People With Problems escrita por MrsHepburn, loliveira


Capítulo 30
Ligação




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Os próximos dias continuam na mesma rotina. Os mesmos exercícios, horas de conversação e nada grande acontece. Isso não me incomoda tanto, como costumava acontecer. Mas só porque a vida no campo não é tão movimentada, não quer dizer que nada mesmo aconteça. São pequenas coisinhas, que agora que não tenho nada pra fazer, tenho tempo para observar. Como por exemplo: O amor de Kristin por comida. Toda hora ela vai até a senhora Kowki e elas conversam sobre receitas, e ela ajuda a preparar comida. Ou o jeito que Rose se porta perto de Chris (cheguei a conclusão de que ela sabe que ele é seu pai, só não diz em voz alta), porque ela sempre olha pra ele antes de fazer alguma coisa, meio que pedindo permissão, e conversa sobre tudo. Descobri que a senhora Kowki tem problema na coluna, porque apesar de não falar, ela vive com a mão nas costas e uma cara feia, e que metade dos remédios que o médico traz terça feira são pra ela e suas dores no corpo ("Pelo menos não são dores emocionais." ela disse, quando toquei no assunto). Notei que o cabelo de Kristin está ficando mais escuro (e ela odeia), e que todo mundo começou a se recuperar do que aconteceu com Danny e Dover, lenta e quietamente, mas está lá. Dá pra ver o progresso. A vida continua pra todo mundo. Liana está mais confiante. Isso não preciso de muita observação pra saber. Ela está linda e confiante, e planeja sua saída daqui logo, para ir para Las Vegas. Ficar bêbada, vai entender.

Descobri que o Perry que eu achava que aquele garoto era, na verdade é completamente diferente. ESSA foi a principal observação que eu consegui fazer. A maior. Perry não é aquele grande, brusco e frio ser humano que eu achei que ele fosse. Nem um mar de rosas, mas quase. Ele é interessante. Bom de se observar. Não que nem nossa silenciosa competição pra ver quem se encara mais (ela ainda continua, embora menos agora que nos falamos mais), mas observar atentamente tudo que ele faz perto das pessoas, e tentar decifrar o que ele está pensando. 

Para registrar, não estou obcecada. Mas se uma pessoa interessante vive na sua frente, você tem a obrigação de analisar. 

Mas melhor do que assistir seus movimentos de longe, é vê-los de perto. Ou perto de mim, por assim dizer.  Porque desde o pequeno momento de afeto dentro daquele barco, Perry mudou. Não, ele não me beijou outra vez. E não, não falamos sobre o que aconteceu, mas tem pequenas coisinhas que tive o prazer de conseguir capturar. 

Perry segura minha mão. Bastante. Quando é necessário (tipo em escaladas, caças ao tesouro, trilhas, ou qualquer exercício físico que meu corpo exija o apoio de outra pessoa pra sobreviver) e quando não é (quando vamos assistir um filme com todo mundo, quando eu estou lendo algum livro que ele me empresta, ou quando estamos conversando). No começo, mais precisamente depois do aniversário de um ano da morte da mãe dele, eu fiquei confusa. Perry agia como se me odiasse não menos que duas semanas atrás, mas agora estava assim. Depois comecei a entender que as coisas estavam mudando, claro. Ele confiou em mim com os assuntos da mãe dele. Eu confiei nele com os assuntos do meu pai. E me peguei pensando no porquê de ele não me beijar, e só segurar minha mão, mas conclui que isso é a única forma que Perry acha correto de mostrar afeto. Pensar que ele era viciado em sexo explica isso. Talvez ele só queira ir devagar com tudo, pra poder respirar calmamente. Não sei o que o "tudo" significa entre nós, mas é um "tudo" bem poderoso, 

Então, ele segura na minha mão. E conversa comigo. E isso torna os dias em que nada demais acontece, dias muito interessantes. Kristin percebeu. 

-O que aconteceu no barco naquele dia? -Ela perguntou, adivinhando tudo. Hesitei um pouco e contei pra ela. Hesitei porque ia parecer meio idiota que um gesto tão pequeno pudesse mudar nosso comportamento, mas era Kristin. E Krstin é minha amiga, e levou numa boa tudo que eu falei, sem achar idiota nem nada. Ela ficou... feliz.

-EU SABIA. -Feliz demais. E a felicidade dela me assustou um pouco. Como se isso tornasse tudo entre mim e Perry mais... concreto, sabe? Foi aí que eu percebi que eu não ligava de Perry só segurar minha mão e não me beijar, porque eu também quero coisas lentas, sem me jogar de cabeça. Prefiro mergulhar lentamente, se possível. 

Pra minha sorte, é.

Então, as coisas continuam nesse ritmo, lento, e eu gosto. 

Agora faltam apenas sete dias para a chegada de Mack. E eu estou super ansiosa, porém menos do que a primeira vez, porque já parece mais natural e familiar ela estar aqui. E também vai ser um último adeus improvisado, já que vou direto para a universidade e para o alojamento, sem parar em casa primeiro. 

Faculdade. 

Sabe onde? 

Nova York. 

Fico arrepiada só de pensar em morar em uma cidade grande, mesmo que perto de casa, sozinha. 

Mas não é um arrepio ruim. É só... meio ruim. Completamente nervoso. Mas bom. Assim espero.

A senhora Kowki aparece no meu quarto, e eu levanto os olhos do livro da Sylvia Plath que eu estou lendo agora.

-Tem alguém no telefone pra você. -Bem suspeito. Beeeem suspeito. Ela sempre diz "sua mãe está no telefone" ou "Mack está no telefone" (meu pai ligou apenas uma vez essa semana, e foi pra pedir a senha da minha conta bancária, mas foi uma conversa amigável e rápida). 

-Quem?

-Uma mulher. -E então, ela sai. E eu sou obrigada a atender o telefone, lá na cozinha. 

-Alô.

-Emerson? -É uma mulher mesmo.

-Sim. Quem é? -Alguém está zoando com a minha cara?

-Meu nome é Kate. 

Já ouvi esse nome antes.

-Kate...?

-Kate, a namorada do seu pai. 

Oh. OH. Choque me impede de falar algo coerente. Por sorte, ela continua. 

-Sou aquela mulher que você, hm, encontrou o seu pai aquele dia. -Espero a raiva vir. Espero aquela onda de ódio que me deixa entorpecida, mas só me sinto triste. Por lembrar do que aconteceu. 

-Lembro de você. 

-Liguei para pedir desculpas. Queria ligar mais cedo. Alguns meses atrás, mas seu pai não achou que era a melhor hora. Então estou ligando agora. 

-Desculpas. -Repito, idiota.

-Sim. Eu sinto muito pelo que você viu. E eu sinto muito por ter sido tão... de repente pra você. Eu queria mesmo que as coisas fossem amigáveis entre nós. 

-Claro. -Não acredito que acabei de dizer isso. Mas a palavra soa verdadeira.

-Claro? Você... concorda? -Respiro fundo.

-Kate. Pra ser honesta com você eu cansei de complicar as coisas. Se você quiser ficar com meu pai, tudo bem. Vou me acostumar.

-Mas eu não quero que você fique desconfortável. 

-Não estou. Vai demorar pra eu me sentir confortável, mas desconfortável não é a palavra certa. Tudo bem. Eu aguento. É a felicidade de vocês em jogo. -Pareço tão... sábia que até me surpreende. Quem diria. 

-Você é uma ótima garota, Emerson. Não importa o que você fez. -Ela diz, quietamente. 

Sinto que vou chorar. 

-Tem alguém que quer falar com você. Aqui, rapidinho. -Então, ela passa o telefone para alguém. E as últimas palavras no telefone são do meu pai dizendo "Eu estou orgulhoso de você".


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