Casa Blanca escrita por Equinox


Capítulo 1
ojos azules inútiles.


Notas iniciais do capítulo

Não estava conseguindo dormir, então escrevi uma fanfic, espero que alguém leia...



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Estava ele emburrando no banco traseiro do carro que rumava para o interior de um pequeno povoado próximo a Londres. Hebert, Richard e Arnold estavam viajando por outro continente, enquanto ele simplesmente era forçado a ir de carro até a casa de sua tia a duas horas do pequeno povoado, e para o garoto parecia uma ligeira amostra de como viver numa ilha durante um mês. Por que sua mãe tinha que mandar-lhe como oferenda a casa de sua tia? Que fosse visita-lá, mas mandasse-no ao México junto de seus melhores amigos — pensou.


O carro passava por uma estradinha de terra que destacava-se em meio a uma plantação predominantemente arbórea, ao que por ali também era possível observar uma quantidade razoável de arbustos. A poeira formava sua nuvem sempre que mandada para trás pelos movimentos do carro, que logo quando parou em frente a um casarão, fez seu passageiro que mantinha a cabeça estreitada contra janela olhar com o canto dos olhos para os muros envoltos por folhas e flores como antes não se via. Eloize, a tia do garoto, lhe recebeu à porta da casa com um enorme sorriso recheado de carisma.


Era já de idade avançada, cabelos lisos e de um branco acizentado na altura de seus ombros, tinha os lábios finos e olhos castanho-claro bem acentuados por sinal, seu nariz era arredondado, mas não algo que se destacasse na face enrugada. Eloize era alta, um tanto magra e a idade lhe marcava bem pela aparência de seu rosto, e as veias quase lhe saltando a mão, bem verdinhas ou azuladas. Aquela manhã tão abrangente pelo sol, sujeitou-se a trajar um vestido longo de mangas curtas e de gola que lhe cobria todo o pescoço, era de um tom pastel que combinava com sua imagem taciturna, por fim os cabelos amarrados no topo da cabeça com uma fita marrom que quase não se via, ao menos que tratando-se um observador, é claro.


Viu seu criado carregar as duas malas de madeira do sobrinho, enquanto o mesmo saia do carro com uma expressão incógnita impressa em seu semblante. Mais cambaleou do que caminhou em direção a entrada da casa, passeado pelo caminho pré-estabelecido pelos tijolinhos que pintavam o chão num caminho único intercalado entre o jardim de sua tia, rapidamente achegando-se em face da senhora que lhe acometeu num abraço caloroso. Ele se acomodou por quase dois minutos ali com a cabeça bem aconchegada no peito da mulher que lhe bagunçava os cabelos castanhos com dóceis caricias, apontando a ele como era bom revê-lo após um ano.


***


— E como vai o seu pai? Sua mãe me contou que anda trabalhando muito e de que se convenceu que não quer vê-lo como ele. — perguntou ela ao garoto que parecia um pouco apático, e até mesmo distante.


Em que estaria ele divagando? — pensou.


— Meu pai está como sempre esteve, assombrando a vida alheia como bom fantasma que é.


Eloize riu furtivamente, ao que já se mostrava bastante a vontade frente ao sobrinho, com os cabelos soltos e muito bem espalhados, o corpo inclinado, sendo suportado pelo cotovelo dobrado em cima da mesa e o punho cerrado que lhe empurrava as carnes do rosto. Suspirou profundamente ainda com vestígios de um sorriso nos lábios e replicou:


— Não seja duro com seu pai, sabe que ele é um homem atarefado e que tem paixão pelo que faz.


— Bom, acho que o homem atarefado deveria pensar em dar um pouco dessa paixão ao filho. — disse ele um tanto raivoso.


— René, não fale assim, sabes bem que ele te ama. Só não dispõe de tempo para estar junto de você. — disse ela já arrependida de ter-lhe perguntado sobre o pai. — E por hora é melhor que se vá para o quarto de hospedes, arrume-se para o jantar, certo?


Ele meneou a cabeça algumas vezes, logo deixando a cozinha, correndo escada acima.


***

O menino estava no quarto lustrando e conhecendo os novos moveis do quarto, não que sua tia houvesse alterado a mobília ou coisas do gênero, mas era como se a cada vez que ele visitava-a em algumas de suas curtas férias escolares tinha impressão de que tudo ganhara um ar renovado. Caminhou no quarto estreito, abriu o guarda-roupas marrom de duas portas alojado no cantinho da parede e observou suas roupas arrumadas pela criada de sua tia, seus perfumes, livros e cuecas espalhados entre as três gavetas dentro dele, fechou-o rapidamente e se voltou para a mesinha de escrever sempre ao lado da janela, nunca abaixo dela, pois Eloize sabia que o sobrinho gostava de passar suas tardes contemplando o jardim com os cotovelos no peitoril da pequena janela tendo vez ou outra uma visão simplória. Abaixo da escrivaninha havia uma cadeira que era um tanto desconfortável para se passar um dia todo escrevendo, por isto a dona da casa se encarregara de mandar forrar-lhe com um acento acolchoado.


Eric René Baptiste voltou alguns passos para trás, sentando-se na cama de solteiro um pouco mais larga que o normal e observou a conjuntura do armário, da janela e da mesinha que pareciam ter sido feitos sob medida para que não sobrasse espaço entre eles, sorriu um pouco depois jogou o corpo contra a cama de lençóis brancos, e deitado meneou a cabeça avistando a porta do quarto, aconchegou novamente a cabeça, selando seus olhos a respirar tranquilamente enquanto pensava no quão irrequieto estaria na companhia de seus amigos passeando pelas Américas que desconhecia. Devem estar fazendo estragos — pensou.


E ali tão calmo e sereno pôde ouvir os primeiros sons vindos do andar de baixo, não era nada caindo, nem nada se espatifando, era um som conhecido, melodioso, muito bonito, era o som das teclas de um piano tocando uma música que René conhecia. Levantou-se abruptamente afim de saber quem tocava um melodrama no térreo da casa, talvez fosse Eloize usando o piano que havia na sala, mas se sua memória não era falha, para sua tia o piano era meramente decorativo. Desceu as escadas correndo, que embora tivessem seus degraus retangulares davam uma volta quase circular.


Ao pisar no chão Eric percebeu que o piano não era tocado na sala — onde antes ficava — mas sim do lado de fora da casa, num quarto, quase como uma pequena casa, o qual só houvera entrado uma única vez quando pequeno, pois o tal vivia trancafiado. Andou passo por passo deixando sua audição guiá-lo até a porta dos fundos por onde passou ouvindo melhor cada tecla sendo afundada a medida que se aproximava da casinha de paredes brancas e enormes janelas — abertas — cuja porta não estava trancada.


Seus olhos encontraram um garoto de visíveis cabelos negros de costas para a porta e que tocava o piano que lhe levou até lá. O menino era baixo, de pele incrivelmente alva, trajava uma blusa num tom verde claro de tecido fino, shorts marrons com alças que pareciam lhe cobrir até uma parte das coxas de pouca carne, parecia ter em torno de treze e quatorze anos, e pareceu não perceber a presença de René na sala, este que caminhou até ele e tocou seu ombro vendo o garoto assustar-se e de súbito parar de tocar o piano.


— Ei, não pare de tocá-lo, adoro Satie. — disse René para incentivá-lo.


O garoto tirou as mãos de Eric de seus ombros e de supetão levantou-se do banquinho, virando para René e lhe fazendo a seguinte pergunta:


— Quem é você?


Baptiste ficou abobado, o garoto tinha incríveis olhos azuis, tanto que pareciam artificiais como os de uma boneca, em toda sua vida nunca houvera contemplado azul tão profundo quanto aquele. O contorno da periferia das orbes era como a margem de um lago cristalino, um tom mais forte que parecia ter sido tingido com azul marinho. Seu rosto tinha traços finos, a impressão era que quebrar-se-ia num único toque, o nariz pequeno e afinado a boca rosada e os lábios finos, assemelhava-se a uma menininha e um rubor explodira em suas bochechas fazendo-o parecer maquilado. Muito bonito.


— Não se assuste assim, sou sobrinho da dona desta casinha e do piano. E afinal, não pareço ser uma ameaça, pareço? — perguntou René.


— Não sei. — disse ele num tom de voz baixo.


— Como não sabe? É visível! — exclamou René indignado.


— Eu sou cego.


René envergonhou-se do que dissera e com a voz baixa pediu desculpas ao garoto.


— Tudo bem, não teria como saber.


***

Depois do mal entendido entre Eric e o garoto — cego — dos lindos olhos azuis, René descobriu que se chamava Franz e apenas Franz, o que rendeu boas risadas a ele, não que Franz fosse um nome engraçado, mas o modo como lhe dissera seu nome vinha com uma pequena anedota.


— Como se chama? — indagou Franz.


— Baptiste, Eric René Baptiste. — respondeu René. — E você, como se chama?


— Franz, com z.


— Franz? Franz de quê?


— Franz e apenas Franz.


— Mas todos temos um sobrenome, qual o seu?


— Me chamo Franz, tão tenho sobrenome, Franz e apenas Franz.


Eric desatou a rir, o garoto parecera confiante no que dissera, tanto que René não insistiu com perguntas do gênero, Franz e apenas Franz.


— Quantos anos tem? — perguntou Baptiste.


— Quinze, e você?


— Tenho dezessete, e não sei tocar piano.


— Mas sabe ouvir. — replicou Franz.


— É, embora não faça diferença.


— É claro que faz, gostaria de ser surdo por acaso? E se não pudesse ouvir não o teria sido atraído até aqui.


Eric riu.


— Tem razão, se não houvesse ouvido Vexations estaria prestes a dormir.


— Viu? Não subestime seus sentidos, e aliás... Eles apreciam Satie. São sentidos amigos. — disse Franz sorrindo para René que estranhou ao vê-lo sorrir em sua direção. — Quer ouvir Gymnopedies?


— Claro, é a minha favorita.


René ficou maravilhado com o que tinha ali, ficava se perguntando como um garoto cego poderia ser tão bom músico sem que lesse instruções para tal, talvez enxergasse no passado e depois de uma hora para outra houvesse perdido a visão e por isso continuasse tocando as músicas que já aprendera. Era tão bonito e tão apaziguador ficar ali a ouvir o belo melodrama de Erik Satie. Uma dadiva da vida. — pensou.


***

Eric e sua tia jantavam a noite a sombra dos criados que perambulavam pela casa, e então René fez-lhe perguntas que o rondaram durante todo um fim de tarde, quem era Franz apenas Franz? E por que tocava piano na casinha dos fundos?


— Vejo que já conheceu o pequeno músico. — disse Eloize sorrindo e desordenando o monte de arroz em seu prato. — Ele é filho de Joanette, uma de minhas criadas, chegou pouco antes de você ter voltado para Londres. Joanette o trouxe para viver aqui, pois a avó morreu e era ela quem cuidava do menino. E o piano... Bom, eu nunca aprendi a tocar, Franz entrou na sala e tateou as coisas com as mãos, descobriu um piano, sentou-se ao redor e começou a tocar me fazendo correr da cozinha como uma louca para ver quem tocava algo tão bem em minha sala, era ele, me pediu desculpas e disse que não resistiu, ao que acabei tendo a ideia de deixar-lhe tocar piano sempre que quisesse, e por isso pedi que o colocassem nos fundos, para que pudesse ir e vir quando bem entendesse.


— Onde ele mora? — perguntou René após ouvir atentamente a historia da tia.


— Descendo um pouco há várias casas, não sou a única maluca que vive isolada. É quase como uma pequena vila, mora numa casinha com a mãe, tentei convencê-lo a morar aqui, mas preferiu ficar lá, não questionei.


— Ele é cego de nascença? — perguntou ele receoso.


— Não, Joan disse que perdeu a visão aos oito anos, foi difícil para o pobrezinho.


— Entendo, acho que vou dormir, boa noite, tia Eloize. — disse ele saindo da mesa.


— Boa noite, meu anjo. — respondeu ela com um sorriso nos lábios.


Eric voltou para o quarto cheio de questionamentos, pensando como deveria ser a vida para alguém que enxergara por tanto tempo e logo depois perdera a visão, mas o mais relevante em tudo isso era que outro pensamento corriqueiro era acima de seus olhos, os quais René viu durante todo um sonho que teve a noite. Eram olhos realmente chamativos.


***

Nos dias suscetíveis aquele, René e o pequeno pianista pareceram estreitar suas relações, ao que tornaram-se amigos com muita facilidade. Franz prometera a René que lhe levaria a seu lugar favorito, deixando-o animado e curioso, apesar de não saber o que seria bonito para alguém que sequer enxergava. Andaram por muito tempo até que encontrassem um ambiente o qual Eric julgou ser o mais bonito que já vira em toda sua vida. Uma ponte de madeira passava por cima de um lago coberto de lírios d'água que de acordo com a luz do sol, ora pareciam cor-de-rosa ora pareciam lilás, parecia uma sala fechada pela própria natureza cercada de uma variedade de flores bem coloridas que tornavam o lugar mais bonito aos olhos. René sentiu paz ali, respirando fundo e sentindo seus pulmões preencherem-se com aquela brisa suave.


Sentou-se junto de Franz no meio da ponte e conversou com ele enquanto observava a paisagem.


— Aqui é bonito, não é? — indagou Franz.


— Como pode saber? — replicou René.


— Estive aqui antes de ficar cego.


— Bom, isto explica... Mas como poderia saber que não se alterou?


— Eu não sei, apenas acho. — disse e riu furtivamente.


René notou o quanto sua risada era agradável de se ouvir, e muito gostosa, o que lhe fez dar um pequeno sorriso com o canto de seus lábios. Observou o rosto do garoto de perfil e permaneceu contemplando sua beleza por longos instantes.


— Pare de me olhar assim. — pediu Franz.


— Como sabe que te olho?


— Sabe, cegos desenvolvem outros sentidos quando não enxergam o mundo a sua volta, e acabam aprendendo a sentí-lo. É por isso que quero que pare de me observar.


— Desculpe, é que seus olhos são muito bonitos.


— Bonitos e inúteis. — disse e sorriu melancólico.


— Não diga isso, dizem que os olhos são as janelas da alma.


— Alguém colocou uma cortina frente a minha janela.


— Bom, acho que não posso tentar dizer-lhe algo do gênero novamente. És um tanto pessimista.


— Desculpe, fui um pouco rude, não é?


— Não se preocupe, está no seu direito. — suspirou longamente. — Minha tia disse que perdeu a visão quando tinha oito anos, aprendeu a tocar piano com quantos anos?


— Nove.


— Sério? Como conseguiu, teve aulas?


— Não, aprendi sozinho.


— Como isso é possível? Quero dizer... Para aprender algo precisa ler as instruções e a composição de cada música.


— Lembra quando disse que tinha sentidos amigos?


— Sim, lembro.


— Eu tive que melhor desenvolvê-los depois de ficar cego, foi minha única arma depois daquele verão.


— E como começou? — perguntou virando-se novamente para o horizonte.


— O piano ou o fato de eu ser cego?


— Os dois.


— É uma história longa, mas se quiser posso resumí-la. — René assentiu permitindo que ele prosseguisse. — Era sábado pela manhã, acordei com a visão turva, pensei que não passasse de uma leve distorção por conta da sonolência, mas estendeu-se ao longo de um dia, que viraram dias e semanas, por isso me adaptei aquilo, até que minha visão já não distinguia os traçados imaginários do rosto de alguém e cada mais vez a luz me sumia sorrateiramente, ao que achei ser como uma cegueira noturna, mas durante o dia todo.


Sem que notasse tudo não era mais que borrões de tinta, logo as pessoas pareciam mais esboços do que qualquer coisa, e então um dia ao despertar, uma claustrofobia por estar preso na escuridão me atingiu, fora o dia mais horrível de minha existência, gritei durante horas, chorei, quebrei coisas e depois disso passei três meses inteiros dentro de casa, não saia, não comia direito, falava pouco, queria morrer, me achava um inútil. Até que conheci histórias como as de Monet que pintou até ficar cego e Ludwig Van Beethoven que compôs a nona sinfonia enquanto surdo. Aprendi a aguçar meus sentidos, e fui meu autodidata como pianista.


Passeando pelo povoado tive um primeiro contato com as composições de Erik Satie, era lindo, melancólico e melodioso, ouvia cada tecla e aprendi de cor o som de cada uma, e apenas ao ouvir a música eu sabia que teclas deveria tocar. Minha avó juntou dinheiro e compramos um piano de segunda mão, um novo era muito caro. E então vim para cá e pude jurar que jamais tocaria num piano de novo, ao menos até descobrir o de sua tia que me parecia uma luz no fim do túnel.


— Isso é triste e bonito.


— É sim, mas já não me importo. — suspirou e sorriu. — Posso fazer uma coisa?


— O quê?


Franz estendeu as mãos e levou-as ao rosto de René, passeando os dedos primeiro em seu nariz fino e reto, depois seus lábios vermelhos, ressequidos e semi-grossos, em seguida as sobrancelhas bem desenhadas e por fim o cabelo liso e castanho-escuro.


— Que cor são seus olhos? — perguntou o garoto das orbes azuis.


— Verdes.


— Você é muito bonito.


— E como sabe?


— Sua fisionomia, é fácil conhecê-la pelo toque, acho que consigo imaginar seu rosto.


Por alguns instantes René refletiu sobre a história de Franz, ficaram num silêncio incomodo, e logo em seguida Eric voltou a fitar o garoto, parecia muito pensativo e concentrado, uma brisa forte começou a bater e René teve vontade de abraçá-lo. Deve ter sido horrível — pensou.

Então ele o fez, deu-lhe um abraço desconcertado demorando alguns segundos para ser retribuído, e sem que percebessem seus rostos giravam na direção um do outro, e naturalmente acabaram selando seus lábios por vontade própria. Foi um beijo rápido, ao que Eric se afastou rapidamente de Franz.


— Desculpe, eu n-não sei... o que... — disse René com certo desespero, sem notar que o outro sequer se importara.


— Tudo bem, eu gostei. — disse Franz com um sorriso nos lábios. — Posso te beijar de novo?


Os dedos de René começaram a suar, ele queria apenas balançar a cabeça, mas o outro não poderia ver seu gesto, ao que sentiu a mão de Franz em sua bochecha esfregando-a ali.


— René, você está aí?


— Estou, é que... Estava pensando.


— Pensando no quê?


— Eu..eu... Também queria fazê-lo de novo. — disse ele se referindo ao beijo.


Sentiu as mãos alheias em seu queixo puxando-o novamente para um segundo beijo, desta vez com um toque ligeiramente mais aprofundado, entreabriram os lábios e passaram a dividir aquele beijo simplório. René enroscou os braços na cintura de Franz que num outro impulso abraçou-o pelo pescoço.


Não contaram quantas vezes beijaram-se aquela tarde, mas foram muitas, tantas que nos dias subsequentes sentiam-se desinibidos para fazê-lo diversas vezes, e sem perceber cultivavam um sentimento mais forte entre ambos, o que denominaram amor.


***

— Quando vai embora? — perguntou Franz com uma nota de desapontamento em sua voz.


— Depois de amanhã. — respondeu-lhe René abraçando-lhe pela cintura.


Estavam no quarto de hospedes, sentados na cama em que Eric dormia, fazia algum tempo que estavam ali conversando sobre variados assuntos e interrompendo as vezes com alguns beijos demorados e cheios de paixão, e graças a estes simples gestos saberiam que a falta um do outro se agravaria com o passar do tempo, era loucura se prender a um relacionamento como aquele, acabariam sofrendo em demasia.


— Eu não quero que vá. — disse Franz com um tom choroso agarrado ao pescoço do outro.


— Por que não vem comigo? An?


— Não é simples assim, René. Não posso abandonar minha mãe. — soluçou. — Não pode ir, René, não pode. Não quero que vá.


E então Franz deu-lhe um beijo que foi aprofundado por René, tinha sabor triste e salgado de lágrimas, o beijo possuía um teor sôfrego e era para eles precisado. Não dando por si, Eric pôs o garoto com as costas na cama e não beijou-lhe apenas os lábios como traçou-lhe cada parte de sua atmosfera pouco corpulenta. A chuva começou a desabar sobre o teto da casa, enquanto a noite se fazia presente, René tirou peça por peça das roupas de Franz, tocando o corpo franzino com suas mãos e lábios. Seus olhos observavam o rosto suado, corado, mas ainda sim sereno do garoto, os olhos voltavam-se para qualquer canto, afinal não havia necessidade de fechá-lhos. A noite se estendeu junto daquelas pancadas de chuva um tanto rigorosas, os garotos apenas conheceram seus corpos da maneira que melhor lhes coube, René com olhos e sentidos, e Franz com os sentidos que lhe restavam, e apenas a lua presenciou tal ato.


***

Foram cinco anos inteiros depois da partida de Eric René Baptiste, e não ouve um dia em que não pensasse no pequeno Franz apenas Franz, lembrava-se das lágrimas no canto de seus lindos olhos azuis, assim como lembrava de cada beijo e cada toque que compartilharam. Queria passar suas férias lá novamente, ansiava isto mais que tudo, e pensava se Franz o odiava, mas ainda tinha esperanças de que entendesse que fora consumido pelos estudos e pela mãe que também se descontentava com a ausência do marido. Ligeiramente René formou-se em advocacia e pôde respirar fundo quando viu-se livre da faculdade, finalmente iria rever seu querido Franz, aquele por quem ainda nutria amor.


Então via-se novamente dentro de um carro a caminho daquele lugarzinho isolado, sorriu largamente ao se deparar com a fachada da casa de sua tia, fazendo-a sair da cozinha assim que o ouviu gritar da porta. Os anos lhe pareciam ter feito mal, estava mais frágil do que de costume, tossiu um pouco e com o auxílio de uma bengala se movimentou pela casa e sentou no sofá.


— Oh, querido, achei que nunca mais fosse vê-lo de novo. O que o traz aqui? — perguntou Eloize com o sorriso dócil nos lábios.


— Fiz uma promessa, querida tia. Estou a procura de Franz. — respondeu René parecendo animado e lhe retribuindo o sorriso.


A face de Eloize se comprimiu numa expressão de desolação, ela olhou para os lados, depois para o teto e finalmente para o sobrinho, balançou a cabeça e suspirou longamente.


— Franz não está mais aqui. — disse ela desgostosa.


— E onde está? — perguntou René um tanto preocupado.


— Desculpe se estou sendo direta, mas Franz morreu há quatro anos num incêndio.


Todos os músculos na face de René deixaram de contrair-se como se sofressem um espasmo, ele não sabia o que dizer, ou como reagir, nem mesmo lágrimas conseguiu derramar.


— Por favor, diga que está mentindo.


Ela balançou a cabeça negando.


— Ah, meu deus, como? — perguntou agarrando os cabelos e deixando as primeiras lágrimas escorrerem.


— Alguém ateou fogo no jardim dos fundos, algum arruaceiro, suponho, o que acabou consumindo tanto o jardim quanta a casinha dos fundos, ele estava lá, com as portas e janelas fechadas, o fogo se alastrou rápido, ele não pôde escapar.


René desatou a chorar, nunca sentira tão árdua dor em toda sua vida, a única pessoa que aprendeu a amar de um modo especial acabou morrendo sem um último beijo ou um último abraço, sem despedidas e sem cumprir a promessa de esperá-lo voltar, mesmo que se passassem dez anos, Eric queria morrer e não tardaria a isso.


***


Estava frente ao túmulo de Franz, e nele estavam escritos os dizeres "Aqui jás Franz Harald Depardieu, pianista cego, adorador da arte, dono de belíssimos olhos azuis, historiador da beleza oculta." Deixou ali um cravo branco tingido de azul e respirou profundamente antes de beber o primeiro veneno barato que encontrou. Logo pôde ver os lindos olhos azuis abrindo-se e observando os seus, Franz havia voltado a enxergar.


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Notas finais do capítulo

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