Capítulo IX
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Edmundo's POV
Os corredores de Cair Paravel, tão acolhedores e iluminados durante o dia, pareciam frios e estranhos naquela noite enquanto meus passos solitários ecoavam na penumbra.
Eu não conseguia dormir de jeito algum, dúvidas e devaneios sondavam minha mente, me impedindo de ter uma noite tranquila de sono.Por que tudo aquilo estava acontecendo? Eu já havia perdido muitas noites como essa, insone, por não conseguir compreender o por que da decisão de Aslam, a decisão de que não voltaríamos à Nárnia.Quantas vezes eu havia me questionado sobre isso? Por quanto tempo Lúcia e eu sofremos por não podermos mais voltar para nosso Reino? Muitas, incontáveis vezes.
Então por que agora, quando de algum modo, estávamos ali outra vez, eu não me sentia totalmente satisfeito? Eu não sabia a resposta.
As coisas estavam extremamente confusas.Se estávamos ali, não era por uma coisa boa.Por que Aslam voltaria atrás em sua decisão se não estivesse acontecendo uma coisa realmente alarmante? Eu temia.Temia por não saber o que viria a seguir.
De repente o som de uma porta batendo ecoou e me tirou de meus devaneios.Me virei no corredor e vi a porta que dava para o pomar aberta, mas a corrente de vento fazia com que ela batesse ininterruptamente no batente.
Segui até a porta para fechá-la, já que não havia nenhum guarda por perto.Quando estava prestes a fechar, uma luz embaixo de uma das macieiras me chamou a atenção.Olhei ao redor, não havia ninguém por perto.Passei pela porta e fechei-a atrás de mim.Adentrei o pomar com passos cautelosos para não assustar quem quer que estivesse ali em plena madrugada.Depois de avançar alguns metros, consegui distinguir melhor.
Uma silhueta delicada encontrava-se recostada numa das árvores, com uma lanterna acesa amarrada de improviso num galho acima de sua cabeça e um livro no colo.Seu rosto de repente se virou para cima e arregalou os olhos quando me viu.
–Quem está aí?-Perguntou autoritária a voz que reconheci de imediato.
–Rainha Heloíse?-Perguntei deixando transparecer minha surpresa.-O que faz aqui?
Ela se levantou e encurtou a distância entre nós dois com alguns passos me encarando com os olhos semiserrados.
–Ah, Rei Edmundo, é você.-Ela disse depois de uma breve análise, sua expressão se suavizou.E depois com um olhar reprovador ela completou.-E por favor, eu já disse, me chame de Izzie.
–Tudo bem.Izzie.-Eu disse com um leve sorriso.-Se é assim, me chame de Edmundo.Só Edmundo.
–Claro, "só Edmundo"!-Ela disse num tom brincalhão.
A olhei em seus olhos castanhos claros e por um breve momento, ela sustentou meu olhar, depois desviou os olhos e encarou o chão.
Ficamos um momento assim, ela olhando para o chão, eu olhando o pomar por cima de sua cabeça.Eu não sei por que ela fazia isso comigo.Eu me achava um idiota, perder a fala só por causa de seu olhar.O que havia de errado comigo? Eu só conhecia ela há algumas horas e já estava assim? Tudo bem, não podia negar que eu havia a achado muito bonita, mas mesmo assim...
–E então...Se não fizer mal perguntar... O que faz aqui às duas da manhã?-Ela quebrou o silêncio com a pergunta.
–Não consegui dormir, então decidi andar por aí, pensar um pouco.-Conclui depois de uma breve pausa.-E o que você faz aqui?
Ela se afastou um pouco e caminhou até a macieira onde estava há alguns minutos atrás.Ela escorregou pelo tronco e se sentou na grama, o rosto sendo iluminado pela lanterna no galho acima de sua cabeça.Percebi que ela sustentava um ar cansado.
–Minha cabeça anda muito...cheia.As coisas andam meio confusas para mim também.Sempre gostei de vir ao pomar para pensar, é um lugar...especial.-Ela concluiu com um sorriso cansado.
Caminhei com as mãos nos bolsos até o lugar onde ela estava, olhei para o espaço de relva vazio ao seu lado onde seu livro descansava.A olhei com um jeito indagador e ela logo entendeu.
–Ah, claro.Pode sentar, não me incomodo. -Ela disse gesticulando para o lugar ao seu lado.
Sentei e apoiei minhas costas no tronco da macieira atrás de mim.Minha perna esticada esbarrou em uma coisa, olhei para o lado e vi o livro de capa azul que ela lia antes, o mesmo que estava consigo na praia.Peguei-o é examinei-o atentamente, percebi que ela observava cada um dos meus movimentos.
–"A Culpa é das Estrelas".-Li o título em voz alta.-É sobre o que?
–Ainda estou na segunda página.-Respondeu com um dar de ombros.--Li em algum lugar que é sobre uma garota que tem câncer, que se apaixona por um cara que teve câncer.
–Um tanto trágico.Mas deve ser bom.-Sugeri só para continuar o assunto.
–É, talvez sim.Não estou conseguindo me concentrar nele.-Ela disse dando de ombros outra vez.
Outro momento de silêncio.Heloíse tinha o olhar fixado no céu estrelado.Me lembrei do meu tempo aqui, quando tinha passado tanto tempo observando as estrelas que havia decorado várias constelações.De súbito olhei para a lanterna amarrada no galho e a reconheci.
–Minha lanterna!-Exclamei surpreso e ela olhou para mim.
–Sua? É sério?-Ela perguntou arqueando as sobrancelhas.Acenei com a cabeça em resposta.-Como ela veio parar aqui?
–Trouxe acidentalmente na segunda vez que estive aqui.Caspian havia dito que ia guardar.-Disse quase como uma acusação.
–Ah, ele guardou.-Ela disse corando um pouco.-Digamos que eu "peguei emprestada" para ler aqui fora.Me desculpe, eu não sabia.
Sorri com a sua sinceridade.Percebi que Heloíse era uma ótima pessoa para se conversar, o que me deixou ainda mais admirado por ela.Droga, eu tinha que parar de pensar nessas coisas...
–Tudo bem.Pode ficar com ela, é sua agora.
–Mesmo?
Acenei com a cabeça e ela sorriu abertamente.
–Obrigada, Edmundo.
Subitamente um pensamento me veio à cabeça.
–Você havia dito que o pomar é um lugar especial para você.-Ela virou o rosto para me encarar e pareceu um pouco surpresa com o rumo da conversa.-Por que?
Percebi que ela abaixou os olhos e mesmo com a pouca luz, pude ver que ela corou.
–Ah, bem, nos livros dizem que foram vocês, os Antigos Reis, que plantaram.Gosto daqui porque me lembro de vocês.Vinha aqui em tempos difíceis, para...colocar os pensamentos em ordem, para tentar achar uma saída, de repente receber um conselho, como se o mero fato de saber que vocês estiveram aqui já me ajudasse...Vocês me inspiram!-Ela disse tudo muito rapidamente e logo desviou os olhos de mim voltando a encarar as estrelas.
Sua resposta havia me deixado surpreso, mas ao mesmo tempo honrado ao saber que ela se inspirava em nós.
Olhei de relance para Heloíse e percebi que ela me olhava também.Ela sustentou meu olhar por alguns segundos antes de desviá-los.
Alguma coisa havia se aquecido dentro de mim enquanto a observava e ao mesmo tempo, pude perceber pelo canto dos olhos que seu olhar havia adquirido um brilho diferente.Como o brilho das estrelas.