Crônicas Do Olimpo - A Maldição Do Titã escrita por Laís Bohrer


Capítulo 15
Zumbis! Aonde esta a DROGA da Lanchonete?!




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Andamos em silêncio até o limite do ferro-velho, aonde encontramos um reboque tão velho que imaginei que deve ter se jogado fora por si próprio. Mesmo assim, o motor ligou e decidimos que iriamos pega-lo emprestado.

Foi Thalia que o dirigiu, mas ela não parecia tão atordoada quanto Zoë ou a mim, nos éramos as mais arrasadas pelo episódio do ferro-velho. Zoë se sentou na frente com Thalia. Percy, Hansel e eu sentamos no banco de trás.

- Os esqueletos ainda estão lá fora. - lembrou Thalia. - Não podemos mais ficar parados.

Por um lado ela até que tinha razão. Ela navegou pelo deserto, debaixo do céu limpo e azul, a areia tão brilhante que doía olhar. O ar estava frio e seco, mas o clima bom parecia um insulto depois de perdermos Bianca.

Eu olhava perdidamente para o tempo a fora, eu ainda segurava a pequena estatueta que Bianca me dera antes de morrer. Nico saberia. Ó, deuses... o que eu ia dizer ao Nico? Ele ia ficar irado... Eu prometi que cuidaria de Bianca... Mas não se pode lutar contra uma profecia, mas dessa vez, daquela vez eu poderia... Eu...

- Era para ser eu... - eu falei, Hansel e Percy se voltaram para mim. - Eu que tinha que ter ido ao lugar dela, mas ela me impediu... Eu tinha que estar morta.

- Não diga besteiras! - Hansel entrou em pânico.

Percy me olhou como quem entendia exatamente o que eu estava passando. Ele ia dizer alguma coisa quando Hansel o interrompeu.

- Já é ruim o bastante Jake ter ido embora, e agora Bianca. - disse ele fungando. - Acha que eu suportaria se você... Quem mais você acha que seria minha melhor amiga?

- Hansel eu... Sinto muito. - falei.

- É claro que sente! - exclamou ele. - O que eu quero dizer é que...

Coloquei minha mão no seu ombro.

- Você esta bem? - perguntei.

Ele deu uma longa fungada. Ele enxugou os olhos com um pano oleoso que deixou seu rosto sujo, como se tivesse feito pintura de guerra.

- Estou bem. - disse ele.

Mas era obvio que não estava. Desde o encontro no Novo México – o que quer que tenha acontecido quando aquele vento selvagem passou – ele estava mais frágil e emocional. Muito sensível. Eu estava com medo de falar com ele sobre isso, pois ele podia começar a criar caso.

O lado bom de ter um amigo mais descontrolado que você, é que isso faz você lembrar a hora de ficar deprimido, e a minha hora não era agora. Precisava deixar de lado os pensamentos sobre Bianca e nos manter indo em frente, do jeito que Thalia estava fazendo. Imaginei sobre o que ela e Zoë estavam falando na parte da frente do reboque.

Agora, talvez estivéssemos indo na direção da morte... Mais uma vez.

Chegou um momento em que o combustível acabou em na beirada de um desfiladeiro de rio. Isso estava até aceitável, uma vez que a já tínhamos chegado ao fim da estrada.

Thalia saiu e bateu a porta. Imediatamente um dos pneus furou. Ela bufou.

- Perfeito... – suspirou.

Saímos todos do carro atrás dela. Examinei o horizonte. Não havia muito para ver. Deserto em todas as direções, amontoados ocasionais de montanhas áridas apareciam aqui e ali. O desfiladeiro era a única coisa interessante. O rio em si não era muito grande, talvez uns quarenta metros de largura, água esverdeada com poucas corredeiras, mas entalhava uma enorme cicatriz no deserto. Os penhascos rochosos desciam longe abaixo de nós.

- O que faremos agora? – perguntou Percy.

- Podemos descer na trilha. – sugeriu Hansel. – Desceremos até o rio.

Tentei ver sobre o que ele estava falando, e finalmente notei uma minúscula saliência serpenteando ao longo da face do penhasco.

- É uma entrada para bodes. – falei.

- E daí? – ele perguntou.

- Daí que nós não somos bodes.

- A gente pode fazer isso. – insistiu. -... Bem, Eu acho.

Pensei um pouco sobre isso. Eu não tinha problemas com penhascos, mas eles eram sempre desagradáveis. Meu olhar caiu sobre Thalia e ela imediatamente ficou pálida, senti pena, sabia como era ter uma fobia que te impedia de fazer certas coisas... Exemplo, meu medo de sangue excessivo me impedia de lutar as vezes quando este era muito.

- Eu, hã, acho que devemos ir mais longe rio acima. – falei.

Hansel disse:

- Mas...

- Qual é! uma caminhada não vai nos fazer mal. – Percy ajudou.

Olhei de relance para Thalia. Os olhos dela diziam “obrigada” de forma breve. Nós seguimos o rio durante quase um quilômetro antes de chegarmos a um declive mais leve que descia até a água. Na margem havia um serviço de aluguel de canoas que estava fechado para a temporada, mas eu deixei uma pilha de dracmas dourados em cima do balcão e uma nota dizendo “peguei duas canoas.”.

– Devemos subir o rio – Zoë disse. Era a primeira vez que eu a escutava falar desde o ferro-velho, e estava preocupada com como ela parecia mal, como uma pessoa gripada. – As corredeiras são muito velozes, não vai dar certo.

Eu e Percy trocamos olhares cúmplices.

- Deixe isso conosco, Srta. Doce-Amarga. – disse ele me fazendo segui-lo.

Thalia me puxou de lado quando estávamos pegando os remos.

- Você... Hum... Poderia levar Zoë com você? – perguntou. – Acho que talvez você devesse conversar com ela.

- Ela não gosta de mim...

- Ela ficaria pior com Percy por perto. – disse ela.

- Certo. Venceu. – falei, e ela deu um sorriso agradecido.

- Te devo uma.

- Duas.

- Uma e meia. – então ela sorriu para mim e eu retribuo.

- Sabe Thalia, você é legal quando não esta gritando comigo. – falei

Diferente da expressão que eu esperava, ela sorriu mais.

- E você é até legal quando não esta sendo tão cabeça de alga.

- Igualmente, Cabeça de vento.

- O que quer dizer?

Hesitei.

- Pior de tudo, é que eu nem sei.

A Verdade é que ficar sozinha em uma canoa com Zoë era a última coisa que eu queria fazer, mas ela foi. Hansel, Percy e Thalia ficaram com a outra canoa. Percy colocou a canoa na água com a ajuda da própria, ele guiaria uma e eu guiaria a outra. Mas no fim das contas, nem precisamos controlar as correntezas.

Logo que entramos no rio, olhei para a beirada do bote e encontrei um par de náiades me encarando. Elas pareciam garotas adolescentes comuns, do tipo que você encontra no shopping, exceto pelo fato de que estavam embaixo d’água.

- Ah... Ei! – Percy as chamou.

Elas fizeram um som borbulhante que deve ter sido uma risadinha. Ele olhou para mim.

- O que elas disseram?

- Você é filho de Poseidon! – exclamei.

- Você também é!

- Ah... Certo... – voltei-me para as náiades. – Nos estamos subindo o rio, vocês acham que poderiam... Sabem...

Antes que eu pudesse terminar, cada náiade escolheu uma canoa e começou a empurrar rio acima. Nós partimos em uma rapidez tipo... Net.

- Ou! Espera! CALMAA! - Hansel caiu dentro de sua canoa com os cascos balançando no ar.

– Odeio náiades – resmungou Zoë.

Um jato de água esguichou da traseira do bote e atingiu Zöe na cara. Tive que segurar muito para não rir.

- Pestinhas. - Zöe buscou seu arco.

- Epa! – a impedi. – Relaxa, elas estão só brincando.

– Malditos espíritos aquáticos. Eles nunca me perdoaram.

- Perdoar o que? – perguntei.

- Nada, foi há muito tempo. – disse ela guardando o arco de volta.

Nós aceleramos rio acima, os penhascos se elevando de ambos os lados.

- Não... – comecei. – Não se culpe por Bianca, foi culpa minha, eu deveria ter ido ao lugar dela... Mas ela me impediu.

Pensei que isso daria a Zöe uma desculpa para começar a gritar comigo. Pelo menos isso poderia sacudi-la para que parasse de se sentir deprimida.

Em vez disso, seus ombros caíram bruscamente.

- Não, Megan. – disse ela. – Eu a forcei a vir na missão. Eu estava muito ansiosa. Ela era uma poderosa meio-sangue. Tinha um coração gentil. Eu... eu pensei que ela seria a próxima tenente.

- Achei que você fosse a tenente.

Ela suspirou e olhou para a água, perdida em pensamentos.

- Nada dura para sempre Megan, nem mesmo a imortalidade. – disse ela. – Passei dois mil anos nesse posto, e nem minha sabedoria melhorou. Ártemis esta em perigo.

Ela agarrou a alça de sua aljava. Parecia mais cansada do que jamais a tinha visto.

- Mas... Não foi sua culpa...

- Se eu tivesse insistido para ir junto...

- Acha que ela deixaria? Desculpe duvidar de você, Zoë, mas acha mesmo que conseguiria lutar contra algo forte o suficiente para capturar uma deusa? Sendo essa deusa Ártemis?

Ela não me respondeu.  Em vez disso me fez outra pergunta:

- Tu já se decides? – perguntou.

- Hã?

- Se unir a caçada.

- Ah, então... Você sabe. – suspirei.

Por um segundo fiquei perdida, lembrando-me das palavras de Ártemis. Achei que se contasse a Zoë minha possível decisão, ela me julgaria. E tudo o que eu menos precisava naquele instante era de alguém para tentar pressionar minhas escolhas.

- Não é capaz de deixar a companhia dos homens, não é? – ela me perguntou, mas não me parecia provocadora. – Sentiria por Percy.

- Acho que você não entenderia. – falei. – Eu passei praticamente minha vida inteira sem saber que tinha um irmão, e dois anos sabendo que ele poderia ter morrido estar morto e eu... Não sabia quem ele era... Agora que sei não posso simplesmente deixa-lo, preciso pensar muito e achar um bom motivo para fazer isso. – eu não a olhava nos olhos. – Entende? Nem tudo se trata de Jake.

Ela me olhou mais fixamente.

- Quem disse? – ela perguntou.

- Disse o que?

- Quem disse de Jake? – então eu acho que vi um reflexo de um pequeno sorriso maroto em seus lábios.

Suspirei.

- Tá... Talvez se trate de Jake também. – revirei os olhos.

Os penhascos ao longo do rio estavam ficando mais altos. Longas sombras caiam sobre a água, deixando-a muito mais gelada, ainda que o dia estivesse claro. E então... Glub, glub, a Náiade falou em minha mente. A canoa estava desacelerando. Olhei à frente, e vi por quê.

Isto era o mais longe que elas poderiam nos levar. O rio estava bloqueado. Uma represa do tamanho de um campo de futebol estava no nosso caminho.

– Represa Hoover – disse Thalia. – É enorme.

Nós ficamos na beira do rio, olhando acima para uma curva de concreto que se elevava entre os penhascos. Pessoas estavam caminhando ao longo do topo da represa. Elas eram tão pequenas que pareciam pulgas.

As náiades foram embora resmungando muito – não com palavras que eu pudesse entender, mas era óbvio que elas odiavam essa represa bloqueando o seu bonito rio. As nossas canoas flutuou de volta rio abaixo, rodopiando no rescaldo de uma das aberturas de descarga da represa.

Parecia ser um destino cruel que nós tínhamos chegado até a Represa Hoover.

- A gente podia subir lá. – sugeriu Percy. – Comer alguma coisa, estou ficando com fome.

– Sois malucos – Zöe decidiu. – Mas é lá que a estrada está. – Ela apontou para um imenso estacionamento perto do topo da represa. – Então, passeio turístico será.

Eles foram à frente, eu hesitei antes de subir atrás deles. Eu e Percy fomos atrás, até que eu decidi falar.

- Não é porque esta com fome que quer subir isso, não é? – falei e ele me olhou confuso. Mas dessa vez apenas estava se fazendo de lerdo. – Annabeth.

Ele fugiu do meu olhar. Então disse:

– Ela era louca por monumentos.

Ele apontou para o edifício.

– Mais de duzentos metros de altura – disse. – Construída na década de 30. Cinco milhões de acres cúbicos de água. Maior projeto de construção dos Estados Unidos...

 O Encarei estranhamente.

- Ela sempre despejava fatos, era irritante, mas eu queria que ela que tivesse te dito isso. – disse ele.

- Aposto que diria...

Tivemos que andar por quase uma hora antes de acharmos uma passagem que levasse para a estrada. Ela ficava no lado leste do rio. Então nós caminhamos de volta na direção da represa. Estava frio e ventando no topo. De um lado, um grande lago se espalhava rodeado por áridas montanhas do deserto. No outro lado, a represa descia como a mais perigosa rampa de skate do mundo, indo até o rio mais de duzentos metros abaixo, e a água que espumava pelas aberturas da represa.

Thalia andava no meio da estrada, bem longe das beiradas. Hansel continuava farejando o vento e parecendo nervoso. Ele não falou nada, mas eu sabia que ele havia sentindo cheiro de monstros.

Cheguei mais perto dele.

- Quão perto eles estão? – perguntei.

Ele farejou mais o ar.

- Não sei exatamente, eles parecem estar em todo lugar... Não gosto disso. – disse ele.

Eu também não. Já era quarta-feira, apenas dois dias antes do solstício de inverno, e nós tínhamos um longo caminho a percorrer. Não precisávamos de mais nenhum monstro.

– Tem uma lanchonete no centro de visitantes. – disse Thalia.

- Já esteve aqui? – perguntou Percy.

- Uma vez para ver os guardiões. – ela apontou para o fim da represa. Entalhadas na lateral do penhasco havia uma pequena praça e duas grandes estátuas de bronze. Elas meio que se pareciam-se com estatuetas do Oscar aladas.

– Elas foram dedicadas a Zeus quando a represa foi construída – disse Thalia. – Um presente de Atena.

Turistas estavam aglomerados em volta delas. Eles pareciam estar olhando para os pés das estátuas.

- O que eles estão fazendo ali? – perguntei.

- Esfregando os dedos.

Olhei estranhamente para ela.

- Por quê?

- Eles dizem que traz boa sorte.  – disse ela. – Puff, Mortais... Eles não sabem que as estátuas são consagradas para Zeus, mas sabem que há alguma coisa especial sobre elas. Nem a névoa esconderia isso.

– Quando você esteve aqui da última vez, elas falaram com você ou algo assim?

A expressão de Thalia escureceu de repente. Eu podia dizer que ela viera aqui antes esperando exatamente isso – algum tipo de sinal do seu pai. Alguma ligação.

- Não... São apenas estatuas de metal, não fazem absolutamente nada...

Pensei na última grande estátua de metal que havíamos encontrado. Aquilo não tinha ido muito bem. Mas decidi não tocar no assunto.

– Vamos achar logo a droga da lanchonete. – Zoë disse. – Devemos comer enquanto podemos, não tenho boa impressão sobre esse lugar.

Hansel esboçou um sorriso, e Percy começou a rir do nada...

- A droga da lanchonete, é? – repetiu o menino-jegue.

Zoë franziu o cenho.

- Sim, o que há de engraçado?

Hansel parecia tentar manter o rosto sério.

- Nada. – disse. – Mas eu poderia comer umas drogas de batatas fritas.

Thalia riu com essa. Logo entrando na brincadeira.

- E eu preciso usar a droga do banheiro. – riu.

Percy ia cair no chão daqui a pouco de tanto rir.

Zoë olhou para mim.

- Não entendo.

- Acho que você esta querendo uma droga de explicação. – eu ri.

– E... – Thalia tentou tomar fôlego. – Quero comprar uma droga de camiseta.

Rolei de rir, e continuaria gargalhando o dia inteiro, mas escutei um barulho:

- Moooooooo!

Hansel parou.

- Isso foi uma vaca?

- A droga de uma vaca? – perguntou Thalia.

- Não... Uma vaca de verdade. - Ele estava olhando ao redor, confuso.

Zöe escutou.

– Eu não ouço nada.

- Megan? – Percy olhou para mim. – Você esta bem?

- Ah... Sim.  –falei. – Vocês vão à frente, eu os alcanço depois.

- Qual o problema? – perguntou Hansel.

- Nada, eu vou ficar bem. Podem ir. – falei.

Eles hesitaram, mas acho que eu aparentava estar chateada, porque eles finalmente entraram no centro de visitantes sem mim. Assim que eles se foram, corri até o limite norte da represa e olhei em volta.

- Mooooo!

Ela estava no lago, quase dez metros abaixo, mas eu podia vê-la claramente: minha amiga do Estuário de Long Island, a vaca-serpente Bessie.

Olhei ao redor. Havia grupos de crianças correndo ao longo da represa. Vários cidadãos idosos. Algumas famílias. Mas ninguém parecia estar prestando atenção em Bessie ainda.

- Bessie! – chamei. – O que você esta fazendo aqui?

- Moooooo!

- Ah... Certo. – falei. – Desculpe, não falo “Vaquês”.

- Moooooooo! - A voz dela era alarmada, como se estivesse tentando me avisar sobre algo.

- Como chegou até aqui? – perguntei.

Estávamos a milhares de quilômetros de Long Island, centenas de quilômetros no interior. De maneira nenhuma ela poderia ter nadado até aqui. Ainda assim, aqui estava ela.

- Moooooo! – alarmou a vaca-serpente.

Bessie nadou em círculo e bateu sua cabeça contra a lateral da represa.

– Moo!

Ela queria que eu fosse com ela. Estava me dizendo para me apressar.

- Desculpe Bessie... Eu não posso, meus amigos estão aqui. – falei.

Ela olhou para mim, com seus tristes olhos castanhos. Então ela fez mais um ruído de urgência “Mooo!”, deu uma cambalhota e desapareceu dentro d’água.

Eu hesitei. Algo estava errado. Ela estava tentando me dizer isso. Pensei em pular por cima da borda e segui-la, mas então eu fiquei tensa. Olhei abaixo para a estrada da represa em direção ao leste e vi dois homens andando vagarosamente na minha direção. Eles vestiam roupas de camuflagem cinza que tremeluziam por cima de seus corpos esqueléticos. Eles passaram por um grupo de crianças e as empurraram para o lado. Uma criança gritou “Ei!”. Um dos guerreiros se virou com sua face se transformando momentaneamente em uma caveira.

- Ah! – a criança gritou.

Mordi o lábio.

- Isso não é nada bom... – murmurei.

Corri para o centro de visitantes.

Estava quase nas escadas quando escutei pneus cantando. No lado oeste da represa, um furgão preto desviou rapidamente para uma parada no meio da estrada, quase batendo em alguns idosos.

As portas do furgão se abriram e mais guerreiros esqueleto surgiram de dentro deles. Eu estava cercada. Não tinha saída. Desci disparado pelas escadas e através da entrada do museu. O segurança no detector de metais berrou:

- Ei! Menina!

Mas eu nem pensei em hesitar. Corri pelo meio das exibições e me agachei atrás de um grupo de passeio. Procurei pelos meus amigos, mas não conseguia vê-los em lugar nenhum.

ONDE FICAVA A DROGA DA LANCHONETE?!

Certo, eu estava em pânico? É... Acho que sim.

- Pare! - o cara do detector de metais gritou.

Não havia outro lugar para ir a não ser o elevador com o grupo de passeio. Eu me enfiei para dentro assim que a porta se fechou.

Suspirei aliviada.

– Vamos descer mais de duzentos metros – nossa guia turística falou, animada. Ela era uma guarda-florestal, com longo cabelo preto puxado para trás num rabo-de-cavalo e óculos coloridos. Acho que ela não percebeu que eu estava sendo perseguida. – Não se preocupem senhoras e senhores, o elevador dificilmente quebra.

- Isso vai até a droga da lanchonete? – perguntei rapidamente.

Acho que peguei a manha de Zoë. As pessoas ali dentro abafaram o riso. A guia turística me olhou. Alguma coisa no olhar dela fez minha pele formigar. Temi que fosse um monstro, mas não aparentava querer me devorar, ou me matar, ou me rasgar... Acho que já deu para entender.

- Para as turbinas, senhorita. – disse ela. - Você não estava escutando a minha fascinante apresentação lá em cima?

- Eu... – eu ri nervosa. – Claro que estava... Eu estava lá... Só uma pessoa que não estivesse lá não teria escutado... A apresentação.

Jake tinha razão, eu não sei mentir.

- Mas Tem outro jeito de sair da represa? – perguntei.

– É um beco sem saída – um turista atrás de mim disse. – Pelos céus. O único jeito de sair é pelo outro elevador.

As portas se abriram.

– Sigam em frente! – a guia turística nos disse. – Outro guarda-florestal está esperando por vocês no fim do corredor.

Eu não tinha escolha, a não ser ir com o grupo.

- Minha jovem... – a moça me chamou, e eu vire-me para ela.

- Sim?

Ela havia tirado seus óculos. Seus olhos eram surpreendentemente cinzas, como nuvens de tempestade.

Estremeci.

- Você... – não podia ser.

Mesmo assim, não podia dar uma de louca ali.

– Pense antes de qualquer coisa. Existe sempre uma saída para aqueles inteligentes o bastante para encontrá-la. – disse ela.

As portas se fecharam com a guia turística ainda dentro, deixando-me sozinha.

- Atena? – murmurei.

Antes que eu pudesse pensar muito sobre a mulher no elevador, um ding veio do canto. O segundo elevador estava abrindo, e eu escutei um som inconfundível – o tinir de dentes esqueléticos.

- Zumbis do Hades... – praguejei.

Corri até o grupo turístico, por um túnel entalhado na pedra sólida. Parecia continuar para sempre. As paredes eram úmidas, e o ar zunia com eletricidade e o rugido da água. Saí em uma sacada em forma de U que dava vista para esta enorme área de armazéns. Quinze metros abaixo, enormes turbinas estavam ligadas. Era uma sala grande, mas eu não via nenhuma outra saída, a menos que eu quisesse pular dentro das turbinas e ser triturada para gerar eletricidade. E eu não sei por quê... Mas não estou muito afim.

Outro guia turístico estava falando no microfone, contando aos turistas sobre os suprimentos de água em Nevada. Rezei para que Hansel, Percy, Zoë e Thalia estivessem bem... E vivos.

Eles podiam já ter sido capturados, ou estar comendo na lanchonete, completamente ignorantes de que estávamos sendo cercados. E que estupidez a minha: eu havia me aprisionado num buraco centenas de metros abaixo da superfície. Eu sou muito inteligente para encontrar a...

Claro.

Mas meu plano não seria colocado em prática por mim. Não agora. Lembrei-me dos anjos... Então eu os vi, os zumbis atrás de mim.

Fiz meu caminho ao redor da multidão, tentando não parecer óbvia demais. Havia um corredor no outro lado da sacada – talvez um lugar onde pudesse me esconder. Mantive minha mão em Anaklusmos, pronta para atacar.

No momento em que cheguei ao lado oposto da sacada, meus nervos dispararam. Fiquei de costas para o pequeno corredor e observei o túnel pelo qual viera. Então, bem atrás de mim eu escutei um agudo Chhh! Como a voz de um esqueleto.

Sem pensar, destampei Contracorrente e girei, golpeando com minha espada. O Garoto que eu tinha acabado de tentar fatiar ao meio ganiu e deixou cair seu guardanapo.

- Que isso Jovem?! – ele berrou. – Não se pode mais espirrar nesse país?

Ele tinha um sotaque diferente do meu inglês, era algo mais britânico.

- Ah... – eu falei. – Foi mal...

Ele olhou para mim e depois para minha espada, parecia ter apenas um ano amais que eu.

- Poucas são as pessoas que tenta me matar e depois pedem desculpas. – disse ele. – País estranho. Eu sei que estou soando como um velho agora.

Mas eu estava pensando no modo como Anaklusmos passou de modo inofensivo por ele.

- Você é mortal...

- O que quer dizer? Claro que sou mortal. – ele falou de modo despreocupado. Tinha cabelos castanhos e uma franja tipo astro do rock, mas com certeza ele era britânico. – E... Como você passou essa espada pela segurança? Aliás, é bem maneira, mas...

Ele tocou de leve Anaklusmos para afasta-la, eu apontava com ela direto para o seu rosto.

- Espera... então você vê que é uma espada.

Ele juntou as sobrancelhas, então rolou os olhos – que eram verdes como os meus.

- É claro que vi. – disse ele. – Ah não ser que seja o maior palito de dente do mundo. Mas, vejamos... Minha mãe sempre me disse para não tentar fazer amizade com pessoas que tentam me matar, mas eu nunca fui um “bom garoto”... Quem é você?

Olhei para trás, sabia que logo os zumbis me encontrariam. Não tinha tempo a perder. Me virei para o moreno. Então me lembrei do que Thalia fizera no Westover Hall para enganar os professores. Talvez eu pudesse manipular a Névoa. Eu me concentrei bastante e estalei meus dedos.

- Não tem espada, eu não tentei te matar. – falei. – Isso é uma caneta!

Ele piscou.

- Hum... Não, continua sendo uma espada muito irada. – disse ele. – Mas quem é você?

- Quem é você?! – exigi saber.

- Meu nome é Daniel Kane. – disse ele. – Agora quem é você?

- Escute, Denver...

- Daniel.

- Daniel, eu estou meio que com pressa. Estou com problemas. – falei.

- Pressa ou Problemas?

- Eu acho que os dois... – falei.

Ele olhou por cima dos meus ombros e arregalou os olhos.

- Cheguei a tempo para o apocalipse Zumbi?

- O que?

- Entra no banheiro!

- Mas eu não to apertada.

Ele pegou-me pelos ombros e fez eu me virar, lá estavam eles. Os homens-esqueletos.

- Estão atrás de mim.

- Se esconde no banheiro, eu os atraso. – disse ele.

- Mas é o banheiro dos meninos...

- Acha que isso importa agora?

O jeito dele me fez lembrar Jake. Entrei no banheiro. Depois, aquilo me pareceu covarde. Também estou quase certa de ele que salvou minha vida.

Ouvi os sons tirintantes e sibilantes dos esqueletos enquanto eles se aproximavam. Apertei Anaklusmos na mão mais forte ainda. Eu deixei um garoto mortal lá fora para morrer! Estava me preparando para irromper e lutar quando Daniel Kane começou a falar no seu jeito de metralhadora automática.

- Ai! Aonde vocês estavam? Viram aquela nanica passando por aqui com aquela espada?!  Ela tentou me matar! Vocês da segurança deixaram uma espadachim lunática entrar em um monumento nacional? Ela correu na direção daquelas coisas das turbinas. Acho que ela foi pela lateral ou algo assim. Talvez tenha caído.

Os esqueletos tirintaram excitadamente. Eu os escutei indo embora. Daniel Kane abriu a porta.

- Barra limpa. – disse ele. – Mas aconselho que você corra...

Sai do banheiro.

- Obrigada, te devo uma Denver Kane.

- Daniel.

- Eu sei.

Espiei o canto. Três guerreiros esqueleto estavam correndo em direção ao outro extremo da sacada. O caminho para o elevador estava livre por poucos segundos.

- Tenho que ir. – falei.

- Mas o que eram aquelas coisas? Pareciam...

- Zumbis... É algo mais ou menos desse jeito. – falei. – Acho melhor você se esquecer de tudo isso, esqueça que me viu.

- Esquecer de uma garota bonita que tentou me matar...

Eu corei.

- É-é... Tipo isso.

- Posso pelo menos saber o sei nome?

- Megan... – Então os esqueletos se viraram. – Tenho que ir!

- Espere! Que tipo de nome é Megan Tenho-que-ir?!

Eu disparei para a saída.

A lanchonete estava repleta de crianças aproveitando a melhor parte do passeio – o almoço da represa. Um garoto britânico que tentei matar me chamou de bonita, e agora estou sendo perseguida por zumbis... É o dia mais estranho da minha vida.


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Notas finais do capítulo

Garoto oferecido néé´h?!