O Corvo Negro escrita por V M Gonsalez


Capítulo 9
Capítulo 8 - Cachos Dourados


Notas iniciais do capítulo

Quem será que está conspirando? =w= (tempo recorde de post, eu acho)



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Johnson estava paralisado.

Por alguns milésimos de segundo que pareceram longas horas ele se perguntou como era estar morto. Seu corpo se recusava a se mexer e sua mente se recusava a tomar o controle. Quando o som do disparo finalmente morreu no silêncio frio da sala, ele teve coragem de olhar para trás.

Olhando para trás do sofá, ele notou algumas coisas. A primeira, ele estava vivo. A segunda coisa que notou foi que Peter tinha deixado os óculos escuros caírem e era possível ver seus olhos castanhos, furiosos e tristes. Ele estava chorando. Também estava apontando a arma para algum lugar do outro lado da sala. Johnson seguiu com os olhos a direção da arma. Lá ele notou duas coisas. A primeira foi um telefone caído no chão, com a tela acesa, indicando que uma chamada estava em curso.

A segunda foi o corpo de Fred caído no chão.

– Como você pode seu desgraçado! – berrou Peter, quebrando o silêncio.

Hernesto foi o primeiro a se recuperar do choque e pulou sobre Peter, tentando agarrar a arma de sua mão. Enquanto os dois brigavam e se empurravam, o pequeno chiado da tela parecia inabalado.

– Silêncio! – berrou Raul, olhando fixamente para o telefone

Quase instintivamente, todos pararam inclusive Hernesto e Peter. À medida que o silêncio se acomodava na sala, a voz que vinha do telefone foi ficando mais audível.

– Alô? Querido? Que barulho foi esse? Está tudo bem? Alô? Fred? Tem como você levar a Belly pra escola hoje? Surgiu um pequeno imprevisto no trabalho... Tudo bem?

As indagações da Sra. Duncan continuaram por alguns momentos. O ar da sala parecia ter tirado férias. Aquilo havia sido, de fato, uma coincidência incrível, incrivelmente fatal.

– Isso... Chega a ser insano – balbuciou Paul, em estado de choque

Peter se desvencilhou dos braços de Hernesto e cambaleou até o telefone. Cada vez mais lágrimas brotavam de sua face. Ele olhava desolado para o telefone e para o amigo morto.

– Por que...?

Ele cambaleou até o fundo da sala e se sentou no chão, chorando atrás das mãos. A atenção de todos foi subitamente puxada de volta para a televisão de forma quase hipnótica. Lá, o Corvo ria incontrolavelmente, aparentemente sem motivo.

“Tudo bem, tudo bem, vocês venceram. Eu não tenho nenhum espião ai. Mas vocês ficaram preocupados, admitam” ele fez uma pausa para tomar um pouco de ar e dar algumas últimas risadas. Depois, acrescentou com um tom provocativo “Espero que ninguém tenha feito nenhuma besteira”

Subitamente, a fita acabou.

O silêncio se instalou novamente na sala.

Todos ainda olharam a tela azul, como se alguém fosse pular com uma câmera anunciando que aquele era um novo quadro de um programa de pegadinhas.

Mas ninguém pulou da tela.

– Mas o que... – tentou dizer Raul, mas foi interrompido por outro barulho de bala

O corpo de Peter caiu de lado.

O sangue se misturava às lágrimas, formando um líquido vermelho viscoso. O buraco no alto da sua cabeça estava horrível, além de um pouco queimado. Seus olhos ainda estavam abertos e indicavam profunda tristeza.

– Oh meus Deus, oh meu Deus! – Glalcon levou a mão à boca quando compreendeu o que havia acontecido.

A arma de Peter ainda estava quente com o segundo disparo.

Compreendendo o erro que cometera, Peter havia se matado. Perdera a esposa e matara o melhor amigo, seu espírito estava destruído, ele também já estava morto antes mesmo da bala atravessar sua cabeça

...

O funeral foi pela manhã.

Peter foi enterrado ao lado da esposa e Fred não muito distante. Parentes e amigos estavam espalhados por um bom espaço ao redor dos túmulos. Celly e Belly, a esposa e a filha de Fred, estavam arrasadas. Celly tentava ser forte para não preocupar a filha, mas era um golpe muito duro perder o marido e um amigo ao mesmo tempo.

Johnson observava tudo com um olhar meio distante e vago. O Corvo não o deixava em paz nem mesmo durante o sono. Quando não era acordado por uma das inúmeras mensagens, tinha pesadelos em que o temível assassino era a personagem principal. As mensagens continham desde piadas toscas, a ameaças e brincadeiras. Algumas continham até mesmo piadas sobre os mortos.

Todos os membros restantes da investigação estavam lá, inclusive Paul, que não costumava sair. Eles haviam recebido um alerta de que a sala precisaria ser examinada pela policia e de que todos deveriam se afastar do caso, por hora. Além disso, Raul havia sido afastado permanentemente, pois, como superior, deveria ter recolhido a arma do detetive Peter, para evitar aquela tragédia.

Johnson respirou fundo. Ele observou toda a densa massa de pessoas vestidas de preto, sem reconhecer praticamente nenhum rosto. Sua visão foi atraída até uma jovem, aparentemente da idade de Fred e Peter, loira, com cabelos cacheados e longos. Tinha olhos castanhos profundos e não usava muita maquiagem. Era extremamente bonita, na opinião de Johnson, apesar de não fazer o seu tipo. Ela conversava com um rapaz da mesma idade, que usava um chapéu meio caído, impedindo de ver seu rosto. Ele pareceu a Johnson estranhamente familiar, embora não conseguisse lembrar-se de onde.

– O nome dela é Nataly Mcnell, amiga de infância de Peter e Fred – comentou Raul, notando o olhar de Johnson – O garoto eu não conheço

Johnson sentiu-se sem graça por ter sido notado olhando o que não deveria, então logo mudou de assunto

– Então, como vai ficar o caso? Vamos mesmo encerá-lo?

– Não – respondeu após uma pausa – Nelson se ofereceu para continuar as investigações... Mas receio que não farei mais parte delas

– Por quê? Se não estivermos na Central, eles não podem te impedir

– Eu vi dois de meus companheiros morrerem por ordens minhas, garoto. Ordens tolas, que eu não devia ter dado... Não posso continuar com isso.

Johnson permaneceu em silêncio. Não era o tipo de coisa que deveria ser discutida, apenas aceita, por mais dolorosa que fosse. Raul era como um pai para grande partes dos membros da equipe e perde-lo, juntamente com Fred e Peter, era um golpe muito duro em tão pouco tempo.

– Começaremos na segunda – disse Hernesto, dando um tapa de leve nas costas de Johnson, para acordá-lo do próprio transe.

Aquele foi um belo e ensolarado sábado para aqueles que não tinham nada com aquele caso.

...

Merlim estava encostado no carro, olhando para o vazio a sua frente.

– Parece que vai tudo voltar ao que era antes – comentou ele, quando Johnson se aproximou

– Nada mais vai ser como antes. – respondeu o mais jovem, com o olhar igualmente perdido

– Pelo menos vamos voltar para onde tudo começou. Talvez seja o melhor, afinal.

Johnson não respondeu. Não tinha tanta certeza que realmente seria melhor voltar, ou se seria melhor realmente continuar com tudo aquilo. Chegava até mesmo a ponderar se realmente tinham capacidade de sonhar em prender o Corvo, algum dia.

– Acho que já vou... Tenho algumas coisas para resolver, e tenho que fazer o jantar, esse é o lado ruim de morar sozinho – Johnson concluiu com um sorriso meio morto, uma tentativa inútil de parecer animado

– Ora, se esse é o problema, venha jantar lá em casa hoje

– Eu não sei...

– Vamos, minha mulher comprou um vestido novo, não me faça ficar sozinho com ela... Por favor!

Johnson conseguiu dar uma risada. A primeira risada verdadeira em muito tempo. Por fim acabou concordando coma proposta. A ideia de passar a noite longe de casa e longe da ameaça constante do Corvo lhe aliviou um pouco a mente.

...

Era estranho ver Merlim sem o habitual terno marrom.

Mais estranho ainda era vê-lo de bermuda florida, com uma regata branca colada ao corpo fora de forma. Aquela história dele parecer um urso parecia cada vez mais real. No entanto, ao lado de sua mulher, ele parecia um daqueles ursos-papai dóceis dos desenhos animados. Ela era uma mulher baixinha e gorducha, com cabelos volumosos, negros, mas com fios brancos se destacando. Os olhos castanhos eram tão dóceis que era praticamente impossível se irritar com ela. Estava usando o aparente novo vestido, verde com desenhos de flores.

Johnson vestira uma camisa limpa e calças jeans. Apesar de estar sendo recebido de forma amável pelo senhor e senhora Allow, ele se sentia culpado, pois trazia o celular consigo. Simplesmente não conseguira deixá-lo em casa, quase como se uma força maior do que ele o impelisse a levá-lo.

– Garoto! Chegou na hora certa! O jantar já está quase pronto.

Alguns minutos depois, Manuele, mulher de Merlim, colocou a mesa. O jantar era composto por uma grande variedade de saladas, molhos e um grande frango no centro da mesa. Sem sombra de dúvida, era melhor que a comida congelada que Johnson comeria em sua própria casa.

Depois de todos se servirem, começaram uma conversa animada sobre assuntos comuns, geralmente regidos pelas perguntas de Manuele. Enquanto conversavam, o celular de Johnson apitou, em sinal de mensagem. Ele sentiu a espinha gelar, imaginando de quem seria a mensagem. Com uma olhada rápida, suas suspeitas foram confirmadas, pois a mensagem era do Corvo. Apreensivo, ele abriu a mensagem.

Traz um pouco disso pra mim (~*w*)~

Johnson encarou a mensagem sem acreditar. Ele não conseguia assimilar que o frio e cruel assassino estava pedindo, como uma criança, um pouco de comida. Ele resolveu ignorar a mensagem e continuar o papo. Antes, porém, de conseguir continuar, ele recebeu outra mensagem.

Por favor (*w*)/

Ele ignorou a mensagem novamente, dessa vez com raiva. Merlim o olhava com a sobrancelha erguida, com o garfo parado na metade do caminho até a boca. Antes que ele pudesse inventar uma desculpa para as mensagens, outro bip veio de seu bolso.

Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/ Por favor (*w*)/

Finalmente, Johnson respondeu a mensagem.

Não!

Ele estava irritado. Irritado como um pai se irrita com o filho pequeno. Manuele tinha um sorrisinho incriminador. Ela ia começar a falar quando uma última mensagem foi enviada. Johnson olhou para ver o que era daquela vez.

Seu chato! Não gosto de você (~*¬*)~

Ele imaginou que aquela história estava acabada por enquanto. Por fim ele olhou para o casal a sua frente e falou verdadeiramente envergonhado.

– Me desculpem. Não vai ocorrer mais, eu espero.

Merlim finalmente levou o garfo à boca. Sua mulher não aguentou mais e começou a rir, por fim, disse, com um sorriso malicioso:

– Será que sua namorada está com saudades, ein?

Merlim quase engasgou com a comida, fazendo gestos desesperados para a mulher, tentando indicar que aquele era um tipo de assunto “proibido”, mas ela já havia começado.

– Ora, vamos... Um rapaz jovem e bonito como você deve ter uma namorada. Você devia tê-la trazido aqui, eu ia adorar conhecê-la... Ai, o amor dos jovens, sabe, Ric, não faria mal você ser um pouco mais romântico às vezes...

(Richard)Merlim finalmente venceu o pedaço de frango que desceu pela sua garganta. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, Johnson se levantou da cadeira e disse, em tom sombrio:

– Eu preciso tomar um pouco de ar...

Sem esperar resposta, ele foi até a sacada da casa, que se encontrava aberta, deixando o ar frio da noite entrar. Atrás de si, Merlim e Manuele discutiram brevemente, embora ela não entendesse o motivo da súbita mudança de humor de Johnson.

Merlim foi atrás do companheiro, que estava sentado em uma cadeira, com os olhos mareados, olhando para o mundo do lado de fora.

– O que aconteceu, garoto?

– Eu só não... Gosto de falar sobre isso.

– Garoto – ele se sentou na outra cadeira - você chegou aqui em Chicago a pouco tempo, para trabalhar em uma empresa de investigação particular decadente, vindo de Nova Iorque, com uma aparente promissora carreira policial pela frente. Você sempre se fecha quando o assunto é o seu passado, principalmente o amoroso. Não precisa ser um grande detetive para saber que tem algo errado ai.

Johnson não respondeu. O amigo estava certo, afinal. Aquela história toda estava muito estranha. Ele acreditou que pudesse deixar seu passado para trás, mas seu passado sempre seria sua sombra, sua amarga sombra.

– E além de tudo isso, de uns tempos para cá você ficou simplesmente paranoico. Parece não dormir direito, está sempre nervoso, carrega o celular como se ele fosse uma arma perigosa. Eu não sei se tudo isso está interligado, mas está me deixando preocupado, garoto.

– Eu não posso contar... Você pode acabar morrendo... – Johnson conseguiu dizer, quase inaudível.

– Ora, garoto, prefiro morrer a ver você endoidar de vez. Vamos abra o bico, o que está acontecendo?

Johnson soluçou um pouco. Imaginou se todas aquelas ameaças do Corvo eram verdadeiras, se ele realmente mataria Merlim. Queria acreditar que não, queria acreditar que tudo aquilo era apenas um pesadelo. Mas não era; seu amigo ainda estava ali, e o Corvo ainda estava em algum lugar, esperando. Mas já se tornava insuportável guardar tudo aquilo sozinho. Johnson suspirou e disse, de forma calma e serena.

– Tudo bem, vamos começar do começo. Eu vou contar o que aconteceu em Nova Iorque.


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Notas finais do capítulo

O que aconteceu em NY? Por que Johnson sempre fica tão estranho quando pensa em seu passado? Tudo isso e mais no próximo capítulo de "O Corvo Negro" ; Capítulo 9 - O Passado de Johnson



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