Darker Than Black escrita por MsRachel22


Capítulo 25
The truth will set 'em free




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A verdade os libertará 

[16:01] 27/12 — Agora, Escola Primária de Nakanocho, 150 metros a leste da Floresta de Nakanocho

  Sasuke Uchiha conseguiu organizar a rotina dentro daquela escola cheia de sapatos perdidos, mesas viradas e cadeiras jogadas com eficiência. Kankuro e Hinata eram os responsáveis por conseguir comida nos arredores, Ino e Sakura estavam responsáveis pela administração de remédios e uma das duas sempre acompanhava a dupla de incursão para conseguir medicamentos.

  Kabuto e Shikamaru se alternavam em conversas baixas e com rondas de segurança junto comigo e o Uchiha. Gaara continuava isolado, se recuperando devagar do tiro que havia levado na coxa durante a fuga da Muralha. Nosso estoque de armas estava completamente reduzido a dois revólveres, duas machadinhas, um rifle descarregado, uma escopeta com mais duas balas e três facas de combate.

  Numa perspectiva otimista, ainda existiam estoques de comida enlatada e água engarrafada que não haviam sido explorados e nenhuma farmácia havia sido saqueada desde que os infectados começaram a se multiplicar.

  Fazia pouco mais de duas horas que Sakura, Hinata e Kankuro haviam deixado o acampamento e ido vasculhar ao redor com uma mochila de lona meio rasgada completamente vazia. A solução proposta pelo Uchiha enquanto não estivéssemos razoavelmente abastecidos com água limpa e comida, era de racionar o que ainda restava em uma porção diária.

  O punhado de biscoitos murchos, farelos de aveia e dois goles de água tinham que servir enquanto não encontrássemos um local melhor abastecido para fazer compras.

  Desde a conversa com Shikamaru, remoer o que havia acontecido desde que havíamos deixado a Muralha havia se tornado um exercício cada vez mais comum. Andei mecanicamente para frente e troquei o peso do corpo para a perna esquerda enquanto segurava o revólver.

  O barulho constante das folhas agitadas nas árvores e de alguns insetos não eram suficientes para me relaxar ou desviar meus pensamentos. Vez ou outra, eu devolvia o olhar analítico de Ino Yamanaka ou o aceno fraco de Shikamaru, mas até mesmo esse tipo de interação virava um evento notável nos últimos dois dias.

— Algum movimento? — Girei um pouco o pescoço quando Gaara mancou na minha direção, ofegante pelo esforço e com passos cautelosos. Voltei a estudar a vegetação, tentando localizar qualquer coisa que retivesse a minha atenção. — Se eu me lembro bem, você costumava ser bem tagarela dentro da Muralha.

Gaara ficou um pouco mais à minha direita e levei algum tempo até encará-lo novamente.

— Você costumava trabalhar para o Kakashi — estudei a expressão cansada dele mudar para algo parecido com ironia quando ele deu mais um passo para frente.

— E levei uma bala na perna por isso — ele argumentou e sua respiração normalizou pouco depois disso. — As pessoas mudam, Uzumaki. Em tempos assim, todos mudam, é algo inevitável. — Retomei os passos arrastados para vigiar mais à esquerda e ignorei como pude a voz nervosa e ofegante do ruivo; assim que plantei os pés no chão, ele me seguiu e reclamou: — Estou tentando conversar com você, cara!

— Não estou no clima pra isso — o vento continuava agitando as copas das árvores com facilidade, mas o barulho dos insetos havia aumentado conforme os céus ganhavam tons mais intensos de laranja.

— Acho que você entende que a sua situação não é a das melhores com o resto do grupo — ele conseguiu disfarçar bem o cansaço que estava estampado nos olhos dele assim que girei os calcanhares para encará-lo. Gaara apoiava todo o peso do corpo na perna esquerda, já que a direita tinha uma faixa de tecido torcido, no lugar de um curativo de verdade, na altura da coxa; eu perguntaria sobre a bala e o estrago que ela tinha feito no ruivo quando ele falou com casualidade: — A maior parte acredita que você atirou na sua sobrinha e inventou que estamos sendo seguidos pelo Kakashi.

— Me conte uma coisa que eu não sei.

— Estão decidindo se devem votar ou não pra te chutar do grupo. O Uchiha meio que se candidatou como presidente do clube, já que você não tem se mostrado muito... disposto a tomar as decisões — havia um leve tom de acusação na voz do ruivo e um meio sorriso nos lábios dele, mas era o brilho divertido no olhar que ele não conseguia disfarçar por muito tempo.

  Dei um passo à frente automaticamente, sentindo minha pele pinicar com o nervosismo repentino com aquelas informações. Parecia que a expressão facial do Sabaku se resumia numa versão mais saturada de divertimento cruel, já que ele sustentou aquele maldito meio sorriso o tempo todo.

— É claro que, nas condições atuais, eu não ficaria surpreso se outra pessoa simplesmente enfiasse uma bala na cabeça dele e tomasse o controle do grupo — ele espiou a vegetação com desinteresse antes de voltar a me encarar; dessa vez, os olhos dele estavam mais sérios. — A verdade é que as pessoas fazem coisas assustadoras quando estão com medo e com fome. O Uchiha não resolve muita coisa na prática, já que existe uma parte do grupo que ainda enxerga você como líder.

  Ele puxou o ar e pareceu analisar com cuidado a minha expressão, mantive a mandíbula trincada e tentei fazer uso das velhas máscaras de indiferença e frieza que havia usado dentro da Muralha, mas eu não conseguia mais. O máximo que eu conseguia era expressar nervosismo e um pouco de cansaço, nada além disso.

— Eu cansei de ser o responsável pela segurança dos outros, Gaara. — Suspirei e observei a vegetação ao redor; só quando tive certeza de que não havia nada de anormal nas árvores e arbustos, encarei o ruivo. — Se o Uchiha é o novo líder, ótimo.

— Estou falando de lealdade aqui, Uzumaki. As pessoas precisam acreditar em alguma coisa, isso é uma coisa que não muda em tempos malucos — ele estreitou um pouco os olhos e ergueu um dedo, quase de forma professoral, assim que emendou: — Ino, Kabuto e a médica estão seguindo o Uchiha porque acreditam que ele é a melhor solução. Você tem o estrategista e a moça Hyuuga do seu lado. Kankuro fica do lado com mais chances de vencer.

  E você? Onde você se encaixa nisso? Aquelas duas perguntas ficaram presas na minha cabeça, porque o ruivo voltou a disparar:

— Não é inteligente ter um grupo dividido, ainda mais nas condições atuais. — Esfreguei os olhos com nervosismo, porque parecia que Gaara nunca iria calar a boca e entendi um pouco da irritação que ele conseguia causar em Kankuro.

— Nada disso é da minha conta.

— Você está deprimido, tudo bem, dá pra entender, mas... — ele me seguiu num ritmo mais lento assim que me afastei e, de certo modo, quase agradeci ao ruivo por se tornar alguém para descontar a frustração e a agonia que me consumiam nos últimos dois dias. Desconte seus erros nos outros, transforme o pobre diabo do Sabaku num saco de pancadas e quem sabe você consegue alguma coisa melhor do que auto piedade.

— Cai fora daqui — murmurei as palavras num tom mais irritadiço dessa vez, mas não parecia que o ruivo estava prestando atenção.

— O ponto é que estamos numa situação crítica por aqui, Uzumaki. Chorar pelos mortos não vai trazê-los de volta, cara. E eu duvido muito que isso vai consertar qualquer coisa.

  Toque logo na ferida de uma vez, garotão. Tentei me ater fielmente ao cansaço emocional e me manter longe daquela série de brigas, farpas, planos e ordens que parecia ser tudo o que havia restado no mundo além de sobreviver a essa versão grotesca de civilização. Mas ainda existia uma massa de raiva, ressentimento, culpa e infantilidade que reduzia qualquer senso de lógica a um lembrete apagado sobre outras formas de lidar com a situação.

— Eu estou muito tentado a estourar a sua cabeça agora mesmo — parte do ar divertido voltou aos olhos do ruivo quando pus o dedo no gatilho.

— Você pode fazer isso se quiser, mas é outra coisa que não vai resolver as coisas. Só vai ser mais um motivo pra que você seja chutado do grupo — a voz dele continuava convicta, segura. — Seja racional por cinco minutos e me escute.

— Estou fazendo isso desde que você abriu a boca. E até agora, não consigo entender o que é que você quer além de me irritar — naquele momento, toda a minha atenção estava voltada para o ruivo tagarela e para algo além da superfície de exaustão emocional. Era bom sentir raiva outra vez, era um combustível melhor do que a agonia, eu tinha que admitir.

— Você e o seu estrategista parecem ser as pessoas que conhecem melhor a região, então eu acredito que vocês sabem tão bem quanto eu qual é o melhor lugar para se entrincheirar agora mesmo. — Franzi um pouco o cenho e não controlei o riso cínico que escapou da minha boca.

— Se eu soubesse disso, acha mesmo que estaríamos aqui? Ou que você estaria na minha frente agora?

  Gaara parecia estar absolutamente convencido de que ignorar tudo o que eu dissesse era a melhor opção.

— O problema — ele continuou, com o mesmo ar de deboche e acusação de antes: — é que você está tão emocional que não consegue ser racional por mais do que meio minuto.

— Sério, você...

— Viu só? Você está perdendo o controle rápido demais, cara — ele me interrompeu de novo e foi o risinho cínico dele que conseguiu me irritar dessa vez. Uma parte da minha cabeça começava a se ocupar em desenhar o rosto do ruivo depois de uma ou duas porradas. — Use a cabeça e pense!

— O que é que você ganha com isso, hã? — Cuspi as palavras e o rosto do ruivo parecia ainda mais irônico quando ele respondeu com simplicidade:

— Fico vivo.

  Ou você pensou que era o único que tinha vontade de sobreviver a tudo? Não seja tão arrogante, garotão.

— Se você se recompor, então mesmo que esse grupo tenha duas lideranças, pelo menos temos mais chances de sobreviver. Além disso, não seria tão surpreendente assim se Kakashi conseguisse escapar da Muralha, mesmo com um motim — o sorriso dele oscilou um pouco e Gaara soltou o ar com força. — Ele não é do tipo que morre fácil.

  A outra metade da minha cabeça se ocupou, pelo menos naquele momento, em juntar as informações que Gaara estava me fornecendo e me forçando a ser estritamente racional, o que basicamente significava que eu tinha de voltar a agir como fazia há dois meses atrás. Era estranhamente desconfortável voltar a usar essa postura.

  Soltei o ar com força e massageei a nuca enquanto o ruivo abria a boca e perguntava:

— Então, o que vai ser?

 

[19:33] 27/12 — Agora, Escola Primária de Nakanocho, 150 metros a leste da Floresta de Nakanocho

  Havia um semicírculo formado dentro da sala mais espaçosa e preenchida com avisos sobre materiais escolares, horários de almoço e cochilo, letras garrafais coloridas que formavam o alfabeto e tinta, que um dia teve um tom de azul-claro. Uma das portas de madeira estava entreaberta e, o que antes era o escritório da direção, agora era nosso estoque.

  Ino bloqueava aquela porta e mantinha os braços colados na frente do peito, Gaara estava largado numa cadeira à direita dela e era acompanhado por Shikamaru. O Nara mantinha as mãos no bolso enquanto assistia Kabuto se mexer no lado oposto da sala, o rapaz ajeitava os óculos freneticamente e não conseguia parar de olhar para o ruivo e a enfermeira.

  Hinata ocupava uma cadeira enquanto Sakura limpava e enfaixava um corte superficial no dorso da sua mão esquerda; eu continuava parado, próximo às janelas e nem tão distante quanto gostaria do Uchiha – ele estava praticamente do meu lado desde que havia convocado a reunião pouco depois que o grupo de incursão havia retornado. Kankuro ocupava a porta que dava acesso à área externa da escola e parecia mais entretido em espiar os arredores.

— O que é que você queria dizer, Sasuke? — Foi Shikamaru quem perguntou assim que o silêncio se tornou constrangedor e todos começaram a trocar olhares de dúvida. Levou algum tempo até ele dizer, num tom mais sério do que o normal:

— Nós não temos muita comida sobrando e as últimas buscas não ajudaram em muita coisa — Kankuro soltou um riso curto e cínico assim que a voz do Uchiha ecoou pelo cômodo. — Eu encontrei um atirador hoje, durante uma busca pela área. Ele está morto agora — o último comentário não serviu para acalmar os ânimos ou diminuir a tensão que se instalou dentro daquela sala abarrotada de lembretes escolares e mochilas.

— Acho melhor você explicar essa porcaria.

— Ótimo, mais essa.

— O que você quer dizer com atirador?

  As vozes de Ino, Kankuro e Kabuto se misturaram enquanto os olhos de Shikamaru pareciam mais alarmados ainda com a nova informação; o Uchiha esperou até que as perguntas fossem repetidas e que o silêncio surgisse.

— Não somos o único grupo de sobreviventes e demos sorte de não termos entrado em confronto com ninguém, pelo menos até agora. — A voz dele era didática e extremamente tensa conforme ele estudava as expressões de alarme, irritação e medo. — Não sei que nome dar para uma pessoa que carrega uma arma de longa distância. Ele não estava muito longe daqui, sendo bem sincero. Mas é um pouco difícil de acreditar que ele estivesse totalmente sozinho, se levarmos em conta que as chances de sobrevivência são maiores em grupo.

— Qual é o plano agora? — Hinata perguntou e não parecia feliz com o silêncio prolongado de Sasuke.

— Nós temos duas alternativas: podemos continuar aqui e manter as buscas por suprimentos, ou podemos ir para algum lugar mais seguro, longe daqui — o tom aborrecido na voz do Uchiha era algo novo e percebi que ele estava no seu limite. Se você levasse em conta o cenário atual, aquilo não deveria surpreender ninguém, mas aparentemente surpreendeu Kabuto.

— Espere um pouco, a nossa melhor opção é voltar para a Muralha e não nos afastarmos ainda mais dela. — O nervosismo dele aumentou quando ele percebeu que todos o observavam com atenção e os dedos do rapaz tremiam quando ele ajeitou os óculos que escorregavam do nariz.

— Nós quase morremos pra sair de lá — o lembrete de Sakura causou uma onda de concordâncias verbais automática. — Não era seguro antes, por que seria agora que o lugar foi invadido por infectados?

— Eu não acredito que o lugar seria tomado por infectados. A maioria dos habitantes andava armada até os dentes, era praticamente uma regra de etiqueta — Kankuro falou logo em seguida e cravou os olhos em Ino e Kabuto. — Vocês devem se lembrar bem disso, já que pularam pro nosso grupo assim que o tiroteio começou.

— Eu não sei quanto a você, maninho, mas a maior parte das pessoas quer mesmo viver.

— Por que você não cala a boca? — Shikamaru interveio assim que Gaara conseguiu chamar a atenção de Kankuro; a tensão parecia ter ganhado um novo patamar quando os irmãos Sabaku se encaravam. — Não temos como saber até que ponto a Muralha foi realmente tomada por infectados ou outras pessoas, já que os portões não estavam fechados quando escapamos de lá. Não é uma opção segura retornar à Muralha, não temos gente ou armas suficientes para tomar um lugar daquele tamanho. É suicídio.

  Parecia que a ideia de retornar à Muralha estava totalmente descartada quando a voz de Shikamaru soou nervosa pela sala, o silêncio que se instalou era mais pesado dessa vez. Kabuto olhou com certo desespero para cada um de nós, como se esperasse uma opinião contrária, algum ponto de vista que embasasse a sua ideia.

— Ele está certo — Sakura murmurou enquanto Kabuto abria e fechava a boca, tentando encontrar algum fato que pudesse rebater o que a Haruno ou o Nara tinham dito.

— É suicídio se formos até a Muralha da floresta, não é Sasuke? — O tom acusatório na voz da Yamanaka me fez franzir o cenho enquanto os olhares vagavam até o Uchiha. A loira mantinha o olhar frio cravado em Sasuke conforme a dúvida crescia e dividia espaço com a tensão.

— Como assim até a Muralha da floresta? Só existe uma Muralha, Ino — o comentário de Gaara soava mais como a constatação do óbvio, mas a Yamanaka levantou o queixo e apontou rapidamente para o Uchiha.

— Você acredita nisso, Sasuke? — A acidez na voz dela havia brotado junto com a raiva e aquilo parecia intensificar a frieza naqueles olhos azuis. — Até onde eu sei, a Muralha era um lugar seguro, um tipo de projeto que deveria ser implantado em outros lugares ao longo do tempo. No começo, eu não conseguia entender como é que um lugar fortificado como aquele estava praticamente escondido das pessoas, eu não conseguia explicar como tão poucas pessoas conseguiam entrar lá.

  Não era exatamente choque ou surpresa o tipo de sentimento que parecia estar refletido em todos os rostos, mas havia uma espécie de inércia que atingia cada um em níveis diferentes. Ino não parecia tão inabalável, já que parecia ofegante e seus ombros tremiam um pouco.

— Por que militares foram colocados como responsáveis pela Muralha e não civis? Porque civis não tem uma linha de comunicação tão sofisticada, não é Sasuke? — O Uchiha sustentou o olhar frio da loira assim que ela lançou a pergunta.

— Há mais de uma Muralha — o murmúrio de Shikamaru foi capaz de me provocar uma onda quase letárgica de náuseas e agonia; uma parte da minha cabeça imaginava contêineres abarrotados de infectados e outros destinados a salas de interrogatório, eu não conseguia abandonar a imagem de infectados rasgando adolescentes e adultos que estivessem no meio do caminho quando algum daqueles contêineres fosse aberto.

  Era impossível desassociar que, se existiam mesmo outras Muralhas, existiam estudos sobre infectados, o vírus e escalonamento de cobaias.

  E também era impossível encarar Sasuke Uchiha e não associar a informação de que ele sabia disso o tempo todo e havia mentido. O que é que você esperava dele, hã? Uma conversa franca? Quem sabe um passeio sobre o passado dele, ficha completa, lista de comidas favoritas e séries maratonadas no fim de semana?

— Eu não sei mesmo o que devo esperar de você, Uchiha. — Confessei e ele virou o pescoço na minha direção, ele continuava calado conforme eu conseguia abrir a boca e despejar as palavras: — Sabe, é engraçado que eu cheguei a fazer um acordo com o Kakashi. Era você em troca da nossa segurança e, por um minuto, eu quase me achei um canalha por fazer isso, já que você tinha nos ajudado a chegar até lá.

  Arqueei uma sobrancelha assim que ele girou o tronco e ficou na minha frente.

— O ponto principal desse acordo era o nome da mulher que tinha feito você abandonar o Kakashi — continuei imóvel quando o Uchiha deu um passo à frente. — Eu nunca disse nada, mas você deixou claro que não dava a mínima quando colocou um alvo bem nas costas da Hinata naquele dia. Você fez uma cena e eu contribuí feito um idiota, é verdade. Tudo o que você tem feito é manipular e mentir pra salvar o seu da reta.

— Não é muito diferente do que você tem feito — ele rebateu irritado e precisei manter a conversa que tive com Gaara em mente, porque eu gostaria muito de agir irracionalmente e de forma impulsiva e socar o maldito no rosto.

— Talvez você tenha razão sobre isso. Só que, agora, você é o líder — devolvi com mais calma do que achei ser possível e foi a vez do Uchiha estreitar um pouco os olhos, mesmo que a postura defensiva dele não tivesse sido alterada.

— Ninguém disse isso — a voz de Sakura mal passava de um sussurro e ergui os ombros assim que ela me encarou por alguns minutos.

— Que diferença isso faz? Acho que a discussão agora é sobre o que é a Muralha, não sobre quem é o líder — Hinata ponderou e se ajeitou um pouco melhor na cadeira enquanto cruzava os braços. — Eu acho que não sou a única que está cansada de segredos e conspirações por aqui.

  Houve uma longa troca de olhares alarmados e desconfiados dentro daquela sala enquanto o silêncio dava espaço para que cada um criasse suas próprias teorias e ficasse preso em sua bolha de ideias e fatos. Gaara tinha lido o grupo com precisão: existia uma divisão muito clara sobre em quem confiar naquele momento.

— A Muralha — a voz cansada de Sasuke encheu o cômodo e praticamente todos o encararam a partir daquele instante. — A Muralha era pra ser uma zona segura, um centro de pesquisa e contenção do vírus enquanto ele era sequenciado. A maior parte dos militares era usada como parte da segurança dos laboratórios e só alguns eram realmente parte do projeto laboratorial.

  A pergunta clichê e óbvia sobre o porquê de ele ter ficado quieto esse tempo todo praticamente saltava na minha mente a cada segundo, mas parecia que ninguém conseguiria verbalizar aquelas palavras enquanto a voz do Uchiha continuasse enchendo os nossos ouvidos.

— Eu fui designado para a Muralha 3, que era comandada por Kakashi. Existiam outros dois projetos bem-sucedidos, um quarto ainda estava em construção quando os anúncios para civis começaram a ser espalhados por Tóquio e em algumas cidades, como Osaka. — Ele soltou o ar e seus ombros caíram, mas os olhos continuavam atentos e nervosos. — A minha função ali dentro era fazer parte da segurança, cumprir os turnos de vigia e contatar um superior caso alguma coisa saísse do controle.

— Como o quê? — A voz de Shikamaru estava incisiva e a tensão dominava todo o seu rosto enquanto ele esperava o Uchiha respirar e pigarrear.

— Se alguma das cobaias apresentasse comportamento agressivo, não podíamos intervir. Sendo prático, quando você é treinado para matar, você atira em qualquer coisa que represente um perigo — ele estava sendo honesto, dava para perceber e aquilo era mais nauseante ainda. — Foi mais ou menos com dois meses de projeto que mais militares foram requisitados para fazer parte dos laboratórios. Kakashi designava as pessoas de acordo com a patente, era o critério dentro da Muralha 3, mas alguns diziam que aquilo não se aplicava nas outras Muralhas.

  Se você não tem infectados à disposição, você os cria. Prático.

— As ordens de dentro do próprio exército eram bem claras: estávamos subordinados às regras da Muralha. — Ele avaliou os rostos abatidos, cansados e surpresos de cada um antes de prosseguir: — A maior parte das pessoas que tinham o vírus injetado não conseguiam sobreviver e Kakashi não gostava de fracassos. Até que ele requisitou um soldado que atendia a maior parte dos critérios e, talvez uma semana depois, ele tinha a mutação sequenciada dentro dos padrões esperados: força, agilidade, resistência.

  A minha pele pinicava e eu sentia o suor brotando nas palmas das mãos e nas costas, outra série de perguntas explodiu dentro da minha cabeça, mas eu não conseguia encontrar as palavras para despejá-las.

— Kakashi achava mesmo que soldados mantinham a obediência naquelas circunstâncias e mandou que um exercício fosse realizado. Aquilo foi... Em menos de cinco minutos, havia três infectados avançando, e então eles viraram oito e as coisas saíram do controle. — O Uchiha puxou o ar e parecia que a tensão e o nervosismo consumiam todas as suas forças. — Eu fugi bem depois disso e achei que aquele horror todo estava preso dentro da Muralha, mas era estupidez acreditar nisso, já que existiam outras duas Muralhas.

  Parecia irreal lembrar que o grande objetivo da sobrevivência incluía entrar numa máquina de infecção em massa daquele maldito vírus. Beirava ao sadismo achar que a Muralha era um lugar seguro de infectados.

  Sasuke continuou o relato com a mesma praticidade que se esperaria de uma pessoa acostumada a descrever a sua rotina – tinha algo de mecânico em sua voz.

— As coisas não estavam mais sob controle quando os noticiários começaram a divulgar casos de canibalismo, agressão e falar sobre a propagação de um vírus que eles acreditavam ser causado por consumo de carne silvestre.

— Foi por isso que os casos começaram nas regiões mais afastadas — o comentário quase cauteloso de Hinata me causou arrepios, porque batia com as informações que todos tínhamos.

— E se espalharam para as cidades, já que os hospitais não davam conta dos casos e transferiam pacientes — Sakura emendou a explicação e seus olhos pairaram sobre Sasuke automaticamente.

— As Muralhas ficavam em regiões mais afastadas, as localizações reais não constavam nos dados do exército e você só sabia que aquilo era real quando era levado até lá. Eu não sei onde as outras Muralhas ficam, talvez Kakashi soubesse disso, mas duvido que ele tenha compartilhado esse tipo de informação — o Uchiha voltou a falar e respirou fundo quando a urgência por mais explicações estava estampada no rosto de todos. — Até onde eu sei, eles não conseguiram criar uma vacina ou um tratamento para os infectados, então a única solução lógica era que as pessoas denunciassem os doentes.

  Não há o que salvar por aqui. Aquela voz chiada ecoou na minha cabeça com facilidade e trinquei a mandíbula com a memória do tiro e dos passos apressados.

— Eles começaram a levar as pessoas...

— Não, eles entravam para matar — interrompi a justificativa tosca de Kabuto e meu pescoço virou na direção do Uchiha. — Não importava se você estava doente, eles entravam e metiam uma bala no seu peito e caíam fora.

— As coisas estavam fora do controle — foi a resposta idiota dele.

— É, certo, soldado. — A amargura na minha voz era palpável e a postura defensiva de Sasuke levou a aversão que eu sentia dele a um novo patamar. — Você fazia parte do quadro de funcionários que invadiam casas e atiravam nas pessoas ou estava ocupado demais se escondendo?

— Não, eu estava ocupado demais tentando encontrar um lugar seguro nessa época — ele mal movia os lábios quando finalmente respondeu. — Isso é tudo o que sei sobra a Muralha.

  Encarei Shikamaru por puro hábito assim que parte do silêncio se instalou, porque era o que eu fazia quando precisava tomar alguma decisão no tocante a novas informações e segurança. Mas eu não tinha mais essa obrigação, mesmo que meu cérebro tentasse dissecar tudo o que o Uchiha havia dito e transformar aquele bolo de informações em um plano possível de ser executado.

  Eu não saberia explicar como a expressão tensa de Shikamaru suavizou rapidamente ou o porquê de ele ter falado:

— Eu tenho um plano.

  Talvez eu nunca soubesse, pelo menos até aquele momento, porque boa parte da desconfiança simplesmente sumia quando era Shikamaru quem analisava a situação e desenhava uma alternativa. Era estranho concordar tantas vezes com Gaara, mas ele estava certo outra vez: as pessoas precisavam acreditar em alguma coisa. Não era eu ou o Uchiha quem tinha a melhor capacidade de liderança.

— Escutem.

  Foi o que fizemos.


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Notas finais do capítulo

YO.
Muito provável que este seja o penúltimo. A continuação será postada, mais tardar, na próxima semana.
Até! o/



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