Malchior corria pela mata escura como se não houvesse amanhã. Provavelmente não haveria, não para ele. A névoa clara na altura dos calcanhares tapava a visão do solo irregular da floresta.

Uma noite escura sem lua, o vento frio soltando lufadas que parecem sussurrar aos ouvidos do garoto, as árvores mortas que davam vida à floresta, estava um dia perfeito para morrer.

Malchior não sabia do que estava correndo, mas sabia que não podia parar. O medo já não o sondava como antigamente, ele já havia feito aquilo vezes suficientes para não temer mais a morte.

O jovem, afobado pela corrida, tropeça em uma raiz oculta pela névoa e cai de cara na terra úmida e gelada. Ele escuta o som de galhos se quebrando atrás de si.

Enquanto esperava por seu fim, Malchior escutou uma voz feminina o chamando em meio à escuridão:

–Por que foges, meu querido? Aceite seu destino, não há como fugir dele. Venha até mim. Estou lhe esperando!

Por entre as árvores surge algo. Um lobo branco, com uma delicada estrela desenhada em azul em sua testa. O bonito animal o observa indiferente quase com superioridade. Pouco a pouco, um rosnado começa a se formar por entre seus dentes afiados.

Malchior está sem reação, aturdido por tudo o que estava acontecendo. A fera eriçou seus pelos e pulou na direção do garoto, a sede de sangue a guiando.

Alguns dizem que o mundo astral não existe, talvez não exista mesmo. Talvez o cheiro de sangue e morte, a adrenalina à flor da pele e toda a magia não passem de simples devaneios de loucos e doentes. Quem sabe todas as batalhas e perigos tenham sido em vão, ninguém acredita.

Olhando por esse lado, o menino que está arriscando a vida neste exato momento é um tolo. Ele mata por ninguém, ele morre por ninguém. Sua existência não passa de uma mera história para fazer crianças desobedientes irem dormir.

Cada família se acomoda em suas casas aconchegantes e ignoram o que está em sua frente. Não lhes diz respeito. Por que se preocupar com a segurança de um “João-ninguém” que nada tem a ver com sua vida?

Ah, mas eles vão acreditar. Por bem ou por mal, todos eles vão acreditar.