - Cinzas.

- Tá bom... - disse Hansel engolindo seco. -  Mas... A parte das Cinzas, se refere o monstro ou a nós?

- Vamos, garoto-jegue. - eu o puxei pelo braço. 

Então fomos logo atrás de Jake, na direção dos gemidos da cela.


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