Acordo de manhã. A manhã de colheita. Minha mãe tem medo de que eu ou um de meus três irmãos sejamos sorteados. Eu também tenho medo, mas não por mim. Eu não me importaria de ir para a arena. Tenho medo por ela. Medo de ver a pessoa mais importante de minha vida fugir de meus braços, direto para a morte quase certa. Não sei se conseguiria suportar. Aliás, eu acho que ela está esperando por mim.

Termino de me vestir, tomo café-da-manhã, deixo algo pronto para minha família e saio. Enquanto caminho, penso. Ao redor do nosso distrito, tem uma cerca que deveria nos impedir de passar para a floresta atrás dela. Ela deveria ser constantemente eletrificada. No entanto, estava sempre desligada e, num canto escondido, tinha um buraco grande o suficiente para uma pessoa passar. Esse buraco havia sido adotado como porta para o meu mundo particular. Meu não. Nosso. Meu e de Katniss. Lá, na floresta, nos podíamos falar o que achávamos sem nos preocupar com os poucos pacificadores do distrito. Lá, nos caçávamos para manter nossas famílias fora da miséria completa. Mas... O que nos aconteceria caso a cerca seja ligada?
            Antes de conseguir pensar na resposta, meus pensamentos são interrompidos pela visão de uma Katniss linda e obviamente preocupada.
            - O que foi Catnip? – esse é o apelido que eu dei a ela. A abraço e afago seus cabelos.
            - Prim sonhou que era sorteada e acordou chorando. – Primrose Everdeen. Irmã mais nova de Katniss. Ela tem tanto medo pela pequena Prim quanto eu tenho por ela, apesar de ela não saber de meu medo.
            - Calma Cat. Esse é o primeiro ano dela. Ela não pode ser sorteada. E se ela for, a gente vai dar um jeito. O. K? Vamos indo antes que fique tarde, certo?
            Ela balança a cabeça de maneira determinada e passa pela grade. Sorrio levemente e a sigo. Ela apanha os arcos que escondemos na mata. Ela me entrega meu arco e minhas flechas e nos vamos caçar. A caça foi produtiva. Pegamos alguns esquilos e dois coelhos. Poderíamos pegar um bom dinheiro por eles, mas não hoje. Hoje a caça serve apenas para ir para mesa de casa. Colhi algumas frutas e nos sentamos para comer. Enquanto comemos, conversamos sobre tudo e sobre nada. Falo mais uma vez da minha ideia maluca e ouço a mesma resposta de sempre:
            - Não, Gale... A gente não pode fazer isso. Eu realmente queria fugir com você. A gente poderia viver na floresta, se eu não tivesse a Prim. E você tem Vick, Rory e Posy também. Simplesmente não dá...
            -Acho que você está certa... Bem, é melhor irmos andando. Não queremos nos atrasar para o grande evento não é?! -  respondi com a voz carregada de ironia.
            Voltamos para o distrito, entramos na fila, demos nossos nomes para pegar tésseras, Katniss na minha frente. Ela terminou de se cadastrar e entao se despediu de mim com um abraço. Eu fiquei tao distraído vendo-a se afastar que nem senti a moça colher minha amostra de sangue.

Caminho para junto dos outros garotos e olho para o palco. Eu vejo uma aberração feminina de cabelos e sobrancelhas rosa. A moda da capital nunca me agradou. Ela se apresenta como Effie Trinket e um vídeo começa a ser projetado no edifício da justiça atrás dela. O mesmo vídeo a qual somos obrigados a assistir ano após ano. Rebelião dos nossos antepassados, destruição do distrito 13, criação dos Jogos Vorazes como maneira de nos lembrar de que não se deve brincar com a capital. E também uma maneira de nos manter sob controle. Não há Jogos Vorazes que possa controlar o ódio que sinto pela capital e, principalmente, pelo presidente Snow.

- Oh, como eu amo esse vídeo! Vocês não? Bom, vamos ao sorteio dos nomes. E que a sorte esteja sempre a seu favor.
            - Ela nunca esta. – sussurrei alto o suficiente para que apenas eu me ouvisse.

Eu não poderia estar mais certo. Effie decidiu começar o sorteio pelas meninas. Meu coração se apertou dentro do peito pois eu sabia que 23 daquelas fichas eram com o nome de Katniss. Não sei o que me deixou mais surpreso: ouvir Effie chamar “Primrose Everdeen!” com sua vozinha irritante ou o grito de “Katniss Everdeen, voluntaria para os jogos”.

Eu suava, eu tinha tonturas, tinha náuseas e tudo que você possa imaginar enquanto observava Katniss caminhar ate o palco. Eu era puro desespero. Minha companheira, minha amiga, minha paixão, minha vida. Eu não podia, eu não ia, deixa-la escapar de mim assim. Se ela morresse, e ela não ia, ela não morreria sozinha. Por isso, eu não hesitei nenhum segundo e nem deixei Effie terminar de ler “Peeta Mellark” e gritei

- Gale Hawthorne, também sou voluntario.

- Nossa, temos dois voluntários aqui hoje! Venha aqui no palco mocinho, venha, venha!

Subi as escadas com minhas pernas tremulas e me postei junto a Katniss, que sussurrou:

- Que ideia foi essa Gale? Você sabe que apenas um vai voltar!

- Não Catnip, nos dois voltaremos. Eu prometo.

Eu prometi isso a ela e a mim mesmo. Eu realmente pretendia manter essa promessa. A capital não iria me fazer desistir da garota que amo. E o tal do Peeta que se sinta feliz por não estar aqui.