People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 35
Vida




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Acho que acabei de conhecer Deus. Ou não. Era só uma sombra no meio de toda a luz que me envolve agora e só escutei meu nome. Não sei se eu estou viva. Não sei se eu estou respirando, não estou sentindo nada. Frio, calor, dor, nada. 

Então talvez eu tenha morrido. 

Está tudo branco. É como estar de olhos fechados olhando para a claridade, nadando em luz. A sombra que eu achava que era Deus não está mais ali, mas agora não sei mais o que fazer. Ficar aqui pra sempre? 

Então, no meio de toda a claridade, aparece... Dover. Dover?

Será que eu morri mesmo? 

Ele fica longe. Não vem falar comigo, nem diz meu nome, e só me olha. Está usando as roupas da última vez que o vi, então percebo que talvez isso seja apenas o meu subconsciente. Não algum lugar místico. Nem sei se eu ao menos acredito em Deus. 

Do lado de Dover, aparece a mãe de Perry, e mesmo que eu saiba que não é o corpo dela realmente, talvez só minha mente ou algo do tipo, é estranho meio que vê-la ao vivo. Ela é linda, naturalmente, usando um vestido florido.

Em que eu a vi usando em várias fotos quando ajudei Perry. 

Não sei o que acreditar.

Só espero que Mack esteja bem, e que alguém veio ajudá-la. 

A mãe de Perry continua olhando, sorri, depois acena e eu sinto minha mão acenando de volta, mesmo que eu não consiga ver. É como se eu estivesse consciente em um sonho. É tão esquisito. 

Eu escuto vozes. Então, é como se alguém me botasse no vácuo e sons que eu nem havia percebido que estava ouvindo param, me deixando no silêncio, só com as vozes. Não entendo nada. Quando Dover e a mãe de Perry tentam se aproximar, eles viram luz branca e eu acabo sozinha de novo, em qualquer lugar que seja esse. 

Tento me lembrar do contato da água. Do impacto, e das pedras, mas não consigo. Não há dor, não há sofrimento, não há nada.

Eu estou morta?

Emerson, escuto uma voz. Emerson. Emerson. Emerson. Emerson. Não consigo identificar quem é. 

Então toda a luz me envolvendo fica verde, reluzente, forte e eu acho que vou ficar cega mesmo já estando morta, muito provavelmente. Não sei se estou respirando. Meu corpo todo está entorpecido. 

Agora eu estou com frio, e a claridade me incomoda, e eu fico m perguntando repetidamente se eu estou morta, até ninguém dar resposta e eu começar  a perceber que eu estou. 

Começo a chorar, eu acho. Não dá pra sentir lágrimas nem ouvir soluços mas meu coração apertado me diz que eu estou chorando, porque eu não quero morrer. 

Eu quero ir pra escola. Eu quero abraçar minha irmã e conhecer Kate. Eu quero beijar Perry. Eu não podia morrer DEPOIS disso? 

Mack vai ficar devastada. Provavelmente vão mandar ela pra um lugar como St. Mara depois pra tentar superar a perda. Meu pai vai se afogar em culpa. Não aguento pensar no que isso vai causar em Perry. 

Por que a luz verde não some de uma vez? 

Estou com frio. Já falei isso? 

Eu queria muito viver pra decidir o que eu quero fazer na vida.

Eu queria muito viver pra ver minha irmã crescer.

Queria. Já estou falando no passado.

Então, eu sinto dor. Em todo o lugar.

Deus, eu chamo, acabe com isso de uma vez.

Sem resposta. 

Subitamente, como a dor e a luz, eu consigo respirar. É uma lufada enorme de ar, que faz meus pulmões doerem, assim como todo o resto do corpo, e abro os olhos.

Alívio tão grande corre em mim que acho que nunca me senti tão feliz na minha vida. Vida.

Estou viva.

Porém, vomitando. 

Meu corpo está encharcado, e eu apoio meu cotovelo dolorido na grama, a alguns metros do rio violento aonde eu havia caído, enquanto meu estômago manda toda a água salgada e alguns resíduos para fora do  meu corpo, jogando o líquido na grama. Percebo que tem alguém massageando minhas costas, fazendo pressão para a água sair, e aos poucos meus sentidos se tornam mais nítidos e eu consigo perceber os sons, a movimentação ao meu redor. Mackenzie.

-Emerson, diga alguma coisa. Emerson, eu juro por Deus... -Ela para na minha frente. Percebo que é Chris quem está mexendo nas minhas costas. Mack está molhada da chuva, chorando. Atrás da dela, Perry e Kristin estão aqui. Olho para eles, quero lhes dizer algo profundo e feliz, como eu estou grata por eles estarem aqui ou algo assim, mas estou cansada. Muito cansada. Cansada demais para abrir minha boca por muito tempo. 

-Estou aqui. -Digo, e minha voz sai trêmula e rouca. -Não vou a lugar nenhum. -Então eu encosto minha cabeça na grama, com frio, com medo ainda, e cansaço, e apago completamente.

Quando eu volto a realidade, estou em um hospital. Um beep, beep, ecoa no quarto, mas tirando isso, o único barulho é a respiração da minha irmã e do meu pai. Observo a cena: ele, sentado, com o braço ao redor do ombro dela, e ela com a cabeça em seu peito, dormindo sem perceber que eu estou acordada. É uma cena bonita, que eu não via há muito tempo, desde que toda minha confusão com meu pai aconteceu. Ele parece cansado, Mack também, mas sei que os dois estão bem, e isso desaperta um laço dolorido no meu coração. Talvez as coisas possam mesmo voltar a ser como eram antes. 

Procuro minha mãe, mas sei que ela não deve estar aqui. Provavelmente está a caminho, e deve estar vindo de outra cidade -a minha cidade - e vai demorar para chegar. Me pergunto se alguém da orientação está aqui, mas não vejo ninguém na sala. 

Acordo meu pai. Ele parece surpreso por me ver acordada, e me dá um abraço esquisito, já que eu tenho agulhas no braço. Pra quê, eu não sei.

-Querida. -Ele diz, afagando meu cabelo.

-Pai? -Pergunto. 

-Sim, sou eu. -Lembro do desespero de achar que eu estava morta. De sentir o choro. Lembro da perspectiva de poder falar com meu pai todos os dias, e concertar a bagunça que fiz, que fizemos juntos. Depois de agradecer silenciosamente por não estar no fundo daquele rio, digo:

-Eu estou orgulhosa de ser sua filha. -Ele começa a chorar. E é estranho porque nunca sei o que falar quando meus pais choram, mas dessa vez, sei que é por algo bom. 

-Eu te amo tanto, querida. Tanto. -E eu me sinto leve. Como eu senti depois que ele disse que estava orgulhoso de mim. Acho que nós dois sabemos o que orgulho significa. Mack acorda e me abraça muito forte, fazendo a agulha doer.

-ME DESCULPA ME DESCULPA ME DESCULPA ME DESCULPA. -Ela diz, sem pausa. -EUSINTOMUITOMESMO. Eu fui uma babaca chata. Me desculpa, eu pirei, eu estava brava porque... porque você vai embora, e eu não sabia como reagir a isso. Então eu tinha que puxar alguma briga... porque aí ia parecer que as coisas não iam mudar nunca, sabe? Isso soa idiota agora. -Ela funga. Eu tento rir, mas meu peito dói. 

-Está tudo bem. 

-Eu entendi o que você quis dizer, aliás. Eu não preciso fingir nada na sua frente. É que só estava meio desesperada pra ter minha irmã de volta. -Cubro a boca dela, revirando os olhos.

-Não tem problema, agora pare de falar. -Eles riem. Meu pai parece feliz. 

Um médico vem me checar, minha cabeça para de doer e eu fico silenciosamente lendo um livro, descansando enquanto ainda não tenho alta, quando Perry entra no quarto. Minhas costas ainda doem um pouco, por causa dos arranhões que consegui batendo com o corpo em algumas das pedras, mas eu me obrigo a sentar na cama, e botar no livro para baixo.

Ele me abraça, sem dizer completamente nada, e começa a chorar. Tiraram as agulhas, então posso abraçá-lo de volta. Envolvo seu pescoço e fecho os olhos, tentando imaginar o que ele deve ter sentido quando eu cai na água e quão assustado ele deve estar agora. Faço o melhor para acalmá-lo, afagando seus cabelos, como meu pai fez comigo. 

-Quando eu estava apagada, -Digo, engolindo seco, sem saber se o que vou falar é permitido. -Vi sua mãe. Não ela de verdade, era provavelmente meu subconsciente, mas eu a vi. Perry, ela parecia... feliz. Em paz. Eu só queria dizer isso. -Termino. -Talvez a morte não seja um parêntesis. A morte é o parágrafo, não a vida. A vida é o resto do livro todo. E talvez não seja tão ruim, acho que sua mãe está bem. Morrer não assusta tanto, se você já realizou grandes coisas. E pelo que você disse, ela tinha uma vida plena. -Ele chora com a cabeça apoiada no meu ombro. 

-Eu sei. -E então repete. -Eu sei. 

-E eu estou aqui. Porque tenho coisas demais pra realizar ainda. Então não se preocupe comigo, tá bem? -Silêncio.

-Depois que a minha mãe morreu, nunca tive coragem de entrar em um hospital. -Ele diz, com a voz rouca pelo choro. 

-Mas você está aqui.

-Eu estou aqui. 

-Por mim. -Ele só faz que sim com a cabeça.

Ele me ama.

Eu amo ele, também.

-Perry? 

-Sim. 

-Vem cá. -Ele desliza o corpo para mais perto na cama. Então eu pego a camiseta dele e puxa ao meu encontro, trazendo seu corpo junto e principalmente sua boca.

Ele não está surpreso.

Ele está até bem preparado.

Acho que foi um tapa na cara o que aconteceu na ponte. Não quero passar mais nem um segundo sem beijá-lo, podendo perder a oportunidade. Nunca se sabe. E eu vou aproveitar a incerteza para realizar algumas coisas boas, começando por beijar Perry. 

Cara, ele beija. O que era de se esperar, devido ao probleminha dele, mas não sabia quão bom ele era.  

Nota: ele é muito bom. Por um segundo quase quero casar com a língua dele, mas falar isso em voz alta ia ser meio esquisito. Mas algo, uma voz, aquela que eu achei que era Deus, diz: finalmente. E eu percebo que a voz era eu. 

Chris pode ter me salvado da ponte, mas a única pessoa que salvou minha vontade de viver, foi eu mesma. 

E aproveitando minha descoberta da voz da razão, eu digo para Perry que eu estou orgulhosa dele, em meio aos beijos, ele sorri. 

-E eu estou feliz que você esteja viva. 

Eu também.


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Notas finais do capítulo

amanhã o ultimo byeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee