Gerard ainda passou algumas semanas em observação no hospital. Era necessário devido à grande complexidade da cirurgia. Inexplicavelmente, ele ficava melhor a cada dia e sua recuperação era muito rápida. Felizmente, ele não teve nenhuma outra seqüela a não ser aquela que ele tanto estranhava. Aquela sensação de ter algo a cumprir. O único problema era saber o quê.

Seu novo coração já batia normalmente, respeitava suas limitações, suas emoções e seus desejos. Mas Gerard sentia que algo estava faltando, era como se um pedaço do seu próprio coração estivesse faltando. Uma sensação muito, muito estranha.

- e aí, cara? Como está se sentindo? – era Frank entrando no quarto, escandaloso como sempre.

- cada dia melhor. – ele sorriu. – mas ficarei melhor quando estiver na minha casa.

O que Frank não imaginava era que Gerard ia se levantar da cama e caminhar pelo quarto que nem um maluco.

- o que você ta fazendo??

- andando. – Gerard riu.

- volta pra cama, seu maluco! Você ainda não ta curado.

- claro que estou.

- o que você está procurando??

- as minhas roupas.

- por quê??

- eu vou pra casa, já disse.

- o quê????? Tá maluco, Gerard?? Endoidou de vez?? Não tem nem 1 mês que você trocou de coração! – Frank estava espantado.

- eu já to bem, Frank. Eu juro. Me sinto completamente bem.

- você não pode... vou chamar o Mikey. Ai meu Deus... – Frank saiu do quarto em disparada.

Enquanto isso, Gerard vestia suas roupas que estavam lá desde o dia da cirurgia. “Ainda bem que ninguém lembrou delas aqui...” ele pensou. Vestiu sua calça jeans escura e sua jaqueta por cima da blusa de manga com capuz. As imagens de seu peito cicatrizado o deixavam impressionado. Passou a mão pela cicatriz e respirou fundo. “Eu tenho que fazer isso.”

Abriu a porta com cuidado, olhando para os lados para ver se Frank voltava com toda a trupe. Vendo que aquela era sua chance, Gerard saiu de fininho e se misturou com os outros pacientes e médicos que andavam pelo corredor. Por sorte, o elevador se abriu na mesma hora e ele entrou.

- sorte... destino. – ele disse baixinho, com um sorriso nos lábios.

*****

Longe dali, Lorraine tentava voltar à sua vida normal, mesmo sendo muito difícil. Ela tentou um emprego na biblioteca municipal de New York e conseguiu. Não apenas pela beleza (o entrevistador passou metade do tempo apenas olhando para suas pernas), mas também por seu impressionante currículo. Lorraine já tinha trabalhado em muitos lugares e em todos eles ela tinha ótimas referências. Sempre foi a mais inteligente, mais pontual e mais simpática. Conquistava a amizade de todos com uma grande facilidade. E foi em um desses empregos, na biblioteca do batalhão de polícia de New Jersey onde ela conheceu Richard, um lindo e educado policial que acabou conquistando seu coração.

Agora ele estava morto e ela, sozinha.

- que bom que você resolveu acordar, Lorraine. Já era hora de deixar o passado pra trás. – Jessy dizia ao telefone. – Richard não vai mais voltar.

- eu sei, Jessy. Mas ainda assim...

- pare de pensar nisso pelo menos um pouquinho, ok? Pense mais em você. Ele não gostaria que você ficasse pra sempre desse jeito tão pra baixo. Ele ia gostar de te ver alegre, como sempre foi.

- é, acho que você tem razão. Vou tentar pensar mais em mim daqui pra frente.

- é assim que se fala! Bom, agora preciso desligar. Vou sair com um gato hoje... ai, ai, me deseje sorte que se eu conseguir é com esse que eu caso!

- você já disse isso, Jessyca... muitas vezes. – Lorraine tentou rir, mas a única coisa que saiu foi uma tosse um pouco engasgada.

- hey! Não diga isso... eu só... estou treinando com os caras errados enquanto não acho o certo, ué... Boa noite, querida. Bye.

Jessyca era a irmã mais velha de Lorraine, mas quando o assunto era “homens” ela parecia uma adolescente saída do colegial.

Depois daquela ligação, Lorraine não dormiu. Imagens de Richard que haviam sumido por um tempo voltaram aos seus pensamentos e ela chorou. Chorou muito até sentir suas lágrimas secarem e seus olhos se perderem na escuridão da noite.