Crônicas da meia noite. escrita por JeeffLemos


Capítulo 21
Sonhos de Uma Noite de Verão




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Sentindo-se fatigado, arfava ao passo que o pulmão chiava enquanto o ar entrava e saia em lufadas irregulares. Seus pés chafurdavam em uma lama espessa e verde, que grudava ao menor dos movimentos. As pernas atoladas lutavam contra a força de sucção que as atraia para o escuro e desconhecido buraco que se formava ao contato com o solo. As diversas escoriações pelo corpo coçavam imensuravelmente, trazendo um incômodo que seria insano, caso sua situação fosse menos desesperadora. A roupa rasgada denunciava o confronto que tivera durante dois dias seguidos, fugindo de criaturas quadrúpedes e ferozes. As garras sobressaltadas das patas e os caninos afiados e mortais haviam por vezes, causado diversas escoriações. O sangue escorria por horas, a dor era lancinante, mas no dia seguinte, nada mais havia em seu corpo, enquanto outras criaturas tornavam a surgir.

Ele estava sozinho e perdido. Sua cabeça dava voltas se perguntando como tudo acontecera e como havia chegado ali. A loucura começava a se insinuar, lhe dando a impressão cada vez maior de que tudo não passava de um devaneio. Porém, a dor era real. A agonia era real. E principalmente, o medo era real.

O terror se infiltrava em cada canto do seu corpo, atravessando tudo que via em sua frente. Uma enxurrada de pavores e pesadelos. O medo de não voltar, o medo de perder tudo, o medo do que tudo aquilo poderia ser, e ainda pior; o medo de que se aquilo fosse um sonho, talvez ele não conseguisse acordar.

Pensamentos desconexos e alucinógenos passavam pela sua cabeça, enquanto chapinhava a fina camada de água que cobria o pântano. Os grossos galhos atrapalhavam a visão mais adiante, mas após três dias caminhando sem destino, viu um pálido feixe de luz brotar por entre as frestas. O fraco brilho se intensificou conforme ele se aproximava, e o mundo de escuridão em que se encontrava começava a desfarelar, revelando uma profusão de cores à sua frente.

As pedras verdes e escuras deram lugar a um campo de flores de vastidão inimaginável. Seus olhos perscrutavam o horizonte em busca de algo mais, mas somente viam o tapete de arco-íris que se estendia a sua frente. A luz vinda do céu esplendia com seu tom de amarelo vivo, mais forte do que qualquer coisa que ele já vira em toda sua vida. E não era quente, mas sim reconfortante.

Sua cabeça esvaiu-se de pensamentos ruins, dando lugar às boas sensações que ampliavam a apreciação daquela linda imagem, o fazendo esquecer os dias monocromáticos e perigosos que havia enfrentado. O destino ainda parecia incerto e nebuloso, mas naquele momento ele se permitiu esquecer as dúvidas. Queria apenas fechar seus olhos e aproveitar a leve brisa que corria e trazia uma sensação de liberdade.

Abriu os braços e deixou-se cair. O sorriso em seu rosto cresceu de forma explícita, a demostrar a felicidade que se instalava naquele breve período. Queria dormir e esquecer seus problemas. Queria fechar os olhos, e perceber que tudo era apenas imaginação, e a realidade ainda o esperava da forma que sempre fora e sempre seria.

O medicamento está perdendo o efeito – ouviu uma voz em sua cabeça, sussurrando.

Os bons pensamentos foram dilacerados de imediato, colocando-o em um estado de alerta. Não sabia o que a voz havia falado, mas o tom era carregado de terror e o remetia aos seus medos mais primitivos. Sentiu a escuridão do pântano avançando e o sufocando. Formando um círculo em volta de sua cabeça, enevoando mais uma vez seus pensamentos, trazendo os pesadelos e o jogando no abismo da loucura. O céu falhou por um momento, entrando em um estado congelado de estática. Após uns segundos voltou ao normal, com nuvens se formando e fechando o sol, que perdeu seu brilho até se esvair. Uma fumaça verde e tóxica emergiu da lama, serpenteando pelo seu corpo. E ele fez a única coisa que conseguiu pensar naquele momento... correu.

Correu como nunca havia corrido antes. Olhava para trás e via a fumaça aumentando seu ritmo, deixando um rastro de morte por onde passava.

O mundo atrás dele assumiu a escuridão, enquanto à frente o horizonte de nuvens se formava cada vez mais denso. Sentiu como se estivesse apenas adiando o fim. A escuridão que o perseguia iria se juntar com a que se formava em sua frente, esmagando-o em uma massa escura, destruindo o pouco que restava de sua sanidade. O cansaço começava a abatê-lo enquanto perdia o ritmo, sentindo a morte o alcançando a cada passo que não dava. Olhou para trás uma última vez, e viu que seria alcançado. Não viu a pequena elevação que estava à frente e tropeçou. Caiu de cara, enquanto o escuro e a fumaça o condenavam. O último resquício de ar escapou enquanto ele perdia sua sanidade, exprimindo isso com um grito que cortou a atmosfera, e depois morreu.

Traga mais sedativos...

Ele está acordando...

Seus olhos abriram-se lentamente. As palavras estranhas e desconexas pareciam etéreas. Os vultos aglomerados a sua volta movimentavam-se de forma aleatória, com rostos desfocados e corpos deformados. Em sua cabeça, as dores e o terror de um pântano selvagem ainda o entorpeciam. Sentia o corpo esmagado e cansado, sujo por um sonho apavorante. Fedia a medo.

– On... de est.. ou? – as palavras saiam sofridas de sua boca seca.

Ele falou! Tragam o sedativo agora!.

A coisa gritou mais uma vez em sua voz estranha e profunda. As criaturas ao seu redor eram grandes, tinham uma cabeça globular enorme e seus olhos ocupavam toda face. Olhos brilhantes e ao mesmo tempo opacos. Os olhos de um sem alma. Eles tinham corpos robustos e transluzentes, que reluziam como metal, enquanto suas mãos de incontáveis dedos manuseavam objetos estranhos e perigosos.

Percebeu que tinha seus braços atados por fortes tiras de couro. A luz que incidia em seus olhos era tão forte e brilhante, que fazia suas pupilas se contorcerem de dor. Desviou o olhar e viu o que não deveria.

Uma incisão que partia da base da barriga e corria precisa e decidida, até o começo do abdômen, onde era separada em duas linhas que partiam para caminhos opostos, formando um “Y”. A pele fora puxada e seus órgãos estavam expostos. Sentiu uma forte pressão na cabeça e ao longe, ouvi um leve som aumentar, conforme as batidas de seu coração, que era visível saltando de sua caixa torácica. Seu corpo começou a ter espasmos e as criaturas se esforçavam para contê-lo.

Segure ele. – Virou-se para outra besta que se aproximava e falou – Aplique agora!

O vulto se aproximou e injetou algo em seu corpo. A sensação de formigamento se dissipou aos poucos, entorpecendo seus sentidos e o embalando em um sono turbulento e pesado. A última coisa que pode ver foi uma das criaturas arrancando a própria cabeça, exibindo o horrível esqueleto que havia por baixo.


Bateu a cabeça na tampa da câmara e sentiu a dor reverberar pelo resto do corpo. Ainda estava dentro do mesmo lugar, ouvindo o regorjeio que as águas faziam, devido ao brusco modo que levantou. Levantou a tampa e respirou o ar limpo. A casa era mesma, e o lugar era o mesmo. A sensação de realidade ainda o assolava de forma verossímil e horrível demais. Colocou as mãos nas bordas e se levantou devagar, saindo da câmara e pisando no chão. A cabeça ainda doía devido à experiência assustadora, mas o corpo já voltava ao normal, devolvendo-lhe a confiança da realidade.

Tentou se lembrar do sonho que acabara de ter, onde humanos o haviam capturado e feito experiências. Sentiu um calafrio percorrer seu corpo enquanto ligava o disjuntor e acendia a luz.
Uma mancha roxa traçava uma trilha até seus pés. Sentiu o corpo fraquejar e tentou se segurar em vão, caindo de forma brusca.

Os pontos ainda frescos traçavam um caminho em “Y” pelo seu abdômen e tórax, expelindo um grosso líquido roxo. Olhou para aquilo e sua cabeça flutuou, levando seus sentidos para longe. Antes de desmaiar, sentiu medo e incerteza, afinal de contas, quanto tempo ainda restava para o fim?

Não soube responder, mas de uma coisa ele sabia: Os Humanos eram reais.


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