Minha vez de contar a história- Peeta Mellark escrita por Levi42


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Se alguém ainda se interessar...



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Triste, faminto, sem esperança. Distrito onze. Olho para o povo aglomerado à frente do Edifício da Justiça e a tensão predomina no local, provocativa. Sinto meus músculos fremirem.

O silencio é presente de início ao fim enquanto Katniss improvisa seus sentimentos sobre Rue. A imagem de Rue está exposta em uma grande tela junto com a de Thresh. Suas famílias bem a frente delas participando do mesmo olhar melancólico, fitando desgostadamente a varanda do edifício da justiça.

− [...] Mas acima de tudo, eu a vejo na minha irmã, Prim. Desculpe-me, eu não conseguir salvá-la. – ela começa a soluçar – Obrigada por seus filhos. E obrigado a todos pelo pão – conclui ela

Katniss termina de falar.

Um homem velho beija seus três dedos médios da mão esquerda e estende-a para o alto, assoviando as três notas musicais antes cantadas pela Rue. Todos prendem a atenção nele. A singela homenagem atinge a todos de surpresa, ninguém jamais havia declarado tamanho sentimento aos tributos, pelo menos não em rede nacional.

A hesitação presente se desfaz e em poucos segundos a multidão adere aos mesmos movimentos, beijam seus três dedos médios da mão esquerda e os levantam para o alto. Movimentos arriscados, assim como o meu e da Katniss na arena. Como a nossa silenciosa revolta.

Encontro o olhar preocupado de Katniss com a confusão expressa em seus movimentos. Seu corpo está enrubescido, sua pele transparece pálida sobre a pouca maquiagem de Cinna, e poderia jurar que estava prendendo suas lágrimas para si.

Está silencioso. Poderia ser ouvida uma agulha caindo no chão, ou nesse caso uma leve quebra da estática indicando que seu microfone foi cortado, e que agora a fala está nas mãos do prefeito. Agarro o braço de Katniss e gentilmente a puxo para o dentro do edifício da justiça.

− Você está bem? – indago à Katniss

− Só tonta. – responde ela – O sol estava muito forte. − Seu olhar está baixo e seus olhos fitam suas próprias mãos e logo em seguida as minhas, com um ramo de flores brancas que foi nos dado para o discurso. – Esqueci minhas flores. – ela murmura

− Eu vou buscá-las – digo.

− Eu posso. – responde ela.

Sigo Katniss em direção das flores que estão em cima da cadeira na varanda do Edifício de Justiça. E dali de cima pode-se assistir a tudo. Um par de Pacificadores arrastando o velho que assobiou. Forçando-o de joelhos diante a multidão.

E colocando uma bala em sua cabeça.

Um dia antes

Feixes de luz filtrados por uma cortina branca invadem o meu quarto, percorrendo sua luz pelo teto afastando a escuridão. É de manhã.

─ Vila dos vitoriosos. – murmuro morbidamente.

Ainda não me acostumei com o novo lugar, principalmente nas manhãs após uma saraiva de terríveis pesadelos durante a noite.

Incrivelmente, sinto falta das reclamações matinais da minha mãe, do cheiro de pão recém-assado por meu pai, das indagues sobre a Capital de meu irmão mais novo no café da manhã e do som dos porcos serem cuidados logo cedo. Certas coisas só são dadas valor quando são tiradas de nós, porque o remorso é mais forte que a gratidão.

Isso é o que me resta agora, uma casa vazia, silenciosa, rodeada de quadros medonhos com lembrança de dias que ainda me assombra, quadros feitos por mim. Pensei que pintando meus pesadelos eles desapareceriam.

Eu estava errado.

Arrasto-me para fora da cama e encaixo a perna mecânica plastificada que estava encostada a cama. Caminho até o banheiro e me encaro no espelho. Meu rosto está amassado, olheiras marcam-me fielmente, sinais de noites mal dormidas. O que permitiria uma cascata de broncas da minha equipe de preparação. Permito-me uma pequena risada ao lembrar-me deles, da extravagância e futilidade.

Encharco minhas mãos e molho meu rosto. Escovo os meus dentes e logo desço as escadas e caminho até a cozinha, sento na cadeira, e espero. Espero por algo acontecer, talvez meus músculos voltarem ao normal, que as palavras recobrem os sentidos, ou que a loucura finalmente me atinja. Nada acontece.

Talvez hoje eu tenha um bom dia.

Vagarosamente, ponho-me de pé e caminho em direção à porta, destrancando-a. Os raios de sol atingem meu rosto áspero delicadamente, pondo-me a semicerrar os olhos para o céu simplório do Distrito Doze, e assim, arrasto-me em um curto devaneio com muitas cores: vivas, transcendentes, cores aquarelas, cores que compõem do amanhecer ao entardecer, todas se espalhando em minha mente como milhões de estrelas em um céu escuro, escuro como o chocolate amargo. Elas mesclam umas nas outras, impelindo-me a colocá-las em um quadro branco novo. Mas não o faço. Meus quadros não são dignos de tamanha criatividade. Meus quadros se inspiram em morbidez.

Meus quadros se inspiram nos Jogos Vorazes. A minha silenciosa revolta.

No meio tempo, meus devaneios vem se tornando comuns para mim, provavelmente um fuga da realidade atroz que se acentuam com a minha solidão. Pergunto-me muitas vezes por dia o que é a realidade, a saraiva de intensos pesadelos que corrompe a minha sanidade ou a sucessão de atividades tediosas que insisto em chamar de vida. Em muito desejaria que os Jogos fossem realmente um pesadelo, que desfaleceriam de mim ao acordar, assim como a neve se dissipa na chegada da primavera.

Ainda sinto as folhas das árvores tocarem meu rosto ao caminhar pela relva, o lamaçal mesclar com a minha pele na tentativa de me camuflar, ainda vejo os bestantes com suas feições iguais as dos tributos mortos, ouço seus ganidos, sinto o torpor, o medo, a culpa, o mormaço. E ainda sinto o gosto metálico de sangue misturado ao sabor do beijo da Katniss.

Eu sou apenas mais um que sobreviveu.

Poucos segundos depois me desperto e finalmente o torpor desfaz de mim. Movo a minha perna e lentamente encontro o caminho da escada, subo os poucos degraus da escada prestando atenção no som abafado do vento entrando pela porta. Há mais espaço nessa casa do que realmente preciso. Preciso sair.

. . .

Visito a padaria, escolhendo a dedo imediatamente os ingredientes para fazer um pão de centeio. Não gosto de fazer pão em casa, apesar de não faltar ingredientes e utensílios, o silencio abafado que percorre a casa, inquieta a minha mente. O silêncio que antigamente me relaxava, hoje em dia me enlouquece. Mas gosto de vir aqui, papai nunca nega a minha entrada, e apesar de não ser recebido aos beijos e abraços sei que sou sempre bem-vindo. Sinto o cheiro de canela vindo do avental dele, um bom remetente de infância. E é assim que tenho vivido nos últimos tempos, nostálgico demais para fazer algo da vida. Passo quase a manhã inteira ao lado dele fazendo pão de centeio, com a mão impregnada de farinha, açúcar mascavo, manteiga e melaço. Sorrio ao toque de uma velha nostalgia que se escondia entre os panos de uma padaria de tijolos alaranjados.

− A clientela tem sentido falta dos seus bolos decorados – papai diz – os meninos não são tão bons como você. Esboço um sorriso.

− Diga a eles que você foi meu mestre – respondo revirando o rosto com um sorriso disfarçado. ele rindo

− Haverá uma festa – papai prolonga – logo após sua turnê ...

− Nem me lembre – o interrompo

− Estive pensando em fazer os doces e distribuir por ai. Todos estarão em festa

− Conte comigo – respondo disperso

E nossa conversa não se prolonga muito mais que isso. Em meio a assobios, notícias do distrito e o cheiro dominante de canela, o pão fica pronto.

Após a pausada conversa despeço-me de papai. Consigo entendê-lo, senti tanta falta dele quanto sei que ele sentiu a minha. Mesmo que os jogos tenham sido há nove meses os pesadelos conseguem fazer com que pareçam que foram ontem, trazendo à tona toda a sua brutalidade com maestria.

A padaria ainda apresenta milhares de lembranças esbanjadas à mesa da cozinha, lembro-me da primeira vez em que Katniss apareceu no vidro da padaria com sua irmã, admirando os bolos recém decorados. Eram raros os dias em que elas apareciam, assim como é raro um Tordo responder as suas cantorias. No entanto, ainda sinto o enrubescer no meu rosto.

O tordo.

Uma metáfora de revolta. Algo que criado contra a liberdade, provando ser mais do que uma mutação da Capital. Sua música transmite algo especial, muito mais do que uma cópia. Como um chamado.

O Pai de Katniss sabia muito bem disso, e certificava-se de que todos soubessem disso, por mais ardiloso isso parecesse. Uma música, difícil de esquecer, era assobiada. Uma árvore. Uma forca. Eu nunca entendi sua letra, mas talvez os tordos entendessem. Quando ele cantava até os pássaros se calavam.

Ando vagarosamente pela neve, tropicando, com uma pequena sacola na mão. As pessoas me olham como uma celebridade e abrem um sorriso por isso, às vezes até me cumprimentam de longe com as mãos.

É uma sensação ótima essa.

Passeio com vento cortante de inverno que só distrito doze tem, como um fiel companheiro e vagueio o olhar pelas casas de madeira, algumas delas soltando fumaça.

Carvão.

Distrito doze.

Tudo isso parecia um sonho tão distante, quase palpável durante os jogos. E hoje simplesmente não sinto o que deveria sentir, a ideia de uma vida perfeita desfalece pelos meus dedos e a solidão completa o quebra-cabeça mórbido do meu coração.

Abro a porta entreaberta.

− ... Escute, se você queria ser tratado como um bebê era melhor ter pedido ao Peeta! – é a voz da Katniss.

− Pedido o que? – respondo de imediato. Sinto o olhar sereno de Katniss sobre mim enquanto atravesso a sala, desejando a mil um encontro dramático, tão romântico quanto a Capital gostaria. A presença dela recorda meus instintos ao desespero, um desespero não mais amedrontador, mas nostálgico, de tempos em que tudo o que mais queria como também tudo o que mais temia era o seu amor.

Ponho a sacola na mesa despejando o pão fresquinho que havia ali dentro.

– Pedi pra vocês me acordarem, não para me causar uma pneumonia – diz Haymitch, soltando uma faca e tirando a camisa encharcada, se esfregando com a parte seca. Sorrio. Tento entender a cena comediante que acabara de acontecer, mas acabo pegando a minha parte, e atuando ao lado deles. Como tenho feito esses tempos. Eu faço o pão, ela caça e Haymitch bebe.

Agarro a faca e molho na vodca pela metade no copo de Haymitch, enxugando na lateral da minha manga e corto a fatia de pão. Ofereço para Haymitch. Talvez seja meu destino, ou simplesmente imponho um breve dever de cuidá-los, Haymitch por gratidão, sem ele nenhum de nós estaríamos vivos, e se sim somente um de nós dois. Ele atuou bem no seu papel como mentor.

− Quer um pedaço? – me direciono para Katniss

− Não, comi no prego. Mas obrigada mesmo assim – sua voz sai formal, quase contra a vontade. Tenho essa sensação louca de ter de alimentá-la, e protegê-la, mas ela já não é mais aquela menininha magra e desafortunada que conheci e duvido se precisa da minha proteção.

Evito olhá-la nos olhos. Sua presença presenteia-me com lembranças que necessito esquecer. Mas não posso. E temerosamente tento convencer-me de que eu não gostaria de voltar àquela caverna, enfrentar a febre alta, o medo da morte, os calafrios da noite e a fome. Eu estou cansado desse sentimento de querer tanto algo por um momento, de querer ser alguém melhor, e ao mesmo tempo não importar-me com nada na minha vida; vontade de jogar-me na cama e acordar em outra realidade com todos os problemas resolvidos. Mas quem seria eu senão eu mesmo? Uma pessoa completamente diferente, com pensamentos dessemelhantes aos meus.

Eu estou no inverno da minha vida.

−Fique à vontade – digo com indiferença.

Haymitch joga a camisa em algum ponto da bagunça.

– Brrr. Vocês dois precisam fazer um bom aquecimento antes do show.

Ele está certo, o público espera um casal completamente apaixonado, e não sei se seremos capazes disso. De qualquer maneira, não é como se as nossas vidas estivessem dependendo disso.

– Vá tomar um banho, Haymitch. – responde Katniss, seguindo diretamente para a janela pulando pela abertura.

− Ela não sabe o efeito que pode ter – finalmente digo

Haymitch levanta o copo, como para fazer um brinde.

− Que horas começa a turnê? – indaga haymitch

− Daqui a duas horas – respondo desatento

− Acho melhor começar a me arrumar – ele responde, levantando-se da cadeira e seguindo para o banheiro, parando robustamente e voltando para a mesa para agarrar a garrafa de aguardente. Esboço um sorriso assistindo a divina comédia.

. . .

É quase impossível andar sob o chão escorregadio. Sujo de barro, de carvão e neve cinzenta, as rudes palavras e vergonhosas desculpas das pessoas vagueiam com um breve fervor de ódio pelo próprio lugar, pelo próprio destino. O chão é o início de tudo, o durante e o depois. Sempre esteve lá enquanto aprendíamos a andar, e, no entanto tudo o que queríamos era estar nos ares, mergulhando pelo infinito, e depois de assim mesmo o alcançar, como sempre o chão sempre estará lá para segurar as nossas quedas. Uma breve história da humanidade.

As horas que se passaram logo após são insignificantes, conversas paralelas de maquiagens, roupas e a glamorosa vida da Capital. Minha equipe me cerca arrumando o meu cabelo cacheado amarelado, maquiando minha pele pálida, fazendo minhas unhas e hidratando minha pele. Não gosto de me sentir assim, como se não fosse eu mesmo, como se estivessem me transformando em algo que não sou, como um cidadão da Capital. Olho para mim no espelho e é inevitável, eu estou mudando; não sou mais o garoto de um ou dois anos atrás. Desvio o meu olhar e reparo no canto do espelho o reflexo do meu irmão, Cohen.

− Você deve estar vivendo um sonho acordado com toda essa fama e amor – ele inicia com um grande sorriso costumeiro

Levanto-me imediatamente da cadeira.

− Cohen – sussurro de leve

Sua presença no quarto leva-me à tona a velha nostalgia, as velhas notas musicais que passavam na janela de repente ressurgem, as lutas de nível MMA, no tempo em que corríamos, discutíamos, sorríamos, brilhávamos ao céu nublado de sempre, de medo e insatisfação misturadas à massa fria de um pão de receita antiga. As palavras se encurtam com significados esmagadores.

− Quando você vai? – ele indaga

− Em algumas horas – respondo com uma voz tão formal quanto irreconhecível

Ele me encara firme, como se não pudesse perder um pedaço de mim.

− Peeta – ele reinicia –, quando estiver em frente às câmeras – ele pausa – quero que saiba que palavras podem ser tão letais quanto os pacificadores armados.

− Todo mundo pronto, as câmeras estarão aqui em 10 minutos – Portia interrompe. Cohen parece receoso, querendo completar seus conselhos.

Palavras. Em um breve devaneio confirmo o pensamento de Cohen, palavras tem sido a arma mais poderosa do Presidente Snow, suas ameaças, e a confirmação da nação perfeita fazem o medo em resposta, sua tirania discorda de suas doces palavras com animo e quase controladoras. E quase que de repente sei qual meu propósito, assim como a Katniss tem suas flechas, eu tenho minhas palavras.


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