Entre Janelas escrita por DeiseNeiva


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo





Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/403230/chapter/6

Capítulo 6-

  Ana tentou apressar o passo, ainda faltavam duas quadras para chegar ao escritório.

  Ela trabalhava em uma empresa de decoração de médio porte desde que seu chefe Paulo Garcia, tinha sido contratado e entrado como sócio. Antes disso as coisas eram bem mais tranqüilas. Há dois anos ela era apenas sua secretária em uma salinha no centro da cidade. Agora Ana não era mais secretária, era assistente geral do grande decorador conhecido como “Garcia” e tinha tanto trabalho que precisou de uma assistente até para ela mesma.

  Ana não teve dúvidas na hora de convidar Viviane para trabalhar com ela. A amiga tinha chegado a França há alguns meses para fazer um curso de idiomas. Era perfeita.

  Seu trabalho era, basicamente, resolver os problemas de Marcos, ele sim era o decorador. O chefe escolhia tudo o que ia precisar e o trabalho de Ana era conseguir tudo para ele, e para isso precisava de Viviane que era extremamente organizada e ótima em agendar entregas e consultorias. Eram três brasileiros se ajudando. Mas no final das contas, tudo acabava voltando para sua mesa.

  Virou uma esquina e entrou em um prédio de aparência histórica como muitos de Paris. Quase correu até o elevador, cumprimentando rapidamente alguns colegas de trabalho.

  Apertou o botão do sexto andar e enquanto subia tirou os óculos escuros e os guardou no bolso do casaco. Aproveitou aqueles poucos segundos de tranqüilidade para terminar seu café jogou o copo descartável em uma pequena lixeira em um canto.

  Quando as portas do elevador se abriram, Ana saiu direto em direção a mesa de Viviane que ficava ao lado da porta de sua sala. Ela viu a amiga agitar os braços aflita enquanto segurava o telefone.

Quando se aproximou mais viu Viviane sussurrar.

  -É a madame da cobertura. –falou com uma careta

  Viviane viu a amiga pegar imediatamente o telefone e começar a falar em um francês educado, mas firme. Notava que Ana se esforçava ao máximo para não alterar seu humor com a mulher.

  Ao terminar Ana bateu com força o telefone.

  -Pronto, consegui convencê-la a esperar até quinta-feira.

  -Está atrasada. –Viviane falou, juntando alguns papéis sobre a mesa.

  -Desculpa, Vi. Mas a babá atrasou. – falou desesperada.

  -Você já devia ter trocado essa babá.

  -Foi a única que consegui aqui que fala português. Não tive tempo de ficar procurando. De qualquer forma é só por mais essa semana.

  -ANA MARIA DE ALMEIDA! –uma voz grossa a chamou.

  Ela se virou com um sorriso.

  -É Fonseca de Almeida, Paulo.

    -Não me importa, está atrasada e a próxima vez que bater o telefone na minha cara eu...

  -Vai esperar eu chegar para gritar comigo? –Brincou. – Desculpa, mas eu tenho uma coisa que vai animar o seu dia.

  Ana começou a folhear a revista que carregava e foi saltitando até o chefe.

  -Olha si isso! Olha, olha.

  Ela abriu a revista na parte central e entregou a ele. Ocupando duas páginas havia fotos que mostravam uma belíssima decoração de um apartamento luxuoso.

  -É inacreditável! –Paulo exclamou.

  -Na melhor revista de decoração do país, hem. – a moça falou o cutucando com o cotovelo. –Seu nome está em destaque aí. Aposto que logo vão surgir as entrevistas.

  -Deixe-me ver. Deixa. 

  Viviane correu até eles para olhar:

  -Olha, Ana. É o quarto que você decorou. –ela falou apontando para uma das fotos.

  -Que eu ajudei a decorar. –corrigiu.

  -Não. –Paulo falou. – Você praticamente decorou aquele quarto sozinha. Pode passar a me ajudar mais com isso daqui para frente.

  Ana o olhou, animada:

  -Jura? E que tal um aumento? 

  -Valeu a tentativa. –Paulo falou.

  -Chato.

  Ela o viu lhe mostrar a língua e depois ir apressado para sua sala. Ele tinha que se apressar mesmo tinha que visitar dois escritórios que devia decorar, só naquela tarde.

  Ana caminhou com Viviane até a porta de sua sala e entraram. Não era muito grande, no centro havia uma mesa larga com uma cadeira confortável atrás e duas cadeiras comuns a sua frente. Em um canto havia um sofá de três lugares onde costumava relaxar um pouco (quando tinha tempo) e no outro um armário de madeira. As cortinas já estavam abertas e seu computado ligado.

  A moça retirou o casaco enquanto ia para trás de sua mesa quando reparou em uma pilha de pastas coloridas. Aquilo não era bom sinal.

  -O que é isso? –perguntou pendurando o casaco em sua cadeira.

  -“Isso” é a nova tabela de tecidos e cores do sul. –Viviane falou de uma vez.

 -O que? –Ana começou a mexer nas pesadas pastas. –Mas só esperava isso para semana que vem. Eles me disseram que a nova tabela só ia entrar em vigor no mês que vem.

  -É, mas parece que resolveram adiantar a mudança.

  -Para quando? –perguntou com medo.

  -Semana que vem.

  -Estão loucos? O Paulo vai me matar!

  -Pode apostar que vai. –Viviane concordou.

  -Eu estou atolada de trabalho aqui, não tenho tempo de organizar essa tabela, fazer cópias, distribuir para todo o escritório e atualizar todas as encomendas que já estão feitas para semana que vem. Para o mês que vem já estava bem apertado. Eu não mandei que eles mudassem todo o padrão de tabelas daquela indústria sulista. Devíamos é trocar nossas encomendas para outra empresa, isso sim.

  -Os chefões jamais fariam isso.

  -Então deviam vir aqui, pegar esse monte de pastas e enfiar bem do meio do...

  -Calma, Ana. Escute, eu vou te ajudar com isso.

  Ana deixou-se cair sentada em sua cadeira, desanimada. 

  Viviane continuou:

  -Mas só aqui no escritório não vamos ter tempo. Vamos ter que levar isso para casa.

  -Ainda assim vai ser bem difícil. Você esqueceu que eu tenho uma criança em casa?

  -A Carol já tem oito anos. Nós a entupimos de doces e pizza e colocamos pra assistir desenho animado. Problema resolvido. Que dia ela volta para o Brasil?

  -Quarta-feira. Minha tia vai visitar os avós e aproveita pra deixar Carol com meus pais.

  -Então depois disso ainda teremos o resto da semana para fazer tudo. E nós vamos conseguir, Ana.

  -Deus te ouça, Vi. –falou olhando a amiga. –Tenho algum recado?

  -Tem. –Viviane falou mais aliviada. –Aquele tapete grego chegou.

  -Até que enfim uma notícia boa! –Ana falou erguendo os braços.

  Viviane sorriu e falou:

  -Já pedi para buscarem e levar para o depósito do Paulo.

  -Ótimo, avisa a ele pra mim? –pediu se direcionando ao computador.

  -Já fiz isso. Também aquela mulher das suas flores, a...Sofie, eu acho que é esse o nome, ligou para confirmar sua encomenda.

  -Flores? –Ana perguntou sem desviar os olhos do computador.

  -É, Ana. – Viviane falou devagar. –As flores...Da igreja e do salão...Do seu casamento...

  Ana a olhou, confusa.

  -Ah, sei. Por quê ela ligou para cá? Eu disse que era para lugar para o meu celular. Não vou tratar do meu casamento no meu trabalho.

  -Ela disse que o celular estava sempre ocupado. –a outra falou encolhendo os ombros.

  -Sei. –falou despreocupada. –Depois eu ligo pra ela.

  -O seu Romeu também ligou. –Viviane falou sorrindo.

  -Ah, não! –Ana falou fechando os olhos. –Eu fiquei de ligar pra ele agora de manhã. Esqueci completamente com esse problema com a babá.

  -Ele disse que vem te buscar para almoçar.

  -Essa não. Será que nada hoje vai dar certo? Não vou poder almoçar com o Victor hoje, tenho trabalho demais aqui e estava pensando em começar essa tabela na hora do almoço.

  -Explica para ele. O Victor vai entender, ele também vive cheio de trabalho.

  Ana suspirou. Ela e Victor eram noivos há dois anos e estavam juntos há cinco. Ela o conhecera através da tia que era advogada da família dele. Por coincidência ela e o noivo eram da mesma cidade. A mãe dele e Luiza haviam estudado juntas.

  Eles se conheceram pouco depois da moça chegar ao país, apresentados pela tia de Ana. No início firmaram uma boa amizade, mas se viam pouco. Dois anos depois ele e a família de mudaram para o mesmo bairro de Ana e os tios e a amizade virou namoro para logo casamento, marcado para daqui a quatro meses.

  Victor trabalhava com o pai em uma empresa de marketing e propaganda sediada em Paris. Ele morava lá desde os oito anos de idade.

  -Estou em dívida com o meu noivo, Vi. –Ana falou tristonha.

  -Ah, isso com certeza! –Viviane falou sem conseguir conter o riso.

  Ana a olhou, chocada.

  -Oh mente poluída! Não estou falando disso não.

  -Não? –a amiga falou rindo. – Pensei que de repente...

  -Estou querendo dizer que não tenho tido muito tempo para ele. Primeiro foi a visita da minha irmã, agora o trabalho. Ele não tem culpa.

  -É, mas você sabe que ele entende. O casamento de vocês é daqui a pouco aí ele não vai ter do que reclamar.

  -É, acho que não.

  Elas ouvira o telefone tocar do lado de fora da sala.

  -Tomara que sejam boas noticias. –Ana falou.

  -Também torço por isso. Até mais.

  -Até.

  Ana viu a amiga sair e puxou o celular do bolso do casaco. Olhou desanimada para o aparelho e discou o número do noivo. Aquilo não seria fácil.

  O dia estava passando mais rápido do que o planejado. A manhã foi praticamente uma maratona entre os andares da empresa, indo de sala em sala, de mesa em mesa fazendo contatos e agilizando encomendas.

  Quando finalmente voltou a sua sala já era quase hora do almoço e pode finalmente se virar para a pilha de pastas coloridas sobre a mesa.

  Tomada por um desânimo ligeiramente impacientem, puxou o telefone:

  -Vi, está ocupada? Ótimo, entra então. Vamos começar a organizar essas tabelas.

  Puxando uma folha de papel, Ana começou a rabiscar a seqüência que devia seguir naquela tarefa árdua. Estava tão indignada com a chegada de um trabalho tão grande com um prazo tão pequeno que tinha vontade de pegar aquela pilha de pastas e jogar tudo pela janela.

  Vinte minutos depois Ana e Viviane estavam mergulhadas em tantos papéis, números, amostras de tecidos, cores e brilhos que não havia espaço nem para um lápis sobre a mesa.

  -Não entendi. –disse Viviane segurando algumas folhas com tabelas de cores.

  Ana levantou os olhos de uma pilha de códigos que estava riscando.

  -O que é isso? –Viviane perguntou mostrando as tabelas.

  Ana observou os papéis que a amiga segurava a sua frente e resmungou:

  -São os padrões de veludo.

  -Padrões de veludo? Mas achei que seguiam um único padrão.

  -E seguiam até assinarem um contrato com uma empresa de estofamentos. –a outra respondeu esfregando os olhos. – Isso aqui vai testar demais nossa paciência.

  -Calma. Se nos organizarmos, vamos conseguir.

  Ana já havia voltado para seus códigos quando ouviram batidas na porta. Levantou os olhos a tempo de ver uma cabeça com cabelos castanhos e olhos azuis surgir de trás da porta.

  -Atrapalho? –o homem perguntou.

  -Victor!? –Ana exclamou surpresa. –O...O que você faz aqui?

  O homem sorriu com a surpresa da noiva e entrou na sala. Ele carrega algumas sacolas. Usava um casaco escuro e comprido por cima de trajes finos. Estava claro que acabara de sair do trabalho.

  -Bom. Você me disse no telefone que não iriam almoçar por causa do trabalho, então eu trouxe um lanche. –Victor falou, colocando as sacolas sobre o sofá.

  -Ah, querido. Obrigada. –Ana falou, sorrindo enquanto o noivo contornava a mesa e lhe dava um beijo leve.

  -Viviane, trouxe seu sanduíche de peru. –ele declarou animado.

  -Você está brincando! –Viviane exclamou empolgada. Parecia uma criança que acabara de ganhar uma caixa de bombons.

  -É sério. Está na sacola do meio. Tem um refrigerante também.

  Rapidamente ela saltou de sua cadeira e começou a atacar a sacola. De repente ela parou e olhou para Ana como se suplicasse.

  A amiga riu e respondeu:

  -Tudo bem. Pode ir almoçar. Também estou morrendo de fome. Depois continuamos.

  Ana viu a amiga pegar sua sacola e sair saltitante pela sala.

  -Não vou demorar. Prometo. –falou antes de fechar a porta.

  Ana riu e se levantou, indo até o sofá pegar seu lanche.

  -Desculpe pelo almoço. –pediu enquanto se servia. 

  Vitor se aproximou e puxou uma cadeira para sentar-se em frente a ela.

  -Não tem problema. Na verdade, o almoço era mais para conversarmos sobre um certo assunto.

  Ela parou o sanduíche a meio caminho da boca e o encarou. Ele estava tenso, Ana conseguia sentir. Victor nunca fora muito bom em disfarçar o que sente e ela acabou se tornando especialista em notar isso.

  -O que aconteceu? –perguntou sem rodeios.

  Viu o noivo esfregar as mãos e bater com um pé no chão várias vezes. Aquilo não era bom sinal.

  -Minha mãe me telefonou ontem a noite. –Victor começou a encarando.

  -Que bom! Como ela está? –Ana perguntou, confusa.

  -Ela está ótima. Ela realmente se tornou uma pessoa melhor depois do divórcio.

  -Isso é muito bom. Quero dizer, sei que você sente falta dela, mas se ela está feliz lá no Brasil...- Ana falou segurando as mãos do noivo.

  -É, ela está feliz. Parecia até outra pessoa pelo telefone.

  Ana pôde sentir que o noivo estava se preparando para alguma coisa.

  -Bom, o fato é que...-ele continuou. – Ela diz que sente saudades...

  Ana sorriu.

  -E ela quer nos dar um presente, agora que marcamos o casamento e tudo o mais.

  -Presente? Victor, ela não precisa...

  -Eu disse isso a ela. Mas você conhece a minha mãe, quando cisma com alguma coisa, não há quem ire a idéia da cabeça dela.

  Ela sorriu antes de perguntar:

  -E que idéia é essa?

  -Ela...-ele pigarreou – Ela quer nos dar uma festa de noivado.

  Ana o olhou, confusa.

  -Já tivemos uma festa de noivado. Uma festa ótima, aliás.

  -É, mas não no Brasil. –Victor completou inseguro.

  O homem viu Ana imediatamente soltar suas mãos e se levantar do sofá.

  -Amor, por favor, pense no assunto. Ela quer muito isso. Será uma festa íntima. Não conseguimos juntar nossas famílias na outra, foi mais entre amigos...

  -Nossas famílias já se conhecem muito bem. Sai mãe e meus pais moram na mesma cidade e antes disso eles sempre vinham a Paris. –Ana respondeu séria, fingindo mexer em seus papéis sobre a mesa.

  -Eu sei, mas você não está com saudades dos seus pais? Faz quase um ano que não os vê. Não quer ver de novo sua casa, sua cidade. Você não voltou ao Brasil desde que veio para Paris e isso faz o que, uns seis anos?

  -Sete. –ela respondeu sem olhá-lo.

  -Viu? Sete anos! –Victor falou se levantando também. –Eu nunca entendi esse seu problema em ir ao Brasil. Já te propus isso e você nunca aceitou.

  -Não é um problema.

  -O que é então? –ele perguntou chegando mais perto e segurando suas mãos.

  Como responder a isso, quando nem ela mesmo sabia o que a impedia de aceitar o convite?

  Quando saiu do país estava tão machucada e determinada a não voltar que isso acabou se tornando um tipo de regra que ela devia seguir.

  Ela deixou muita dor para trás. Tinha medo de voltar a encontrá-las. Estava tão segura do jeito que estava agora, para quê mexer em coisas que ficaram no passado? Lembranças que ela tinha certeza que voltariam como um choque em sua cabeça.

  Apesar de tantos anos ela sabia, e sentia que há coisas que simplesmente marcam.

  -Não é nada Victor. –Ana respondeu se afastando. –Você sabe o quanto eu trabalho. Agora mesmo, não dá pra sair daqui.

  -Você está com féria vencidas que eu sei.

  Ela respirou fundo e o olhou sem graça.

  -Victor, eu sinto muito. Olhe, diz pra sua mãe que eu agradeço muito o presente, mas...

  -Não. –ele respondeu com firmeza. –Não responda agora, Ana. Pense um pouco, se acostume com a idéia e depois você me dá sua palavra final.

  -Victor eu não vou mudar de idéia. –respondeu ficando séria.

  -Só pense, está bem. –ele insistiu.

  Ana girou os olhos, impaciente e deu as costas a ele, caminhando até a janela.

  Ela não tinha mais o que pensar. Por mais grosseira que estivesse sendo, ia recusar o presente.

  Sentiu o noivo se aproximar atrás de si e envolvê-la em um abraço carinhoso.

  -Por favor, queria. –ouviu a voz doce dele em seu ouvido.

  -Não. –ela respondeu baixinho, mas firme.

  -Vai ser divertido. Rever sua cidade, seus amigos.

  O flash de um rosto antes muito conhecido surgiu em sua mente e ela fechou os olhos.

  -Não adianta Victor. Não vou ao Brasil.

  Ela sentiu o noivo respirar fundo em seu pescoço e soltá-la devagar.

  -Certo. –Victor falou. –Não vou insistir mais porque sei o quanto isso te irrita.

  Ana se virou para olhá-lo.

  -Mas não vou dar a sua resposta para minha mãe ainda. Vou esperar alguns dias até você pensar melhor no assunto.

  -Victor, eu não vou...

  -Só pense bem, certo? –ele falou começando a abotoar o casaco. –Agora eu preciso ir.

  -Victor, eu já disse que...

  -Alguns dias. –ele a interrompeu. –Depois você me fala.

  -Eu já decidi. Você sabe que...

  Ele a interrompeu novamente, com um beijo de despedida.

  -Vejo você mais tarde. –falou se afastando.

  -Victor isso não vai adiantar.

  Droga! Ela odiava quando ele fazia isso. 

  Ele já estava na porta quando se virou:

  -Até mais. Te amo!

  E jogando-lhe um beijo, saiu.

  

  O dia estava quente e abafado. Pedro rodou vários quarteirões até encontrar uma vaga para o carro, abaixo de uma árvore, bem próximo a um conhecido bar-restaurante.

  Desceu do carro fazendo careta com o reflexo do sol em seus olhos. Quando conseguiu chegar a calçada do outro lado da rua, já via o amigo Vinícius sentado em uma das casuais mesas de madeira postas na calçada, acenando para ele.

  Atravessou a rua devagar até chegar ao amigo que, percebeu, já havia se servido de uma garrafa suada de cerveja e alguns petiscos.

  -Fala, Pedroca. –Vinícius falou cumprimentando o amigo.

  -E aí. –Pedro falou puxando uma cadeira oposta a Vinícius e se sentando. –Cara, só você para me tirar de casa hoje. Você não sabe quanta coisa eu tenho que fazer.

  -Sei. –Vinícius falou, rindo. – O bom filho a casa torna! Minha mãe sempre me dizia isso e eu não acreditava. Agora a prova está bem aqui na minha frente.

  -Verdade. –Pedro respondeu. –Mas vou te falar uma coisa, até que não é tão ruim voltar para casa. Não deu certo, fazer o quê?

  -É assim que se fala. Confesso que estou surpreso. Você está ótimo. Nem parece que acabou de se divorciar.

  Ele riu antes de responder:

  -Tudo tem um lado bom e um ruim. Nesse caso o ruim foi o fato de eu ter sido apressado demais. Ter errado e ter que admitir isso é horrível! O bom é que eu tenho ainda muito tempo para recomeçar.

  Pedro viu Vinicius arregalar os olhos e levar uma mão ao peito.

  -Agora você me deixou emocionado. –brincou. – Vou pedir para você. Ei, Juremar! –chamou o garçom.

  Um homem alto e magro usando um uniforme e segurando um bloquinho de anotações foi até eles, se esquivando entre as mesas.

  -Pode mandar, Vinícius. E aí, Pedro. Beleza? –Juremar cumprimentou.

  -Jóia. –Pedro respondeu.

  -É o seguinte. Traz uma bem gelada pra ele e pode trazer mais uma para mim, também.

  -Pode deixar. –Juremar falou, anotando o pedido. –O que mais?

  -Por mim só isso, obrigado. –Pedro falou.

  O garçom fez que sim e saiu para buscar o pedido.

  -Por enquanto né. Hoje tenho que comemorar. –Vinícius anunciou.

  Pedro o olhou sem entender.

  -Comemorar o quê?

  Ele viu o amigo se debruçar sobre a mesa como se fosse revelar um segredo muito importante.

  -É um menino! –Vinicius contou, com os olhos brilhando.

  Pedro arregalou os olhos e abriu um largo sorriso para o amigo.

  -Jura?

  O outro fez que sim.

  -Cara, parabéns! –Falou apertando forte a mão de Vinicius. –Quando soube?

  -Hoje de manhã. A Érica foi ao médico e ligou para contar.

  -Nossa, que ótimo. E como ela e o bebê estão?

  Nesse momento Juremar trouxe as bebidas e começou a servir Pedro.

  -Estão ótimos. Acabei de vir da casa dela. Levei até um carrinho de brinquedo pro meu filho.

  Pedro não agüentou e riu alto:

  -Carrinho! –exclamou antes de tomar um gole de sua cerveja quando Juremar se afastou. –Mas ele ainda nem nasceu.

  Vinícius encolheu os ombros.

  É meu filho. Fiz questão de ser o primeiro a dar o brinquedo.

  Pedro o observou por alguns instantes, ainda sorrindo da felicidade do amigo. Lembrou-se de quando eram crianças e brincavam juntos. Tinha o mesmo brilho no olhar, o mesmo jeito de quem sente que pode fazer qualquer coisa.

  -Quem diria, hem. –começou. –Lembro do dia que você chegou lá em casa desesperado porque a Érica estava grávida.

  -Nem me lembre. –O outro respondeu se recostando na cadeira. –Foi um susto. Nem namorados nós éramos. Mas sabe, acho que vai dar certo do jeito que está. Eu tenho um carinho grande demais por ela, a respeito e mesmo que nós não estejamos juntos acho que isso vai dar certo sim.

  -Também acho. –o amigo confirmou. – Você não precisa se casar com ela pra ser pai do seu filho. Pra falar a verdade acho que se vocês se casassem não ia dar certo.

  -Penso assim também. –Vinicius confirmou. – É melhor do jeito que está.

  Pedro concordou com a cabeça e ergueu seu copo:

  -Um brinde ao seu filho, então. Que ele chegue com muita saúde e seja feliz.

 Vinicius ergueu o copo, sorrindo e brindaram.

  -Valeu cara.

  Pedro tomou um generoso gole.

  -E aí. Quer ser o padrinho?

  Ele quase se engasgou com a bebida. Tossindo um pouco, olhou para Vinicius que ria.

  -O quê?

  -O padrinho do moleque. Já falei com a Érica sobre isso e ela concordou. Ela convidou minha irmã para madrinha já que são amigas.

  -Você está falando sério? –ele perguntou, assustado.

  -Claro que sim. Você é meu melhor amigo. É responsável e sempre me deu força. E aí, quer?

  Ele piscou algumas vezes antes de responder:

  -Ah, claro. Nossa, obrigado.

  -Eu que agradeço!

  -Mas como a Vi vai fazer, se ela está em Paris?

  -Ela prometeu vir quando o bebê nascer.

  -Ah, sim. –falou.

  Ele ficou observando os carros passarem na rua movimentada enquanto sua mente vagava pela fotografia que havia encontrado algumas horas antes, em seu quarto. A menção do nome de Viviane e o lugar onde estava o fez se lembrar de uma pessoa há muito perdida de suas lembranças.

  -Vinicius. –começou, interrompendo o silêncio. –Você se lembra da Ana?

  -Ana? –o amigo perguntou franzindo a testa. –Qual Ana?

  -Ana Maria. Ela andava muito com a gente quando éramos mais novos. Era nossa amiga, estudou com sua irmã.

  Ele insistiu, vendo o olhar vago do outro.

  -Morava em frente a minha casa...

  -Ah! A Aninha! –Vinicius exclamou. –Claro que lembro dela. A Vi trabalha com ela lá na França.

  -Sério? –perguntou surpreso.

  -Sim, ela ajudou muito a Vi quando ela foi para lá. Não conhecia nada nem ninguém.

  -Eu não sabia disso. Bom, acho que a Ana acabou perdendo contato com todo mundo quando foi embora. –comentou enchendo seu copo.

  -Nem todo mundo. –Vinicius falou e vendo que o amigo não respondeu, continuou. –Mas porquê se lembrou dela assim, do nada?

  -Bom, eu estava mexendo no meu armário hoje e encontrei uma fotografia antiga nossa. Foi tirada pouco antes de ela ir embora.

  -Hum. – o outro respondeu. –Lembro que ela foi embora de repente.

  Pedro desviou o olhar.

  -E me lembro também do motivo...

  -Olha, Vinicius esse assunto já ficou no passado...

  -Certo, está bem. Eu sei. –Vinicius falou na defensiva.

  -Éramos adolescentes idiotas. Não levávamos nada a sério.

  -Você levou um choque quando ela foi embora.

  -É claro, ninguém esperava por aquilo.

  -Você me entendeu.

Pedro respirou fundo, pensativo.

  -Me senti culpado.

  -Nós dois sabemos que não foi o único motivo.

  Pedro fechou os olhos, apertando os lábios. Esse era um assunto delicado do qual não falavam há um bom tempo. Acreditava já estar enterrado.

  Vinicius, é claro, como seu melhor amigo, acompanhara toda a trajetória daquela história. O apoiou quando a garota foi embora, o ajudou a superar e olhar para frente. E não foi fácil, uma vez que se via apaixonado por alguém que o abandonara a sangue frio.

  Ele tentou entrar em contato. Nas primeiras semanas enviou cartas para Ana e chegou até a telefonar para a França na tentativa de conseguir falar com ela. Mas tudo fora em vão. Não recebera nenhuma resposta pelo correio e os telefonemas foram uma perda de tempo, ela nunca estava em casa, ou mandava dizer que não estavam.

  As tentativas de contato continuaram até serem vencidas pela frustração e Pedro finalmente desistir. Se ela não queria falar com ele, pior para ela. Foi como escolhera pensar.

  Era besteira depois de tanto tempo voltar a pensar nisso.

  -Olha Vinicius. Isso já foi, passou. Já faz muito tempo, nós crescemos, mudamos. Agora é passado.

  -Foi você que começou o assunto. – o outro falou na defensiva.

  -Comentei por curiosidade. Nunca mais ouvi falar dela. Quer dizer, os pais dela comentavam comigo às vezes sobre ela, mas já tinha decidido deixar para lá, então...

  -Pense pelo lado bom, as coisas devem ter dado certo para ela lá em Paris, nunca mais voltou.

  -Espero que tenham dado. –Pedro falou com sinceridade.

  -Mesmo? –Vinicius não se conteve.

  -Vinicius, foi ela que foi embora me odiando. E olha que eu tenho motivos para ter raiva, a garota me deu um tapa na cara...

A gargalhada do amigo interrompeu Pedro que o olhou sério.

  -É verdade! –Vinicius falou rindo. –Eu tinha esquecido disso.

  -Não foi nada engraçado.

  -Foi sim. –o outro insistiu –Ai, a Aninha era uma figurinha mesmo.

  -Ela era teimosa, isso sim. Tão cabeça dura...

  -Ela tinha os motivos dela.

  Pedro respirou fundo.

  -Quer saber! Isso já foi, acabou. –falou erguendo seu copo.

  -É, você tem razão. –Vinícius concordou casualmente.

  -O passado fica onde está. E agora eu tenho um futuro inteiro pela frente para começar. E que venham as coisas novas, pois um dia também serão passado e que sejam um bom passado.

  -Um brinde a isso! –o amigo o acompanhou. –É amigo, será que você está mesmo preparado para coisas novas?

  -Pode apostar que sim.

  -Certo. –Vinicius falou se servindo. – Só tome cuidado com as surpresas, elas costumam ser assustadoras. Acredite, eu sei o que estou dizendo.

  Pedro riu.

  -Não se preocupe. Acho que não terei muitas surpresas daqui pra frente. Minha vida vai começar do zero.

  Espero que esteja certo.

  -E estou. –ele confirmou com convicção.

-Cheguei!

  Ana gritou ao abrir a porta de seu apartamento. Em um braço equilibrava uma pilha de pastas pesadas, que a fazia entortar o corpo e no outro algumas sacolas com guloseimas e uma pizza. Atrás da mulher estava Viviane, com mais pastas nos braços.

  Elas entraram e Ana correu em direção a mesa de jantar de madeira lustrosa que ficava em um canto, ao lado da sala. Sobre a mesa, despejou tudo o que carregava, sendo seguida pela amiga.

  -Ana!

  Ela sorriu enquanto sentia um puxão na cintura.

  Ana se virou para a garotinha de sete anos, cabelos castanhos e olhos brilhantes que a abraçava pela cintura. Reparou que a menina já usava roupas de dormir.

  -Oi, minha linda. Assim você me derruba. – falou sorrindo.

  -Você demorou. –Carol reclamou.

  -Eu sei, desculpa.

  Nesse instante uma outra mulher entrava na sala. Era baixa e gordinha, usava um vestido florido e tinha o rosto um pouco sério.

  -Me preocupei. –a mulher, que era bem jovem, falou. –Carol também estava impaciente.

  -Desculpa Glória. É que fiquei cheia de trabalho e depois tive que ir comprar algumas coisas. –Ana se desculpou. – Mas tudo bem, não vou te prender mais, se quiser ir...

  Ela viu Glória sorrir e pegar uma bolsa que estava sobre o sofá.

  -Obrigada, Ana. E olha, desculpa pelo atraso hoje cedo. - ela falou sem jeito.

  -Tudo bem. –a outra respondeu. –Vejo você amanhã?

  -Claro. –Glória afirmou indo até a porta. –Até amanhã.

  -Até. –Ana respondeu vendo-a sair.

  Assim que se voltou novamente para a mesa viu Carol atacando as sacolas.

  -Ei, ei, espera aí mocinha. –falou puxando as compras.

  -Eu estou com fome. – a pequena reclamou. –Já é hora de jantar.

  -Aqui Carolzinha. Tem pizza. –Viviane falou abrindo a caixa de pizza.

  -Eu quero chocolate. –Carol pediu de olho nas sacolas que Ana levava para a cozinha ao entrar por uma porta mais próxima.

  -Antes coma a pizza. –ouviram a voz de Ana vindo da cozinha. –Depois os doces.

  A menina fez bico olhando para Viviane.

  -Não adianta me olhar assim. – a mulher falou, rindo. –Ouviu a sua irmã. Certo, vai ver televisão que eu levo sua pizza. Sua irmã e eu temos que trabalhar muito hoje.

  Ana voltou da cozinha amarrando os cabelos em um coque frouxo e alto, em tempo de ver a irmã correr até a tv e ligar em um canal de desenho animado.

  Três horas depois Ana e Viviane estavam novamente mergulhadas em papéis sobre a mesa de jantar. Cada uma segurando um lápis e separando tabelas.

  -Acho que já vou atualizar as encomendas amanhã. –Ana comentou riscando algumas palavras em suas anotações.

  -Acha que já pode? –Viviane perguntou a olhando.

  -Sim. Pelo menos os estofados...-ela parou de falar ao ouvir o celular tocar ao seu lado. –É o Victor.

  Ana atendeu:

  -Oi, querido. –falou sem tirar os olhos dos papéis. –Não precisa, já comemos pizza...Sei...É, está dando bastante trabalho ainda...Não, tudo bem. A Vi está aqui me ajudando...Está bem...Você também. Um beijo.

  E desligou.

  -Ele se preocupa tanto. –comentou separando folhas.

  -Ele te adora! –viviane completou. –Vão ser um ótimo casal. Por falar nisso, Ana, você retornou a ligação da mulher das flores?

  Ana tirou os olhos dos papéis pela primeira vez. Encarou a amiga, confusa.

  -Como?

  -A mulher das flores do seu casamento, lembra? Ela ligou hoje de manhã.

 Ela apertou os olhos e se recostou na cadeira, cansada.

  -Esqueci completamente. –falou olhando para Viviane. –Mas não teria dado tempo para nada, de qualquer jeito. Depois eu vejo isso.

  Viu a amiga erguer as sobrancelhas e depois desviar o olhar, insegura.

  -Fala. –pediu.

  -Não, nada. –Viviane disfarçou voltando para seus papéis.

  -Até parece. –insistiu. –Te conheço desde o jardim de infância, Vi. Fala.

  Viviane a olhou sem jeito e largou o lápis.

  -Certo. –começou. É que eu só acho que você não tem dado muita atenção às coisas do seu casamento. Só isso.

  Ana a olhou sem entender.

  -Como assim? Por causa das flores?

  -Não são só as flores, Ana. –Viviane respondeu. – Pense comigo, as únicas coisas que você fez até agora foi marcar a data e reservar o local da festa. Nem o seu vestido você escolheu ainda, nem sequer pesquisou. O casamento é em menos de cinco meses.

  Ana coçou a nuca, incomodada.

  -Vi, eu não estou tendo tempo. Olha só pra isso. –falou apontando para a mesa repleta de papéis.

  -Eu sei. Mas porquê você não contrata um desses organizadores de festas? Vai facilitar muito as coisas pra você.

  Ela respirou fundo.

  -É uma boa idéia.

  -Sei que é. –Viviane falou, sorrindo. –Posso pesquisar sobre isso pra você amanhã.

  -Obrigada, Vi. –Sorriu. –Não sei o que seria de mim sem você.

  Ana já ia voltar ao trabalho quando lembrou-se de algo.

  -Ah, já que o assunto é o casamento. Não sabe o que o Victor me contou hoje de manhã.

  -O quê?

  -A mãe dele quer nos dar uma festa de noivado...No Brasil.

  Ela viu a amiga arregalar os olhos.

  -Ah! –Viviane falou surpresa. –Isso é...Inesperado.

  -Impossível é a palavra correta. –Ana corrigiu.

 -Por quê impossível?

  -Ora Vi. Eu não posso simplesmente pegar um avião e ir para o Brasil, de uma hora pra outra.

  Viviane encolheu os ombros e falou?

  -De uma hora pra outra não. Mas você poderia tirar duas ou três semanas de férias. Você está com férias vencidas, não está?

  Ana girou os olhos. Mas será que ninguém estava a favor dela?

  -Vi. Não se trata disso. É só que...Não acho que seja o momento de ir ao Brasil. –enrolou.

  -Momento? É preciso existir um momento? Você nunca mais voltou lá.

  -Exatamente! –Ana aproveitou a brecha. –O que eu vou fazer lá agora?

  -Que tal ver seus pais, sua casa, seus antigos amigos. Eu acho uma boa idéia.

  Ana esfregou os olhos e se surpreendeu ao senti-los arder. Realmente estava muito cansada. E aquele assunto ainda ia lhe dar muita dor de cabeça.

  -Vi. Acho melhor pararmos por hoje. –falou finalmente soltando o lápis.

  -Concordo plenamente.

  Viu a amiga esticar os braços, se alongando.

  -Que tal um lanche antes de ir? – sugeriu enquanto se levantavam, juntando a papelada.

  -Eu aceito. Será que a Carol também quer? –a outra perguntou.

  -Carol!? Ela já dormiu no sofá há muito tempo. 

  Ana respondeu espiando a sala, onde viu a irmã encolhida no sofá sem frente à tv.

  -Vou ter que carregá-la pro quarto. –Falou suspirando.

  Mas Viviane se adiantou indo até a sala, falando:

  -Não, pode deixar que eu a levo.

  Ela se abaixou em frente o sofá e com um pouco de dificuldade pegou a garota nos braços.

  -Nossa, ela está bem pesada. –comentou. 

  -Ela está enorme, isso sim. –Ana completou. –Vou preparar nosso lanche.

  Já estava preparando sanduíches quando a amiga voltou do quarto de hóspedes, onde Carol estava instalada.

  A cozinha do apartamento era confortável e convidativa. Com armários de madeira escura nas paredes, acoplando bem um fogão moderno e uma geladeira do mesmo estilo.

  Sendo assistente de um famoso decorador, sua casa precisava dar o exemplo.

  Viu Viviane se sentar em uma das quatro cadeiras de uma mesinha de aço redonda, no centro do cômodo enquanto pegava dois pratos.

  -Ela acordou? –perguntou colocando sanduíches nos pratos.

  -Não. E olha que eu tropecei em uma boneca que estava no chão.

  Ana sorriu enquanto abria a geladeira e retirava duas garrafinhas de refrigerante.

  -Não tem jeito. Acho que Carol sempre será bagunceira.

  -Ela está adorando ficar aqui com você, não é?

  -É. –falou ainda sorrindo, levando os lanches para a mesa. –Ela já me pediu para morar aqui.

  -Sério? – Viviane perguntou surpresa, começando a comer.

  -Sim. –Ana confirmou e tomou um grande gole de seu refrigerante. –Por mim, aceitaria. Acho bom para ela, sabe, estudar aqui e tudo o mais. Mas não seria justo com os meus pais.

  -Verdade. –Viviane concordou. – Já foi difícil quando você veio pra cá. Eu me lembro bem.

  -E eles ainda tinham a Carol. Agora imagine aquela casa sem nenhuma de nós.

  -Eles poderiam vir morar aqui.

  Ana fez que não enquanto mastigava.

  -Meu pai não deixa aquela cidade por nada nesse mundo.

  -Ana. –Viviane começou, a olhando mais séria. – Eu acho mesmo que seria bom você ir até lá.

  Ana não disse nada. Preferiu ficar encarando a toalha verde de sua mesa. Então ouviu a amiga continuar:

  -Você já saiu de lá há tanto tempo. Eu estou aqui há alguns meses e já estou de viajem marcada assim que o meu sobrinho nascer. Vai ser bom pra você, sem mencionar que vai descansar um pouco de toda essa correria.

  Ana suspirou. Não sentia entusiasmo algum com a idéia de voltar ao Brasil. Alguma coisa dentro dela gritava que aquilo seria um erro, só não sabia qual era: sua mente ou seu coração.

  -Vi, eu não quero ir lá. –desabafou ainda sem olhá-la.

  -Por que? –Viviane perguntou carinhosamente.

  Ela fez uma careta leve antes de responder:

  -Muitas coisas. Fantasmas que ficaram lá e eu não quero encontrar.

  Nem precisou olhar para saber que a amiga não tinha entendido nada.

  -Bom...-ouviu Viviane tentar. –Talvez devesse enfrentar o que quer que tenha deixado lá.

  Não querendo mexer naquele assunto Ana levantou-se subitamente, falando.

  -O que eu deixei lá já não existe mais, Vi.

  Ela foi até um dos armários sobre a pia e os abriu, retirando uma travessa de vidro.

  Viviane pareceu entender a deixa pois tratou logo de mudar de assunto.

  -Certo. Vamos voltar para seu casamento, então. –falou mais animada. –O seu vestido. Ana, eu quero ir com você quando for escolher.

  Ana finalmente a olhou por trás do balcão, onde espalhava um tipo de pasta no fundo da travessa.

  -Pode deixar que eu te aviso quando eu for. -falou com um sorriso leve.

  -Bem, pelo menos eu não vou precisar comprar vestido para a festa.

  Ana lhe deu as costas para abrir a geladeira.

  -Ah é? Porque? –perguntou distraída.

  -Porque eu já tenho. –a ouviu dizer. –O meu amorzinho me deu.

  Riu ao ouvir a maneira que Viviane falava do namorado.

  -E é bonito? –perguntou enquanto mexia em alguns frascos de molhos dentro da geladeira.

  -É lindo. Azul, parecido com o que usei no casamento do Pedro.

  O som de vidro se espatifando encheu a cozinha.

  Ana sentiu molho espirrando em seus pés, mas não deu importância. Seu coração disparava como se tivesse levado um imenso susto.

  -Nossa!- sentiu Viviane se aproximar. –Tudo bem?

  -Tudo. – respondeu tentando demonstrar frustração, se virando para a amiga. –Eu acabei esbarrando nesse frasco. Eu sou um desastre!

  Viviane riu e falou:

  -Eu te ajudo.

  Viu a amiga puxar uma lixeira pequena que estava ao lado do balcão e se abaixar para pegar os cacos de vidro.

  -Mas você estava dizendo. –tentou parecer mais casual possível. –O Pedro se casou?

  Céus, como era difícil dizer o nome do antigo amigo depois de tanto tempo. Era assustador, na verdade, sentir que precisava dizer. Só sabia que precisava saber, queria saber.

  Pegou um pano próximo e se abaixou para ajudar Viviane na limpeza.

  -Casou. A amiga respondeu jogando cacos na lixeira. –Você não sabia?

  Tentou ignorar o olhar surpreso de Viviane quando se levantaram.

  Se afastou, largando o pano sobre a pia.

  Não. –respondeu a olhando.

  -Ah... –ela pareceu desconfortável. –Achei que você soubesse...Seus pais estavam lá, então...

  -Estavam?

  Isso sim era uma surpresa. Porque não lhe disseram nada? Nunca nem ao menos comentaram. Não que fosse importante para ela essa informação, mas...Mas poderiam ao menos ter comentado.

  -É, sua mãe que organizou o jantar de comemoração. Não foi uma festa, sabe. Foi um casamento rápido, só no civil e um jantar para a família e os amigos mais próximos.

  -Com quem ele se casou? –não conseguiu segurar.

  -Uma garota esquisita, modelo sabe.

  “Tinha que ser” Ana pensou.

  -Eu não a conheci muito bem. Estavam sempre grudados um no outro e de repente eu recebi o convite de casamento.

  -Nossa! –Ana falou se debruçando sobre o balcão, em frente a amiga. –Bem, ele sempre foi meio impulsivo.

  Viviane sacudiu a cabeça, confirmando.

  -Quando se casaram?

  Ela tentava a toso custo manter o tom desinteressado na voz, mas parecia cada vez mais difícil.

  Observou Viviane franzir a testa, pensativa, até finalmente responder:

  -Acho que já faz uns três anos.

  -Três anos? –perguntou surpresa.

  -Mais ou menos isso. –Viviane respondeu descontraída.

  Ana ficou em silêncio. Não porque não quisesse dizer nada, mas porque seu cérebro não parecia capaz de assimilar aquela informação tão rapidamente.

  Três anos...Tanta coisa aconteceu em sua vida  nos últimos três anos e ela nem sequer imaginava que Pedro tivesse se casado. Sem que desejasse lhe veio a imagem de Pedro, exatamente como ele costumava ser, usando um terno, em frente a um altar ao lado de uma modelo que parecia não se adequar ao lugar.

  Fechou os olhos com força.

  “Céus, isso não devia me afetar tanto assim. Mas que droga está acontecendo?” Pensou.

  -Ana...Eu, Ana! –ouviu Viviane a chamando.

  -Ham?

  -Acho que você está precisando de uma boa noite de sono, viu.

  Viu a amiga se afastar do balcão, saindo da cozinha e a seguiu.

  -Está na minha hora. –Viviane falou pegando sua bolsa sobre a mesa. –Qualuqe problema já sabe, estou no terceiro andar.

  -Certo. –Ana respondeu meio aérea. –Vi, obrigada por ter me ajudado, não era seu trabalho fazer isso depois do horário.

  -Antes de ser sua secretária sou sua amiga, Ana. Sabe que pode contar comigo sempre, até pra apuros como esse.

  Ana deu um sorrisinho cansado:

  -Obrigada.

  -Boa noite. –a outra falou abrindo a porta.

  -Boa noite, Vi. Até amanhã.

  Ela observou a amiga caminhar até  o elevador em frente antes de fechar a porta.

  Suspirou.

   Cristo, ela precisava mesmo de uma boa noite de sono, pensou enquanto caminhava até o quarto.

  Aquele dia sim tinha sido cheio. Tinham-na afundado em trabalho até o pescoço e para completar recebera um convite no mínimo inesperado da futura sogra.

  Ela não precisava de mais quilo em sua vida cheia.

  Entrou em seu quarto quase se arrastando e ficou feliz ao constatar que Glória já havia fechado sua janela.

  Deixou-se sentar em sua enorme cama sem nem ao menos sentir.

  Aquele convite...O dia não teria sido tão ruim se não tivesse acontecido. Sentia como se o cansaço mental a afetasse mais do que o físico. A verdadeira preocupação a incomodando mais do que as pilhas de pastas deixadas sobre a mesa.

  Enterrou o rosto nas mãos. Ela definitivamente não precisava de mais um problema.

  Se a mãe de seu noivo soubesse o quanto lhe custava voltar ao seu país natal jamais lhe pediria isso.

  Para quê mexer em um formigueiro se está tudo tão bem alinhado.

  É claro que havia todo o lado poético dessa história. Havia seus pais, de quem sentia muitas saudades, sua antiga casa e velhos amigos. E ele...Pedro. O motivo que a fez querer ir embora.

  Mas, casado há três anos?

  Quer dizer, ele seguiu com a vida dele exatamente como ela fizera, como ela desejou que ele fizesse. Haviam se passado sete anos, muitas coisas mudaram, ela mesma reconhecia que havia mudado. Mal se via na garotinha das velhas fotografias.

  Esse pensamento lhe trouxe uma lembrança.

  Levantou-se, dirigindo-se a um charmoso armário de roupas embutido na parede em um canto do quarto. Precisou se esticar o máximo que conseguia para alcançar uma caixa redonda que estava na parte mais alta do armário.

  Puxou a caixa com cuidado, espanando com as mãos o excesso de poeira antes de voltar à cama e finalmente retirar a tampa.

  Muitos papéis estavam guardados ali, um diário antigo e dezenas de cartas que trocava com os amigos nos primeiros anos após sua mudança.

  Mas o que ela procurava estava mais ao fundo, escondida embaixo de todos aqueles envelopes.

  Pegou a fotografia com cuidado, como se ela pudesse se desfazer em suas mãos a qualquer momento.

  “-Uma foto para cada um. Foi um dia muito legal. É pra guardar pra sempre, certo? Como um pacto.” Ouviu sua própria voz dizendo dentro de sua cabeça.

  Ela ainda se lembrava nitidamente de vê-lo sorrir de um jeito carinhoso, comentar qualquer coisa e depois guardar a fotografia na própria carteira.

  Sentiu algo em seu peito apertar. Eram tão felizes...

  -Ana?

  Ana quase gritou de susto! Levou uma mão ao peito, a respiração pesada. Estivera tão distraída que nem reparara que a irmã havia chegado e estava parada, de pé ao lado da cama.

  -Carol!- zangou. –Nunca mais faça isso. Quer me matar?

  Mas a menina já estava subindo na cama para se sentar ao lado da irmã.

  -O quê é isso?  - perguntou apontando para a fotografia que Ana ainda segurava.

  -É só uma foto antiga. – a mulher respondeu encolhendo os ombros.

 Ana via a garotinha se aproximar mais, olhando atentamente para a fotografia.

  -Eu sei quem é. –Carol falou devagar, apertando os olhos.

  -Ham? 

  -É o Tio Pedro?

  A gora sim Ana estava assustada. Aquilo não era possível, era?

  -Tio...?

 -É o Tio Pedro sim! –Carol exclamou puxando a fotografia das mãos da irmã. –É você e o Tio Pedro. Que engraçado!

  -Você conhece o Pedro? –A mulher perguntou espantada.

  -Sempre conheci.

  -Sempre?

  -Cada resposta que recebia era como uma sacudida. O que mais o mundo estava escondendo dela?

  Carol continuou:

  -Ele sempre brinca comigo. Me leva pra passear e quando vai visitar a mãe dele me leva pra passar o dia com eles.

  -Isso é sério, Carol? –perguntou encarando a garotinha enquanto tirava a fotografia de suas mãos.

  Carol fez que sim.

  -Por quê nunca me disse isso?

  -Você nunca me perguntou. –a menina respondeu simplesmente.

  Ana piscou várias vezes.

  Então Pedro continuou se mantendo próximo a Carol mesmo depois de terem terminado a amizade. E aparentemente se manteve próximo a seus pais também, já que fora sua mãe que organizara o tal casamento.

  Ela estreitou os olhos para a irmã:

  Você conhece a esposa do Pedro, Carol?

  A menina fez que sim novamente.

  -E como ela é?

  -É bonita.

  “É claro que é!” Ana pensou com desdém.

  -Mas e o jeito dela? Ela é legal?

  -Eu não sei. –Carol comentou. – Ela nunca fala comigo. Acho que ela não gosta muito de crianças.

  Ana a olhou, confusa, e comentou:

  -Engraçado, Pedro sempre gostou de crianças.

  -O Tio Pedro gosta de mim.

  Ana sorriu.

  -Ele adorava te deseducar quando você ainda era um bebê. Foi ele que te ensinou a mostrar a língua para as pessoas. –agora ela riu.

  -Ele me contou. –Carol falou. – Ele disse que você ficava brava quando ele dizia pra eu fazer.

  A surpresa foi inevitável. Algo dentro dela esquentou e tremeu de uma maneira que foi quase impossível ignorar.

  -Ele...Fala de mim?

  -Ele falou que ia sempre lá em casa e que vocês eram amigos. –a menina falou distraidamente, brincando com um fio solto do seu pijama.

  -E o que mais?

  -Só isso.

  -Só?

  -É, só. –e sorrindo voltou a olhar para a irmã. –Ele sempre leva chocolate pra mim, sabia?

  -Não, não sabia.

  E de repente, como um baque, ela notou que não sabia mais nada sobre a vida do ex amigo.

  -Pelo visto ele continua te deseducando.

  Falou se perdendo em pensamentos.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Mas então, esse capítulo ficou imenso, eu sei, mas não podia ser diferente rsrs. O que vai acontecer daqui pra frente? Não sei rsrs...quer dizer, sei, sei tudo ahushaiushaih mas não vou dizer.
Tadinha da Ana...tá confuuuusa....Esse capítulo teve mais da Ana do que do Pedro pq é ela que tem que tomar a decisão em questão...mas vamos recaptular: Sete anos se passara, ela está noiva e é assistente de um grande decorador, tem seu próprio apartamento e sua vida.
E quanto ao Pedro...ele acabou de se divorciar e está refazendo a vida dele, voltando para a casa dos pais, e olhando para o futuro.
Muita coisa ainda vai acontece rna vida desses dois...um reencontro pelo visto é inevitável e pode estar próximo.
Certo vou parando por aqui antes que eu fale demais...pra vc que acha que já adivinhou tudo o que vai acontecer calminha, vai pisando no freio srsrsrrss há mtas surpresas nessa história.
Um beijão e obrigada pela atenção rsrsrrs. Ahhhhhhh que saudade que eu estava de escrever.
Bjuuuuuuuu e até o cpaítulo 7!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Janelas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.