Clasta escrita por Vulpe


Capítulo 1
Out of Place


Notas iniciais do capítulo

Bem, é isso. Na minha opinião a bagaça está uma bagaça, mas quando falei sobre postar concordaram, então aí vai. Culpem meus amigos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/401013/chapter/1

Clasta

Ninguém falava. Ninguém dizia nada. A sala inteira ficava em um silêncio opressivo, sufocante, assustador. A voz do professor fazia eco no pequeno espaço quadrado e os alunos copiavam diligentemente. Ninguém falava, eles só pensavam.

O que diabos eles haviam feito para acabar naquele lugar?

Mas não falavam. Apenas ouviam o professor e escreviam. Apenas ouviam. Só era seguro falar do lado de fora, no sol, quando suas vozes não alcançavam a sala de aula. E mesmo assim, mesmo assim eles temiam...

Não olhavam uma única vez para as janelas. Tinham medo do que poderiam ver.

Ninguém comentava. Era como se até imaginar sobre aquilo fosse torná-lo verdadeiro e inegável, o que era tudo que queriam evitar. Os professores que tinham de dar aula lá temiam. Um chegou a se demitir depois da primeira semana, mas sem justificativa formal, pois a sala dos professores era próxima demais. E se falassem e alguém ouvisse? E suas vozes chegassem até a sala?

Alunos novos não eram um problema. Eles entendiam rapidamente e se juntavam ao silêncio venenoso, dolorido, mórbido. Não comentavam. O pavor era visível nos olhos de todos os vinte e cinco estudantes e bastava um olhar para compartilharem todo o seu medo. Os olhos deles passavam a ser vidrados, arregalados. Com olheiras profundas. Os alunos novos logo se juntavam à massa cinzenta e apavorada de adolescentes que abriam os olhos para não ver.

Em uma manhã quente e ensolarada do começo das férias de verão, todos se juntaram no parque da cidade com um receio palpável. Primeiro ninguém queria falar. Mas depois de alguns minutos uma garota com um pingo mínimo de vida na expressão começou. Alguns se perguntaram quem havia contado a história para ela. Outros tentavam sem sucesso se lembrar de seu nome. Mas a grande maioria apenas ouviu em silêncio.

Não tinha certeza de quando acontecera exatamente. Provavelmente entre os anos de 81 ou 83, talvez no começo de 83. Até aí sala 18 era só uma sala de aula. Do mesmo tamanho que as outras, quem sabe alguns centímetros menor. Completamente ordinária. Só uma sala de aula.

Mas, bem... Eles encontraram algo no chão, um dia. Um pequeno papel com algumas palavras rabiscadas.

‘Eu pertenço a este lugar.

Amassaram o papel e jogaram no lixo. Era apenas um bilhetinho que se extraviara. Para que lhe dar atenção?

Dois dias mais tarde, a primeira pessoa a entrar na sala gritou.

Havia uma garota sentada na carteira na frente da mesa do professor. Ela estava meio caída, como se tivesse adormecido. O menino foi acordá-la, mas quando tocou seu ombro...

Ela caiu para a parede, os olhos mortos bem abertos. O sorriso congelado para sempre nos lábios. Cercada de papéis com diversos números.

Dizem que a parede ficou manchada de vermelho.

O corpo foi identificado no mesmo dia. Era uma garota que havia mudado de colégio e cidade contra sua vontade. O desaparecimento ainda não fora notado. Estranhamente, usava o uniforme que, segundo os pais, havia sido jogado fora há semanas.

A polícia associou o corpo ao bilhete, que tinha sua caligrafia. E pareceu que tudo se resolvera. Suicídio. Não podia ser mais óbvio.

Mas a turma insistiu que aquilo estava errado, que ela nunca se mataria. A autopsia não revelou quase nada novo, apenas um horário aproximado da morte que não ajudava em nada. O sangue já estava seco quando a encontraram. (Então veja, não há como a parede ter sido pintada. É uma história muito vaga.)

Não havia nenhuma pista.

Uma semana depois do incidente, outro papel apareceu.

Se importariam se eu ficasse aqui para sempre?’

Continuava sendo a letra da morta.

Ao contrário do que se suporia, os alunos não se assustaram. Se entristeceram. Quando viva, fora uma garota extremamente silenciosa, mas agradável. Eles gostavam dela. Queriam que o assassino fosse encontrado e pagasse. Queriam o caso resolvido. Queriam vingança.

O caso foi arquivado como suicídio alguns meses depois, e o assassino, se é que chegou a existir, nunca foi identificado. A turma se formou cercada pela melancolia.

No ano seguinte a história fora esquecida. A turma que ocupava aquela classe agora nada lembrava daquele incidente. Por pior que fosse dizer isso, esse tipo de coisa acontecia. Jovens se matavam. E por algum tempo nada aconteceu.

Um dia um papel apareceu na sala de aula.

‘3’

Então algo estranho começou. Pessoas passavam mal na classe, sentiam calafrios, tinham estranhas febres e espasmos inexplicáveis. Crises de choro sem motivo.

Aproximadamente um mês depois ocorreu a primeira morte.

Nada muito chocante. Um escorregão no banheiro, uma batida na cabeça. Instantâneo.

A segunda morte foi três meses depois. Ingestão de veneno de rato. Nunca foi muito bem explicado como ou por quê.

A turma abalada pela perda de dois membros em quatro meses achou outro bilhete.

‘4. Sinto muito.’

No final daquele ano, três pessoas ligadas à sala de aula número 18 morreram. Quatro ficaram feridas devido a acidentes, alguns deles nem aparentavam serem tão acidentais assim.

A situação apenas piorou. No ano seguinte, o primeiro bilhete anunciou 17 e o segundo 2. Dezessete feridos e dois mortos. Não havia mais desculpa no final do segundo bilhete.

No terceiro ano, a sala 18 ficou vazia.

Absolutamente nada aconteceu o ano inteiro. Calma absoluta reinou durante o ano letivo.

No quarto ano a sala foi ocupada novamente. Sete mortos e nove feridos. O diretor concluiu que aquilo não podia ser uma coincidência e mandou a sala ser benzida.

No ano seguinte ele foi um dos quatro que morreu. Dizem que foi porque tentou interferir diretamente com os acontecimentos. Quase ninguém mais pensava no ‘sinto muito’ que às vezes aparecia no canto da página com a mudança de luz, apenas olhavam o número e imaginavam quem faria parte dele até o final do ano.

Foi no sétimo ano, quando pelo segundo ano consecutivo a sala 18 estava desocupada, que os boatos começaram. Boatos de como evitar o que fora apelidado de Clasta, a destruição. Sobre como sobreviver naquela sala maldita sem sofrer nada.

E era uma solução completamente simples se comparada ao problema: nada de falar sobre a Clasta. Não perto da sala, pelo menos. Era permitido falar sobre aquilo em qualquer outro lugar, mas se fosse perto demais... se a ‘sombra’ ouvisse...

A destruição começaria. E não teria como pará-la.

Ou teria?

Outro boato apareceu no segundo semestre. O boato sobre como arrumar tudo se sua voz fosse alta demais.

Tudo havia começado com a garota. Aquela garota que fora encontrada morta e que aparentemente se suicidara. Aquela garota que dissera que pertencia àquele lugar e que perguntou se poderia ficar lá para sempre.

Aquela garota que ainda estava lá.

A sala 18 sempre tivera vinte e cinco alunos. Sempre, desde antes do acontecimento de sete anos atrás. Este era o número máximo de alunos que ela continha, e quando ocupada estava sempre cheia.

Mas depois do evento que amaldiçoara a sala de aula, quando a turma que a ocupava se formava, na formatura só iam vinte e quatro pessoas. Mesmo se descontadas as mortas. O vigésimo quinto estudante sumia como se nunca tivesse estado lá em primeiro lugar. Desaparecia completamente dos registros escolares e das memórias de seus antigos companheiros e professores.

E chegaram à conclusão de que era realmente isso o que acontecia: havia um aluno naquela sala que não existia. E esse aluno só poderia ser a morta de tantos aos atrás.

O truque era encontrá-la. Como um fantasma, podia assumir a forma que quisesse. Uma menina, um menino, até mesmo um professor. Qualquer um. O importante era identificar a morta antes que a Clasta começasse e tirá-la da sala. Expulsá-la da escola. Chutá-la da cidade.

Tirá-la de onde pertencia. Deste modo a destruição cessaria até o ano seguinte.

Ninguém tinha certeza se esses boatos eram verídicos ou não. Todos que conseguiam se formar naquela sala tinham as lembranças daquele tempo enevoadas e confusas. Houveram anos em que a previsão do papel não aconteceu? Sim. A causa com certeza fora seguir o que diziam os boatos? Ninguém se lembrava. O que exatamente queria dizer tirar a morta de onde ela pertencia?

Matá-la, sussurravam, transtornados. E então sacudiam a cabeça e perguntavam ‘anh? O que você disse mesmo?’.

A garota terminou de contar a história quando a luz já estava mais fraca. Todos ali sentiam frio apesar do vento quente e seco que soprava seus cabelos para a frente dos olhos.

Continuaram em silêncio. Já estavam tão acostumados com isso neste ponto.

-Por que é chamada Clasta? Por que destruição? – indagou uma voz de garoto rouca pela falta de uso. A centelha de vida também brilhava em seu olhar.

A que estivera falando até aquele ponto deu algo que parecia um sorriso.

-Eu ouvi dizer que este era o nome da menina de quinze anos atrás.

Ninguém conseguiu pensar em nada para comentar sobre isso. Mas a faísca de esperança nos olhos daqueles dois não se extinguiu.

Só que apesar da esperança, eles sabiam. Sabiam que não seria tão fácil assim. Sabiam que o papel indicando o número seis já havia aparecido.

E mesmo sem ninguém falar sobre aquilo na sala ou mesmo fora dela, todos perceberam. Todos haviam visto pelo canto do olho pelo menos uma vez e haviam ficado com medo de olhar diretamente para confirmar. Ninguém conseguira ser corajoso o suficiente.

Mas todos sentiam. Por mais cético que fosse, qualquer um que entrasse naquela sala sentia. Que havia alguma coisa naquele lugar. Uma presença... uma massa negra e maciça que aparecia quando olhávamos de soslaio e que dava arrepios por todo o seu corpo. Uma sombra. Uma sombra tão triste, mas tão triste e solitária que assustava. Aterrorizava.

Porque todos sabiam que aquela sombra triste matava para tentar diminuir sua solidão, e sabiam que Clasta estava escondida entre eles. Mas ninguém falava. Ninguém dizia absolutamente nada.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por ler até aqui. Se quiser deixar um review, nem que seja para dizer que a bagaça está uma bagaça, eu aceito de bom grado.

~e prometo que um dia posto uma fic completamente feliz e retardada