Xis escrita por aka Rla


Capítulo 10
X - Amizade




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/398327/chapter/10

Eu não vi Liz chegar no domingo à noite. Provavelmente ela tinha ido direto pro quarto de Jean. E, se eu soubesse o que aconteceria na segunda de manhã, eu teria rezado pra ela ter ido direto pro nosso quarto no domingo.

-Como você teve coragem? - ela me perguntou quando eu acordei.

As palavras não fizeram sentido pra mim. Eu tinha acabado de acordar e estava grogue. Mas quando eu vi ela sentada na cama feita, com as mãos no colo, a ficha caiu e eu soube do que ela estava falando.

-Só um minut... - eu disse, me levantando pra ir ao banheiro, mas ela me interrompeu.

-Um minuto sozinha com Jean foi mais que suficiente pra você fazê-lo terminar comigo. Não vou te dar outro minuto antes de ouvir o que eu tenho pra te dizer.

Sentei na minha cama de novo e esperei. Ela tinha toda razão de estar brava.

-Jean me contou toda a verdade.

-Toda? - perguntei.

-Sim Melissa. Ou devo dizer Vossa Alteza?

Não respondi. Nem poderia.

Liz não chorava. Mas algo na expressão dela me deu vontade de chorar. Principalmente porque eu estava errada.

Os olhos dela queimaram em mim quando ela continuou:

-Eu só queria dizer que... eu confiava em você. Eu realmente achei que você fosse alguém legal. Mas eu descobri em você a pessoa mais dissimulada do mundo. Todo mundo acha você uma graça no meu grupo de amigos, mas, de novo, é o meu grupo e, isso vai parecer um pouco Mean Girls mas, you're out. Só por uma questão de... proteção. Eu odeio o que você fez. E não vou deixar você fazer isso com meus amigos.

E saiu.

Como se eu já não tivesse coisas demais com que me preocupar.

*

Na hora do almoço, na fila do refeitório, todo mundo na fila parecia me olhar e cochichar.

Durante a semana seguinte, tentei não obrigar Jaque e sua turma à me olhar. Eu sei o que eles estavam pensando e não precisava ler mentes pra isso. Me mantive afastada, mesmo que uma parte de mim ainda quisesse que Maria ou Alice ou Mateus aparecesse e me chamasse pra almoçar com eles.

Na sexta, eu fiquei sentada num banco colado na parede da biblioteca, comendo uma barra de cereal e ouvindo 30 Seconds to Mars. Eu estava sozinha e, pela primeira vez naquela semana, não foi algo ruim. Não fazia ideia de onde Jean estava e, bem, não queria saber.

-Por que sozinha? - perguntou Paula, sentando do meu lado.

-Longa história. Longuíssima, na verdade. - suspirei, jogando a embalagem da barrinha de cereal no lixo e tirando os fones do ouvido.

-Das duas uma: ou você não pode contar pra ninguém, ou você já contou demais e não tá com saco.

Sorri. Paula era muito fofa.

-Não posso contar. Ainda. Não vejo a hora de poder. Isso tá me matando, já destruiu amizades e tá me deixando confusa... - respondi

-Deve ser um segredo muito cabeludo então. Porque só algo muito forte pode destruir uma amizade. Ou talvez não era uma amizade. E...

Me arrependi de ter tirado o fone. Paula ficou tagarelando ali e me incomodou um pouco.

-... Jean é mesmo muito gato – eu confesso, voltei pro blábláblá quando ouvi o nome de Jean. - E já ouvi ele reclamar um pouco da Liz, mesmo ela sendo legal e eu totalmente faria o mesmo no seu lugar.

-Como assim? Eu não fiz nada.

-Não precisa esconder de mim. Meu quarto fica no final do corredor do seu e quando eu ouvi a gritaria, fui ver o que estava acontecendo e vi o beijo.

Intrometida só um pouco, né!?

-Mel! - ouvi a voz de Jean me gritando.

-Uau! - Paula disse, boquiaberta.

Levantei o olhar e vi um Jean que eu nunca tinha visto antes

E sério... aquilo poderia ser uma cena de filme se estivesse em câmera lenta.

O cabelo molhado, gotas de água escorrendo pelo peitoral definido dele e uma bermuda caindo. Provavelmente ele acabara de sair de uma chuveirada no vestiário do ginásio.

Como alguém podia ser tão... gostoso?

-E aí? - ele disse, parando um pouco distante de mim, de forma que seu abdômen divido em vários gominhos estava na linha dos meus olhos. - Mel? - ele se abaixou pra olhar nos meus olhos.

-Ah... oi. - respondi, me levantei e saí andando. Eu não queria ter que conversar com um Jean sem camisa. Eu não me responsabilizaria pelos meus atos.

Mas, é claro que ele não me deixou ir muito mais longe. Ele me puxou pelo cotovelo, me obrigando a virar pra ele.

-Me solta. - eu disse, com a voz tão calma que quase pareceu um choramingo.

-Tô indo... até mais... - disse Paula, mas eu quase não ouvi.

-Olha... você está me evitando. Por quê?

-Jean, o mundo não gira ao seu redor não, sabia? Por que eu te evitaria? Eu posso só estar na TPM, ou posso só estar pensando demais nos meus pais, ou...

-Ah, sim, claro. E você fica na TPM exatamente depois da gente...

-Da gente o quê? - o interrompi sussurrando - Qual parte de “isso não aconteceu” você não pegou? À propósito, meu braço tá doendo. - ele relaxou a mão o suficiente pra não me machucar, mas não me deixava escapar de qualquer forma. - O que você quer?

-À essa altura, todo mundo já sabe o que aconteceu. A questão é que não significou nada. - pra você, pensei. E, se isso escapou, ele não demonstrou. - Eu terminei com a Liz por razões que não têm exatamente nada a ver com aquilo.

Estreitei os olhos. O que ele queria dizer? Me soltei com um puxão e ele não tentou me pegar de novo. Talvez porque conseguia ver no meu olhar que eu fiquei curiosa.

-A situação é exatamente ao contrário. Eu não terminei com ela porque fiquei com você. Eu fiquei com você porque queria terminar com ela. Era algo inevitável. E essa culpa idiota no seu olhar me mata por dentro. Por alguma porra de motivo, sua dor me machuca também. - em outras circunstâncias, eu ficaria feliz ao ouvir essas palavras. Eu me sentei de volta e ele sentou do meu lado.

-Já reparou no quanto Liz é magra? - ele perguntou, por algum motivo.

-É a primeira coisa que chama atenção nela. Antes mesmo do cabelo de alemã. - respondi. Jean riu pelo nariz, por algum motivo.

-Eu e Liz somos amigos desde que... o mundo é mundo, eu acho. Quando a gente começou a namorar, ela estava em depressão porque a avó dela tinha morrido. E então ela se curou. Mas ela não era a mesma e eu sabia disso. Ela quase não comia, não parava de emagrecer e... eu não conseguia mais enxergar o porque ainda éramos namorados. A gente era praticamente irmãos que se beijavam de vez em quando. E eu decidi terminar. Mas, exatamente no dia em que eu ia falar isso pra ela, ela desmaiou depois de me beijar. E quando a gente levou ela pro médico, ela estava pesando 34 quilos. - por que diabos ele estava me contando aquilo? - E a gente descobriu que ela estava anoréxica. E eu não tive coragem de terminar. Agora ela é quase a mesma Liz de antes da avó dela morrer, mas ainda não tinha coragem de terminar, com medo de que ela sofresse tudo de novo. E aí você apareceu. - engoli em seco – E tive coragem de te beijar sábado. E tive coragem de terminar com a Liz. Você tem noção da bagunça que causou na minha vida?

Ficamos em silêncio por algum tempo, só encarando os alunos durante o intervalo. Palavras não eram necessárias.

E então tocou o sinal e deveríamos ir pra aula.

-Obrigada por me salvar da Paula tagarela. - eu disse e a gente riu juntos.

-Vai pra casa dos seus pais no sábado? - ele perguntou.

-Eu prometi, né?!

Ele balançou a cabeça.

-Desculpa por ter enlouquecido no sábado. Eu realmente não estava normal. - falei, enfim. Aquilo estava me matando.

Ele me abraçou de lado pelos ombros e eu passei os braços pela cintura dele.

-É bom ter você te volta, Mel. - ele sussurrou, como se não quisesse que eu escutasse, então não respondi.

E a gente andou até a aula de história juntos.

Mas era muito bom ter um amigo de novo.

*

Jaquelinne surgiu do nada quando eu estava no caminho pra meu quarto no fim da aula.

-Eu preciso muito falar com você. - ela pegou no meu braço, sussurrou no meu ouvido e me arrastou pra dentro do meu quarto.

Eu agora era tão forte quanto ela, mas, ainda assim, meu braço doía com as unhas verdes dela.

-Você precisa deixar Castrea. Com urgência. - ela segurava nos meus ombros e me encarava com intensidade. E as palavras dela fizeram tanto sentido pra mim. Era tão óbvio que eu deveria fazer aquilo. - E você vai esquecer Jean. - e eu sabia que ela estava certa. Era uma sensação de que tudo que ela dissesse era lei e ordem. Fazer o que ela mandava era o certo.

E, pelos pensamentos dela, eu soube que ela estava usando algum poder alheio. Que impunha. Que quase me obrigava a fazer o que ela disse.

-Você não é a única telepata nesse quarto, Jaquelinne. - eu disse.

Ela arregalou os olhos, soltou meus ombros e sentou na minha cama. Passou-se alguns segundos antes de eu sentar ao lado dela.

E perceber que ela chorava.

Ela não levantou o olhar quando eu cheguei perto dela.

-Me desculpa, Melissa... - ela disse e parou pra soluçar. - Eu só... queria proteger meus amigos e Jean e você. Foi o melhor em que pude pensar... afastar você desse mundo é o melhor pra você e pra qualquer um que esteja envolvido com você. - ela, então, olhou pra mim – Me desculpa. - ela chorou muito agora.

Eu não sabia o que falar, ou talvez não quisesse falar. Porque, na verdade, eu estava muito brava com ela.

-Eu sou uma idiota. - ela disse, secando as lágrimas que ainda insistia em cair. - Eu sou tão influenciável!

Uns 15 segundos se passaram antes de minha ficha cair.

-Liz mandou você fazer isso?! - perguntei.

Ela não respondeu e... ficou óbvio.

Como eu não tinha percebido isso antes? Andei em direção a porta pra ir falar com Liz, mas Jaquelinne me segurou antes de eu sair.

Com os olhos inchados e vermelhos, uma regata cinza respingada de lágrimas e uma expressão de terror no olhar, Jaque já não parecia tão bonita quanto na primeira vez em que eu a vi.

-Não vai. - ela disse – Liz é vingativa e pode te matar em dois tempos.

Ela conseguiu me assustar pela primeira vez. E eu me sentei de volta. Ela sentou do meu lado.

Ficamos em silêncio por um tempo indeterminado.

-Você tá brava comigo? - ela sussurrou.

-Claro. - respondi, mas o meu tom não foi rude, o que me surpreendeu e, ao que parecia, a Jaque também.

-Eu realmente gostei de você e queria ser sua amiga. Mas agora eu estraguei tudo.

Suspirei e me aproximei dela.

-Jaque... tá tudo bem. Liz só está fazendo o que eu faria no lugar dela.

-Sério? - ela fez uma cara engraçada.

-Um pouquinho exagerada, talvez, mas ainda assim – a gente riu juntas.

-Ela viu você e Jean abraçados hoje no intervalo e... ela enlouqueceu. Ela me am... implorou para que eu roubasse o poder de Alice e te tirar da vida dela. Ela passou por muita coisa nos últimos dois anos e...

-Tá tudo... bem. - eu não queria usar essa palavra, mas... era o que tinha pra hoje – Nós podemos ser amigas. Se você não tentar me manipular de novo, é claro.

Sorrimos uma pra outra.

Dois amigos em um dia.

Era um progresso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Xis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.