Eu estava encurralada. Os homens de terno haviam me fechado. Bem, o que de ruim poderia acontecer? A julgar pelas roupas,não eram ladrões. Sequestradores,talvez. Eles me levariam para um lugar qualquer e pediriam resgate para minha tia. Ela nem cogitaria a ideia de pagar, então eles me matariam,e eu iria para um lugar que eu presumo ser melhor do que aqui. Ninguém sentiria falta de mim mesmo.

Eu estava começando a gostar da ideia de ser morta até que pude notar o terno dos dois homens a minha frente se rasgando, dando lugar a uma grande corcunda cinza.Ela ia crescendo,crescendo,até chegar a uns dois metros de altura. A coluna parecia estar prestes a rasgar a pele.Espere,o que é aquilo? Pelos? Eca!

Foi então que voltei minha atenção para o resto do corpo dos homens, que já não eram mais homens.

Recuei, tão assustada que não era capaz nem de gritar. Sem querer olhei para traz e vi que os outros dois homens também haviam abandonado seus ternos e óculos escuros.

Seus corpos eram cobertos de pelo cinza e eu podia jurar que eles tinham uns quatro metros de altura. Mas não eram corpos normais. Eles eram como lobos.

Lobos altos, enormes, que caminhavam, mesmo que curvados,sobre as duas patas traseiras.

Não,eu só podia estar ficando louca. Com toda essa infância traumatizada, não era de se surpreender que eu tinha perdido a total sanidade. Parecia tudo ilusão até que um dos lobos gigantes fungou sobre meu rosto e eu pude sentir seu ar quente e fedorento.

Isso sim foi MUITO real.

Então o lobo da frente atacou. Me agachei e sua pata passou raspando pela minha cabeça. Tentei fugir, mas eles me bloquearam, agora sobre as quatro patas. Foi a vez do outro investir, e ele tentou me abocanhar. Instintivamente, rolei para o lado e o lobo mordeu o ar. Rosnando, os quatro foram indo ao meu encontro, me deixando encurralada na parede. Eles pareciam estar decidindo como me comeriam, frita ou assada, quando eu fiz uma coisa louca.

Peguei um dos meus livros caídos no chão e o arremessei para bem longe, por cima da cabeça dos lobos gigantes. Acho que eles eram bem burros, pois olharam para ver do que se tratava e foi aí que eu tive minha deixa para escapar.

Correndo o mais rápido que minhas pernas podiam aguentar, passei tinindo por baixo das pernas de um dos lobos. Logo eles perceberam o que estava acontecendo e vieram furiosamente atrás de mim. Eu não podia parar, não podia.

-Mais rápido...- implorei para meu corpo. Eles podiam ser burros mas eram muito rápidos. E estavam em bando. E tinham quatro patas. E eram enormes. E queriam me devorar.

Rezei para que alguém me visse. Assim ligariam para o zoológico e o que quer que fosse para virem capturar esses lobos malvados, mas a cidade parecia estranhamente vazia.  Uma ou outra pessoa passava pela calçada, me olhava e depois desviava o olhar, como se ver uma garota adolescente ser perseguida por quatro lobos imensos fosse a coisa mais comum do mundo.

Então eu vi uma floresta. Lá deve ser um bom lugar para se esconder, então forcei minhas pernas e irem mais rápido. Senti a garra de um dos lobos raspando atrás de mim. Ele não me atingira mas o capuz do meu casaco foi brutalmente arrancado. “Eu sei que nunca tive muita fé em Deus” pensei, apelando “ Mas por favor, por favor, eu preciso de ajuda agora.”

A floresta se aproximava e eu já não estava me aguentando. Estava,inclusiva,surpresa comigo mesma. Eu não tinha condicionamento físico para correr dessa maneira. Era magra e pálida como um esqueleto, sempre matava as aulas de educação física e nunca conseguia correr por muito tempo. Vai ver era o pânico do momento.

Então entrei na floresta. Lá estava escuro e frio. Precisava parar, precisava descansar. Eu estava prestes a desmaiar. Corri para frente mais um pouco e então fiz uma curva brusca. Como era de se esperar,os lobos precisaram pensar por um segundo antes de virarem e me seguirem. Isso me deu tempo. Me escondi atrás de uma árvore de tronco grosso e sentei-me na raiz. Minha respiração estava pesada e apesar do ar frio da floresta, eu estava suando. O sangue latejava em meus ouvidos e senti minha visão ficando embaçada. Foi estão que eu ouvi um uivo. Os lobos estavam bem atrás de mim. Se eu ficasse escondida atrás da árvore,eles me achariam e me comeriam de jantar. Eu precisava correr.

Então eu corri.Eles me perceberam e foram em disparada atrás de mim, olhei para trás para ver o quão perto eles estavam de me alcançar quando uma escuridão pavorosa tomou conta de mim e de todo o local. Mergulhei em o que parecia ser um abismo sem fim,em uma velocidade assustadora. Os lobos não estavam mais lá e a única coisa que eu podia sentir era pavor, pânico. Vi coisas na escuridão que não gostaria de repetir.

Foi aí que, bruscamente, eu me vi de pé em um lugar completamente diferente. Mas a pressão foi tanta que eu cai deitada como um bebê e desmaiei ali mesmo.