Invisível escrita por BiaSanves


Capítulo 1
Capítulo único




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Invisível

 

Nove horas e quinze minutos. Aquele sinal que anunciava minha liberdade das insuportáveis aulas toca. O que pra mim deveria ser alguns minutos de sossego acabou tornando-se uma tortura. As que se antes se denominavam minhas “amigas” me deram as costas. O pequeno mundo que era o colegial pra mim, um lugar que eu fazia o que queria, nunca mais seria o mesmo.

 

Não queremos andar com você. É esquisita e traz encrenca pro nosso lado”. Era o que soava no meu ouvido enquanto ia em direçao a lugar distante daquela bagunça. Sentei-me num canto e abracei minhas pernas, apoiando minha cabeça nos joelhos. Enfiei um dos fones no meu ouvido e coloquei no volume maximo, tentando estourar meus tímpanos. Fiquei passando os dedos no meu cabelo, assanhando-os ainda mais.

 

Não sou esquisita, sou diferente. Segurei as lágrimas que insistiam em cair, não pretendiam ficar mais humilhada do que estava. Sentia-me um lixo, uma inútil. A primeira coisa que faria quando chegasse em casa seria me trancar no quarto e pegar aquelas giletes. A dor física iria me ajudar a esquecer a do espírito. Sabia que dormiria e nunca mais acordaria. Minha vida não tinha mais sentido, então, pra que continuar?

 

Eu queria fugir.

Para onde? Para qualquer lugar que pudesse me engolir viva, mastigar-me e me fazer nunca mais eu precisar acordar. Fazer-me apenas um monte de poeira, algo que não chamasse atenção, algo que sequer existisse. Eu não queria existir. Não queria que existisse essa dor em meu peito, esse sentimento de ódio e de amargura que me domina durante toda a minha existência.

Foi então que ele veio.

 

Aqueles olhos castanhos tão caridosos e amistosos.

Aquele sorriso bobo que parecia me acompanhar em todos os lugares que eu ia.

Tentei
ficar invisível. Não precisava de ninguém naquele momento. Continuou andando em minha direção e, como era de se esperar, sentou-se perto de mim. Um joão ninguém, era o que ele era e sempre será. Ficar me observando todos os dias não me ajudava nem um pouco. Eu não queria a pena dele, apenas precisava ficar sozinha para organizar os pensamentos.

 

Como se ele soubesse disso. A primeira coisa que fez foi puxar um dos fones do meu ouvido e colocando no seu. Permaneci indiferente.

 

- era de se esperar.

 

A sua ingenuidade estava perdida, foi o que pensei. Como um nerd, processava informações muito rápido. Continuou me olhando, esperando minha reação. Não disse nada.

 

-Se não fosse tão cabeça-dura, não estaria desse jeito.

 

Aquele moleque estava começando a me irritar. Arranquei o aparelho que restava do meu ouvido e joguei em cima dele. Deveria ser expert em tirar paciência dos outros. Não pude permanecer calada e fui direto ao ponto.

 

- O que você quer?

 

- Palavras, talvez.- foi o que ele respondeu.

 

- Não vou lhe dar satisfações. Qual é a sua?

 

- Estou tentando me aproximar. Algo errado nisso?

 

Oh, havia algo errado sim! Mas não consegui falar isso. Retirou os óculos. Realmente, ele era bonito. Eu nunca havia reparado, meu orgulho nunca permitiu isso. Mas porque se aproximar de alguém que não dava bola a ele. Ia contra os meus princípios.

 

- Oh, não sou a única garota desse colégio. Você não me acha...- hesitei um pouco- esquisita?

 

Dera uma sonora gargalhada. Me senti ofendida e fiquei na posição que estava antes. Meus olhos estavam cheios de água. Antes de me cortar, pensei, vou contratar um assassino profissional para matar aquele delinqüente. Se soubesse o que eu estava passando, não ficaria me torturando daquele jeito. Mas parou de repente, ficando serio.

 

- Você não é esquisita- aproximou-se mais- o mundo de um jeito diferente e não é reconhecida por causa disso.

 

A principio desconfiei que ele fosse um mutante e pudesse ler mentes. Mas percebi que era assim que nós dois nos sentíamos, excluídos. Percebi apenas quando o pior veio. E ele, tão próximo de mim, eu não enxergava isso. Eu estava cega.

 

- Como s-sabe disso?- fui idiota o bastante pra perguntar isto.

 

- Não é obvio?

 

Claro. Mas palavras naquele momento não eram suficientes. Minha angustia ainda me consumia. Não estava comendo muito nos últimos dias, me sentia tonta. Ninguém percebia mesmo, para o mundo eu não existia. Eu estava sem forças, tanto física e emocional.

 

Mas ele não me abandonou. Eu não sabia o motivo disso. Ao mesmo minha familia não se importava comigo. E um desconhecido, que toda vida rejeitei, agora estava do meu lado quando eu mais precisava. Vim compreender agora o que é uma amizade de verdade.

 

Encostei minha cabeça numa das minhas mãos, eu sentia que podia desmaiar a qualquer momento. Eu estava intolerável pra alguém tão estúpida.

 

- Passar fome de propósito vai piorar as coisas.

 

- Me tire daqui- falei, notando o quanto minha voz estava fraca.

 

- Ainda não.

 

No que ele estava pensando eu não saberia nunca. Se aproximava cada vez mais na minha direção. Virei meu rosto contra minha vontade. Ao vê- lo tão perto, não consegui me afastar. Estava a alguns centímetros da sua boca. Me rendi totalmente a tentação.

 

Encostamos os nossos lábios. Devagar, senti o gosto da sua boca. O desejava mais do que qualquer coisa. Não entendi o que estava acontecendo comigo. Não era como um beijo que eu sempre dava em caras que ficava. Pela primeira vez eu sentia uma sensação diferente. Era indescritível o jeito que ele explorava cada canto da minha boca. Não sei dizer se era experiência, ou outra coisa.

 

Finalmente nossos lábios se separaram. Notei que estava sem fôlego. Minha cabeça cai no seu ombro, ele me segurou. Eu não sentia mais nada, nem raiva, nem remorso. Minha invisibilidade não existia mais, minha presença estava sendo notada. Não estava mais triste, foi como se aquele beijo tivesse sugado tudo, inclusive minhas ultimas forças.

 

Minha vista ficou embaçada. Mas ainda me lembro dele ter dito:

 

- Quer tentar de novo?

 

Sacana, pensei.

 

 


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Notas finais do capítulo

Fic dedicada à uma amiga: nani-chan
Feliz aniversário (atrasado :]) oneesan!



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