Xis escrita por aka Rla


Capítulo 14
XIV - Lógica




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-Existem hoje cerca de 15 milhões de xis espalhados pelo mundo. Estamos tentando reduzir o número para evitarmos a superpopulação do planeta. - disse o professor de história e ética na quinta-feira seguinte.

-É só deixar os ips fazerem o serviço. - sussurrou Paula.

O professor engasgou.

E eu sufoquei uma risada.

Eu sei que eu não deveria estar rindo, a situação é crítica, mas foi mais forte que eu.

-Você acha então que devemos dar o pescoço para um bando de invejosos?

O rosto de Paula franziu por algumas frações de segundo quando ele disse “bando de invejosos”.

-Eu acho que se fosse o contrário, a gente ia querer matá-los. E se a gente precisa reduzir esse número absurdo de xis se espalhando pelo mundo, só há uma solução: matar-nos. Não é como se eu fosse suicida ou algo assim, é só uma questão de lógica.

Jean, que estava sentado na frente de Paula, agarrava a mesa com força, como se ele estivesse se concentrando em alguma coisa.

Eu estava com um certo medo de Paula, mas a lógica dela fazia sentido.

O professor andou até o fim da sala, batendo o dedo no queixo, como quem escuta algo muito óbvio, mas que não tinha reparado até aquele momento.

-Melissa? - o professor me chamou.

Congelei na hora.

Me virei devagar.

-O que você acha sobre isso?

Ele realmente esperava minha participação na aula dele? Sério?

-Eu... - mordi os lábios. De alguma forma, eu sentia os olhos de Jean cravados em mim. - não acho nada, professor.

Ele me encarou. Eu encarei de volta, mas morrendo de vontade de desviar o olhar.

-Nada? Você não tem opinião alguma sobre os ips?

-Na verdade... - pelo canto do olho, vi Jean se mexer na cadeira. - eu acho que eles não são um motivo pra gente se preocupar. Somos fortes e inteligentes o suficiente.

-Será? - disse Paula, mas ela cobriu a boca com a mão, como se não quisesse deixar aquilo escapar.

-Sim. Nós somos. Eu fui atacada por um grupo de ips duas vezes e sobrevivi sem nenhuma arma. Eles não são um problema.

Me senti uma política abafando um escândalo.

“Eles não são um problema”? Sério? Que bosta foi essa?

Aquilo era tudo uma mentira. Eu não dormia à noite por causa disso e estava ali fingindo que estava tudo bem.

-O que você está dizendo, Melissa – o fato de ele falar meu nome completo (diferentemente dos outros professores, que me chamavam de Lissa) me incomodava muito. Como se ele quisesse deixar claro que eu era a princesa. -, faz sentido. E o que Paula disse, também. Mas tem uma coisa que eu não entendo nisso tudo: por que nós não atacamos?

-Porque isso nos tornaria pior que eles – disse Jean, se manifestando. - Todos o dias quando acordo, meu primeiro pensamento é que eu deveria matar cada ips desse mundo, mas todos os dias quando vou dormir eu agradeço a mim mesmo por não ter feito isso. Porque é isso que me dá mais direito à vida que eles.

Ninguém disse nenhuma palavra por vários instantes.

O sinal tocou quando o professor abriu a boca pra responder.

Jean saiu voando da sala.

*

-Ai, meu Deus! Isso é incrível! - eram as duas frases que Jaquelinne conseguia pronunciar durante todo o tempo do almoço.

-Quando vai ser? - perguntou Alice.

-Ela me contou que vai ser sexta que vem, na boate que tem na rua de trás da entrada da EX, sabe? - disse Maria, comendo sua tigela de salada de frutas que ela chamava de almoço.

Olhei para minha macarronada no prato e me senti meio culpada.

-Ai, meu Deus! Isso é incrível!

-Eu sei! - disse Alice – Você vai, né Lissa?

-Meninas... eu não sei.

-O Jean vai. - disse Maria.

Girei os olhos. Jaque e Alice trocaram olhares cúmplices.

-Gente, para. Eu não vou porque eu não quero. Eu não tô muito com cabeça pra festa e...

-Eu sei que agora que a gente comentou, sua vontade de ir aumentou 25%. - disse Jaquelinne.

Girei os olhos mais uma vez.

Jaquelinne apostaria a vida dela isso. Dava pra ver nos olhos dela.

Jean ir significaria passar mais tempo com ele. O que não me causaria nenhum problema. E eu me sinto muito segura perto dele. E uma festa seria uma coisa boa pra mim agora, eu ainda era uma adolescente, poxa.

Eu não apostaria minha vida se fosse Jaque.

Minha vontade aumentara 70%.

*

-Eu vou fazer análise de sistemas – disse Alice, abraçada ao namorado, Júlio.

-E eu vou fazer ciências da computação. - ele completou.

-Eu acho que isso foi combinado, hein?! - brincou Pedro, que estava abraçando Jaque por trás.

Faltavam alguns minutos para meia-noite e a gente estava curtindo uma sexta à noite no salão principal do dormitório dos alunos.

Acho que aquilo foi inventado pelos alunos. Não é possível que um adulto tenho criado um lugar tão... jovem!

Havia uma TV de plasma ligada a dois aparelhos de video-game diferentes e a um DVD. De um lado da TV, tinha um frigobar com várias latas de refrigerante. Do outro, um aparelho de som. O resto da sala tinha vário pufes e almofadas espalhados pelo carpete cor de creme. E no teto, umas lâmpadas coloridas que deixavam o ambiente bem iluminado, mas divertido.

Pelo amor de Deus, aquilo era uma escola!

Jean estava deitado com a cabeça na minha coxa, Maria e Liz conversavam sobre esmaltes e Mateus estava sentado de frente pra gente, mas perdido no lindo universo de seu celular.

-O que você vai fazer quando sair da EX? - perguntei pra Jean.

-Sei lá. Eu queria ficar aqui pra sempre.

Eu entendia o que ele queria dizer.

Eu não queria vir pra cá, não queria ser uma xis, ainda mais da realeza.

Mas agora que estava aqui, sair me dava um desespero...

E o mais estranho é que eu não queria ficar também. Os meus únicos amigos xis iam se formar em breve e eu ia ficar aqui sozinha.

Uma bosta, se quer saber.

-Em que está pensando? - ele perguntou. Dei de ombros.

Mas o fato de ele ter reparado que algo me incomodava não me passou despercebido.

-Quer sair daqui? - ele perguntou. Dessa vez, mais baixo, só eu ouvi.

Encarei os olhos dele de cima, que me encararam de baixo.

-Com certeza – sussurrei de volta, sorrindo de lado. Ele devolveu o sorriso.

Ele levantou e me deu a mão pra levantar. A gente saiu pela porta e, apesar de eu não ter prestado atenção pra ouvir algum comentário, eu sei que todo mundo reparou que a gente saiu juntos e de mãos dadas.

A gente sentou no meio da grama, bem longe dos dormitórios, onde não dava pra ouvir o murmurinho dos alunos.

-Você vai na festa da Paula? - perguntou, sentando no chão com as pernas esticadas e apoiado nos braços, como quem toma sol.

-Você vai? - devolvi a pergunta, deitando do lado dele, mas eu deitei mesmo, de forma que eu podia ver o céu. Ele me imitou.

-Não sei ainda. Vou deixar pra decidir na hora.

-Tem alguma coisa te impedindo de ir? - perguntei.

-Tem alguma coisa impedindo você de ir? - ele devolveu.

Percebi que aquela não seria uma noite de respostas.

Virei a cabeça para encará-lo por alguns segundos.

-Não, na verdade – respondi, voltando os olhos para as estrelas.

-Então por que você não vai? - ele perguntou.

-Quem disse que eu não vou? - perguntei, rindo pelo nariz.

-Então você vai? - ele perguntou, se virando pra mim, apoiando a cabeça em uma das mãos.

-Não sei ainda. Vou deixar pra decidir na ultima hora. - respondi, imitando ele.

Rimos juntos.

-O que você estava pensando na hora em que eu disse que não queria deixar a EX? - ele perguntou.

Me levantei. Ele me imitou.

-Que eu te entendo – falei – E que não quero sair daqui, mas não quero ficar aqui sem vocês no próximo semestre.

-Ah, qual é, eu vou voltar aqui todos os dias pra te ver até você se formar. - ele falou, encarando o gramado.

-Sério? - perguntei, mordendo o lábio inferior.

-Claro – ele levantou os olhos pra mim – Você acha que vai se livrar tão fácil assim? - finalizou com uma das sobrancelhas erguidas.

Girei os olhos.

Ele se aproximou de mim e colocou o meu cabelo atrás das duas orelhas, mas não afastou as mãos, segurando minha cabeça.

-Faz de novo – ele sussurrou.

-O quê? - perguntei, também sussurrando.

-Gira os olhos de novo.

Por que estávamos sussurrando? Não sei.

Girei os olhos. E não foi porque ele mandou. Foi porque várias coisas que eu sabia que não iriam acontecer passaram pela minha cabeça. Eu só girei os olhos pra espantar aqueles pensamentos.

-Como você consegue? - ele sussurrou mais baixo.

Eu estava começando a achar que sussurrar era a desculpa que ele tinha pra se aproximar mais e mais.

-Consigo o que? - perguntei.

-Ser tão linda girando os olhos.

Ok.

Eu não estava esperando por isso.

Nem pelo beijo que veio depois.

As mão de Jean, que estavam nas minhas orelhas, desceram aos poucos até minha cintura, passando pelo pescoço e pelos braços.

Minha mão esquerda continuou apoiada na grama, enquanto a direita puxou Jean pra mais perto de mim pela nuca.

Dei passagem para a língua quente dele, que brincava com a minha de forma sensual. As mãos dele acariciavam a pele da minha cintura. Minha mão brincava com os cachos dele.

Ele parou o beijo antes de mim, mas não afastou o rosto, de modo que nossas testas ainda estavam coladas.

-Pode me dizer de onde isso veio? - brinquei, sorrindo, ainda de olhos fechados.

Ele me deu um selinho antes de responder.

-Eu quero te beijar desde... desde o dia que você decidiu vir pra EX. Só percebi no dia que a gente foi pra casa de seus pais.

-Bom pra mim. – sussurrei nos lábios dele e, dessa vez, eu comecei o beijo.

Agora que ele sabia que eu queria beijá-lo tanto quanto ele, Jean resolveu me beijar de verdade.

Ao invés de dançar, nossas línguas brigavam, loucas por mais um toque com a outra.

Eu segurava a cabeça dele com as duas mãos agora, enquanto as mão dele não tinha saído do lugar, mas agora eram mais quentes e agressivas, mas de uma forma boa.

Enquanto o beijava, eu não pensava em nada. Nem em xis, nem em ips, nem em Liz, nem em regras, nem na festa da semana que vem, nem nas piadinhas da Jaque no dia seguinte.

Foda-se.

Os momentos em que eu parei o beijo por falta de ar, Jean não me deixava respirar de qualquer forma, beijando meu pescoço, meu queixo, a parte de trás da minha orelha...

Eu já não conseguia me concentrar muito em coisa alguma enquanto estava com ele. Imagine com ele deixando uma trilha quente de beijos entre meu pescoço e meu ombro.

-Vocês sabem que não podem ficar aqui à essa hora, certo? - parei o beijo na hora em que ouvi a inspetora brigar com a gente.

-A gente já tá subindo – disse Jean, se levantando e me dando a mão pra levantar.

Eu estava morrendo de vergonha.

-Dessa vez, passa, mas eu não quero punir vocês mais pra frente. - ela disse, encarando a gente por alguns instantes enquanto a gente só tentava não rir. Ela balançou a cabeça, indicando o prédio dos dormitórios, com um sorrisinho amigável. - Pra cama. Cada um pra sua, de preferencia.

Me perguntei se ela só falou aquilo porque a gente estava se agarrando agora a pouco ou se ela sabia que já tinha dormido no quarto de Jean.

Ele bateu continência e me arrastou na direção dos dormitórios.

Quando demos uma certa distância da inspetora, a gente caiu na gargalhada.

Porque a situação era muito engraçada. A gente se odiou no dia que se conheceu. Só um pouco clichê, sabe.

Jean parou de correr e se virou, sem me avisar, então eu meio que caí direto nos braços dele.

Ele me segurou e me beijou de novo.

E tudo o que eu conseguia pensar era que eu era mesmo muito sortuda. E que aquele beijo não era lá muito clichê.

De repente, me pareceu que era só uma questão de tempo até aquilo acontecer.

A gente não conseguia mais ficar longe um do outro. Ele queria me proteger de tudo. A gente já dormiu juntos, pelo amor de Deus!

Era quase óbvio que a gente ia ficar juntos uma hora.

Era lógico.

Jean parou o beijo. Encarei seus olhos, sorrindo, apreciando a felicidade que eu estava sentindo.

-Em que raios você tá pensando agora? - ele perguntou, segurando meu queixo, com um sorrisinho de lado.

-Em questões de lógica. - respondi, o beijando mais uma vez.


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Notas finais do capítulo

Esse é um dos meus capítulos favoritos :)



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