Jogos Meio-sangrentos escrita por Lord Camaleão


Capítulo 29
Capítulo 29 - Sangue lavado pelas ondas


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente quero agradecer ao Kaochi pela recomendação! Me sinto motivado a continuar a cada vez que vocês fazem isso.

Em segundo, uma novidade que pode soar mal pra vocês, mas que provavelmente irá me conectar mais ao Nyah: Estou como coautor de uma fanfic interativa de Jogos Vorazes (inclusive com vagas abertas). A proposta da fic é interessantíssima e garanto que vocês gostarão de participar. Aqui vai o link:

https://fanfiction.com.br/historia/639812/A_Volta_dos_Jogos_Vorazes_-_Interativa/

Talvez alguns não ficarão tão felizes assim no final deste capítulo, mas espero que gostem.



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Peter Black – 3

Peter estava muito feliz.

De acordo com a voz misteriosa do céu, aquele era o dia de seu pai, e que lindo dia! O sol nascera grande e amarelo e Peter pescava o café da manhã com sua lança. Sua aliança estava em uma imensa baía, quase fechada e cercada lateralmente por um alto penhasco. Portanto, as ondas eram calmas e a água repleta de peixes.

Quando conseguira pescar cinco peixes do tamanho de um antebraço humano, Peter voltou à praia.

O dia estava quente, então era inviável usar os moletons. Todos cobriam seus troncos com as regatas que usavam por debaixo da blusa, exceto Gabrielle e Ethan, que usavam apenas um top e nada, respectivamente. Exibidos, pensou Peter enquanto olhava para sua própria barriga, nada definida. As horas a fio de treino garantiram a Ethan e Gabrielle uma armadura natural. A filha de Atena não tinha corpo de academia, mas podia-se perceber que ele era preparado para qualquer combate.

Enquanto o filho de Ares carregava uma pilha de madeira, Hannah acendia o fogo sobre alguns gravetos e Gabrielle afiava sua faca. Noah conferia se sua rede não estava danificada.

Quando Peter pisou na areia, Ethan chamou o grupo. O ciclope retirou os peixes do cabo da lança e virou-se para ouvi-lo.

– Noah irá assar os peixes e logo sairemos daqui. Não mataremos nenhum tributo fazendo um luau na praia. Além do mais, este é o dia de Poseidon, então não podemos esperar coisas boas vindas do mar.

– Ethan – interveio Noah. Ele parecia emburrado – Estamos a salvo e com bastante comida. Sim, é o dia de Poseidon, mas esta aliança possui dois filhos do mesmo. Não há onda que eu não possa controlar e não há criatura que Peter não consiga estrangular – Peter ficou orgulhoso por ter sido mencionado – Que tal você parar de bancar o caçador de menininhas e usar a cabeça?

– Você esqueceu que o nosso objetivo aqui é matar. Somos os mais fortes e mais temidos dos tributos, e devemos usar essa vantagem ao invés de passar o dia comendo peixe com areia. Por isso, vamos embora agora.

– Por que pensa que pode nos dizer o que fazer ou não? – Noah fitou Ethan com o cenho franzido, olhos azuis nos olhos azuis. Ethan era bem mais alto, mas o irmão de Peter não se sentia intimidado. Aquilo estava ficando muito feio.

– Porque sou o mais forte daqui – respondeu Ethan erguendo o queixo.

– Por ser o primeiro lugar de um ranking fajuto? – Noah sorriu.

– Não; por isto – Ethan desembainhou uma de suas espadas e ergueu-a contra o rosto de Noah. Peter, impulsivamente partiu para cima do filho de Ares com os punhos cerrados.

O ciclope logo arrancou a arma da mão do rapaz, segurando-a pela lâmina. Logo sentira as extremidades afiadas cortando a palma de sua mão, mas ele não ligou e atirou-a na areia. Ethan ameaçou desembainhar sua outra espada, mas Peter também a arrancou e lançou-a fora. O filho de Ares tentou atacá-lo com os punhos, mas Peter o segurou pelo pescoço. O ciclope era o único mais alto que ele, então conseguiu erguê-lo do chão.

Gabrielle partiu para atacar Peter, mas ele também a segurou pelo pescoço e ergueu-a. Antes que Hannah fizesse o mesmo, o ciclope virou-se para ela e ameaçou-a com os dois tributos suspensos e de rostos avermelhados.

– Vocês podem ir, mas eu e meu irmão ficaremos aqui – disse Peter, soltando seus agora ex-aliados – Nem pensem em voltar, ou eu vou acabar com vocês.

Ethan e Gabrielle pegaram suas armas de volta, arfando.

– Hannah. Pegue suas coisas e vamos embora – Ethan pegou suas armas e suprimentos e antes de virar as costas olhou para Peter – Você não vai escapar ciclope. Nos veremos de novo.

– Tcha-au! – Peter sorriu e acenou para eles enquanto partiam com suas mochilas.

O ciclope olhou para o irmão.

– Noah?

– Sim?

– Como vamos limpar esses peixes sem o facão de Gabrielle?

– Daremos um jeito. Se não conseguirmos, você ainda tem um pacote de carne crua.... Ou podemos comer sushi haha!

– É, sushi é bom.

– Peter – Noah deu um meio sorriso – Obrigado. Você pode ser desajeitado e meio tonto às vezes, mas é um cara legal.

– Valeu maninho – Peter sorriu de volta

– O.k., mas não me chame de maninho, mano, parceiro ou qualquer coisa do tipo.

– Tá certo... Noah.

O semideus acenou com a cabeça em concordância.

Peter estava muito feliz.


Damon Scamander – 13

Callista não parecia feliz, mesmo com a foice que ganhara.

Damon percebeu seu nervosismo e até uma certa aflição. Por muitas vezes durante o restante do dia anterior, sua irmã indicou direções diferentes para seguirem. Ele dividiu o saco de dormir com ela à noite e sentiu que a irmã não conseguira dormir.

– Philipe – sussurrou Damon para o aliado – Percebeu que a Cal está meio nervosa?

– Provavelmente deve estar preocupada com os Carreiristas.

– Todos estamos. Mas nunca a vi tão inquieta.

– Eu estou bem – Callista virou o rosto para os meninos – Não há nada com o que se preocupar – Os nós de seus dedos estavam brancos ao redor do cabo escuro da foice. A lâmina polida e afiada refletia os olhos azuis gélidos da irmã. Olhos que certamente mereciam a preocupação de Damon.


O sol estava prestes a ficar alto no céu. Damon nunca havia experimentado lagartos antes, mas era o que Callista conseguira caçar. Philipe não gostou muito da cauda assada que recebera, mas para Damon, matar a fome era o que importava. Estavam na base de um morro que erguia-se, íngreme demais para se escalar sem equipamentos. Ele fazia uma sombra, mesmo que pequena devido ao horário.

De repente, Callista virou para trás.

– Ouviu alguma coisa? – Perguntou Philipe.

– Eu, eu...

A primeira coisa que Damon viu foram os músculos expostos de Ethan e Gabrielle. Eram atraentes, mas aterrorizantes. Imediatamente sentiu calor por debaixo de seu moletom preto. Seu sangue passou a borbulhar mais do que nunca. Os três tributos mais fortes da Arena estavam frente à frente deles e iriam massacrá-los.

Damon agarrou o braço de Philipe, aflito. A irmã de Ethan olhou para eles, sorrindo.

– Fazendo uma fogueira para assar lagartos... Uma fogueira com bastante fumaça. O que foi? As bichinhas estão com medo? – debochou ela.

– Quieta Hannah – repreendeu Gabrielle – Vocês sabem que vamos matar vocês agora. Querem lutar antes ou aceitar a rendição?

– Você está muito confiante, filha de Atena – Callista empunhou a foice. Sua voz estava trêmula.

– Gabrielle, Hannah – disse Ethan, em uma voz gélida, desembainhando as duas espadas ao mesmo tempo – Matem os meninos; eu fico com Callista.

Damon olhou para Philipe, que segurava uma chave de fenda e uma chave inglesa.

– Alguma ferramenta para o combate? – perguntou o filho de Hefesto.

– Acho que consigo ficar apenas com as mãos. Talvez eu...

Os Carreiristas não tinham tempo para considerações finais. Ethan avançou com suas lâminas para Callista e as semideusas já corriam na direção deles.

Hannah empunhava três facas pequenas enquanto Gabrielle carregava um facão. As garotas os empurraram para direções distintas, mas Damon pôde ouvir Gabrielle dizendo:

– Sabe, garoto... Matei sua irmã com este facão aqui – a filha de Atena encurralou Philipe contra uma árvore – Olha que graça, uma mesma arma matando dois irmãos.

Damon arregaçou as mangas do moletom e tentou sentir a energia mortífera chegar às pontas dos seus dedos. No entanto, Hannah atirou uma de suas facas em seu braço direito. Damon quis se jogar no chão, mas tentou ficar em pé, apesar de já ver pontos brancos.

Ouviu Philipe cair no chão com um baque. A lâmina de Gabrielle não estava suja e nenhuma harpia havia piado, mas Damon não poderia supor que o aliado estava bem.

Hannah socou o rosto de Damon e ele caiu no chão também.

– Gabrielle – chamou Hannah. Damon ouvira sua voz ecoando, mas provavelmente era por efeito do golpe – Ajude-me com este aqui. Ele é perigoso.

Gabrielle deixou o corpo desacordado de Philipe para trás e juntou-se à aliada para matar o filho de Hades. A garota de Atena sentou-se sobre as costas de Damon e agarrou seus braços, cobrindo-os com as mangas do moletom; e imobilizou-os, colocando suas palmas viradas para o chão.

Hannah agarrou seus cabelos, levantando sua cabeça e fazendo-o assistir ao combate de Ethan e Callista.

A irmã de Damon estava ajoelhada, já não segurava sua foice. Ethan estava com o peito direito cortado, mas ainda vivo e forte.

– Cal! – Damon gritou e gemeu ao mesmo tempo – Você consegue! – Hannah puxou ainda mais seus cabelos negros, o que fez Damon morder os lábios e lacrimejar. Apesar da morte iminente, ele precisava incentivar a irmã. Ela era forte, inteligente e astuta. E nem um Carreirista bem treinado e sarado poderia vencê-la.

Mas Callista virou seu rosto para Damon, desanimada. Os olhos azuis gélidos há até pouco tempo elétricos e inquietos agora estavam petrificados. Suas pálpebras estavam quase cerradas e ela parecia querer pedir desculpas. Sem tempo para despedidas, a espada de Ethan perfurou sua garganta vagarosamente, sem arrancar nenhum grito dela.

O grito de Damon foi agoniante. Hannah puxou ainda mais seus cabelos e Gabrielle agarrou ainda mais seus braços. Enquanto Ethan aproximava-se dele, a harpia de Callista anunciou sua morte. Suas duas lâminas estavam sujas, uma mais do que a outra.

– Agora garoto – disse ele, com uma voz mansa – É a sua vez.

Damon sentiu a energia da morte percorrer seu corpo. Não conseguira tocar em ninguém, apenas afundar seus dedos na terra. Ele chorou e olhou para as mãos, percebendo que a terra ao redor delas estava rachada e seca.

Como água derramada, a energia da morte correu pelo chão, matando pequenas plantas e insetos. Ethan deu um passo para trás, assustado, mas tropeçou e caiu. Gabrielle e Hannah, com medo de tocarem em Damon, afastaram-se, deixando-o sobre os joelhos.

A energia fluía rumo aos pés do Carreirista. Damon não olhava mais para Ethan com medo, mas com raiva. O chão, tornando-se acinzentado, avançava para um dos pés do filho de Ares. Suas sobrancelhas estavam franzidas de espanto, curiosidade, mas não de medo. Ethan gemeu quando a energia alcançou a ponta do seu pé.

Damon iria matá-lo, assim como ele matara sua irmã. Olhou para o rosto do Carreirista, olhou para seus olhos fechados, olhou para...

Para a onda gigante que saltava o morro. A água primeiramente jorrou sobre a fogueira com lagartos espetados, apagando-a. Depois lavou o sangue do corpo inerte de Callista. Então Damon não pôde mais analisar nada, pois a onda torrente carregava seu corpo, o de Philipe e dos Carreiristas para longe.

A altura da água chegava a mais de dois metros. Damon esquecera como se nadava, balançando os braços freneticamente. Não via mais os Carreiristas, não via Philipe ou o corpo de Callista. Tentou alcançar os galhos da copa de uma árvore, sem sucesso.

Então, ele submergiu, exausto. A energia mortífera deixara seus membros fracos, fracos demais para nadar. A água o levava, enquanto Damon olhava para o fundo do mar que se tornara a floresta, com sementes ao invés de corais e coelhos afogados ao invés de arraias.

Damon não conseguiria sobreviver àquilo. Cal, uma exímia heroína, forte e audaciosa, fora derrotada; logo ele também iria. E o logo era agora.

Ele fechou os olhos, soltando bolhas, removendo o oxigênio dos seus pulmões. Damon sentiu seus braços agarrando suas costelas, puxando-o para cima. Não, aqueles não eram seus braços.

– Philipe? – Damon cuspiu água ao ver que o aliado o puxara para a superfície.

– Agarre-se neste próximo tronco... Agora! – o filho de Hefesto empurrou Damon para a árvore e ele agarrou-a, obedecendo-o. Em seguida, o aliado fizera o mesmo, abraçando o outro lado.

Damon inclinou a cabeça, a fim de ver o rosto de Philipe. Seu lado esquerdo começara a inchar devido ao soco que levara de Gabrielle. Seus cachos não estavam tão enrolados devido à água. Mas ele continuava lindo.

– Nós perdemos tudo – Damon olhou para o outro garoto – Suprimentos, comida... Perdemos a Cal.

– Não perdemos um ao outro ainda – Philipe deu um meio sorriso, retraído devido ao inchaço – Estamos aqui, abraçados nessa árvore; vivos.

O garoto de Hefesto parou de olhar para Damon e passou a acompanhar algo que se movia no chão da floresta, arrastado pela água. O garoto então mergulhou. Para um filho do deus do fogo, Philipe nadava muito bem.

O aliado logo emergiu e voltou a nadar contra a correnteza, rumo à árvore onde Damon estava. Ele carregava algo.

– Nós definitivamente – disse Philipe, arfando – Não perdemos tudo.

Ele então ergueu o objeto que encontrara. A lâmina prateada da foice de Callista repentinamente rasgou a superfície da água, iluminando os olhos escuros de Damon.


Peter Black – 3

Peter estava aterrorizado.

A baía repentinamente fora tomada por uma onda gigante. Uma onda que parecia ter sido formada do fundo do mar, tomado a altura de um prédio de três andares e desabado sobre Peter e Noah.

Se os outros Carreiristas estivessem ali, certamente morreriam. Mas tanto Peter quanto Noah sabiam respirar debaixo d’água, então os metros e metros cúbicos de água que os cobriam não seria um problema.

Todos os suprimentos haviam sido arrastados pela correnteza, exceto a lança do ciclope, que era mantida firme na mão esquerda. Ele e Noah, nadando, continuaram na região da praia. Noah estava parado, há quinze metros de distância de Peter. O irmão parecia menos desesperado.

– Peter – disse ele – Creio que perdi meu tridente.

– Podemos procurar no fundo da água – Peter olhou para a areia abaixo da água agitada – É uma arma pesada, não pode ter ido muito longe.

Logo após Noah, ele mergulhou. Peter era um ciclope, então conseguia enxergar claramente no fundo do mar. O que antes era terra seca, agora estava lotada de caramujos, algas e peixes.

Noah nadava próximo ao fundo, sobre a areia, afastando-se de Peter. O ciclope nadou rumo à floresta e aos troncos submersos. Longos minutos de procura depois, decidiu emergir, para sentir novamente o ar no rosto. A água chegava perto das copas das árvores e o garoto pôde ver pássaros e pequenos répteis e mamíferos que sobreviveram empoleirados, esperando as águas baixarem.

Peter submergiu novamente, dessa vez voltando para a praia. De longe avistou a silhueta do irmão, nadando, mas não era a única que via. Havia duas garotas a uma dezena de metros dele; garotas com caudas de enguia.

Peter prendeu a respiração, mesmo que isso não fosse necessário. Começou a nadar rumo a Noah, aflito. Alguns segundos depois, uma explosão de água elevou as sereias aos céus. Elas rodopiaram no ar e caíram de volta na região alagada, uma delas mais perto de Peter. O ciclope agora mergulhara para localizar a criatura.

Quando avistou a sereia, ela já nadava em sua direção. Tinha longos cabelos cor de musgo penteados em dreads e uma pele pálida, cuja era possível notar suas veias roxas. Os olhos cor de limão não tinham íris e de sua boca carnuda aberta saíam presas afiadas como estacas. Peter não pensou duas vezes antes de atirar sua lança no peito desnudo do monstro.

A criatura soltou bolhas e um fluído negro enquanto afundava. A pesada lança repousou no fundo da água e a sereia debateu-se e perdeu sangue até tornar-se apenas uma mancha escura líquida. Peter não tinha tempo de resgatar sua arma, precisava ir atrás de seu irmão.

Assim que virou o olhar para a região aonde estava Noah, viu-o lutando não com uma, não duas mas cerca de dez sereias. Além disso, o quíntuplo delas vinha de encontro a ele. Peter não sabia se podia ajudá-lo, mas devia tentar. Aquele era um risco de morte, mas um risco que valeria a pena. Se era para Noah morrer, Peter deveria morrer também, mas protegendo-o.

Nadou em direção ao cardume de sereias que cercava o semideus de Poseidon. O garoto mantinha um círculo de água em volta dele, mas eram muitas sereias. Muitas. Em um último esforço, Noah provocou uma grande onda circular em volta de si, arrastando algumas sereias para longe. Depois ouviu-se um estrondo e um tremor. Peter não sabia se foi por causa da onda ou se aquilo já estava programado, mas a água vibrou, assim como a copa das árvores. Poseidon era também o deus dos terremotos.

As sereias remanescentes não ligaram para o tremor e voltaram a atacar Noah. Mas antes que ele pudesse se defender mais uma vez, uma parte do penhasco, do tamanho de uma pequena fazenda, que ficava ao lado da baía rachou-se e despencou no oceano. Isso provocou outra onda gigantesca que arrastou Peter para a floresta, mas cobriu Noah e as sereias por completo.

Peter nadou até encontrar terra seca, mas devido ao terremoto, caiu no chão. Resolveu permanecer deitado com os joelhos no peito e as mãos nos ouvidos.

O terremoto durou longos minutos. Árvores caíram, rochas rolaram. Ouvia-se ainda partes do penhasco desabando como pedaços de calotas polares.

Assim que o tremor passou, Peter ouviu uma harpia. Levantou-se e, cambaleante, correu para a água, torcendo para ainda ver Noah lutando contra as sereias.

Por favor, cara, pensou Peter. Você não.

A harpia que piara agora voava em direção ao mar. Peter ofegava e seu olho lacrimejava. Como uma flecha, a mulher-ave azulada mergulhou. Peter virou-se e correu para a floresta antes que ele a visse tirar o corpo submerso de Noah.


Annye Claire Todd – 8

Annye quase afundou junto com o penhasco. Ela estava “quase morrendo” muito em tão curto período.

Desde que saíra do Espelho, nunca tinha descido a enorme formação rochosa. Passara o dia de Hera inteiro alimentando-se de frutinhas que juntara enquanto seguia Alan e Alamanda. Precisava acostumar seu corpo a pequenas quantidades de comida. Lá de cima ela conseguira avistar os Carreiristas – mesmo que a distância os fizessem parecer pontos na areia –, sua divisão e a seguinte onda gigante.

O lago, que antes ficava a dezenas de metros da borda do penhasco agora marcava sua nova ponta. Por poucos metros de desabamento Annye não perdeu seus itens.

Quando o terremoto começou, Annye juntou sua mochila com cobertor, corda e uma faca, além de sua aljava e correu monte abaixo, segurando firme seu arco. Quando encontrou um lugar seguro, não tão elevado e fora do alcance da água, sentou-se e esperou o tremor passar.

Ela não sentiu medo, apenas preocupação. Pensou em Rosalya, sua irmã Caçadora. Era a primeira vez que pensava em um tributo a não ser ela mesma. Torceu para que ela estivesse segura.

Com o fim do terremoto, veio o pio da harpia, que fez o estômago de Annye embrulhar. Mas com um suspiro de falso alívio ela seguiu floresta adentro, com o pensamento de que com toda aquela catástrofe ao menos um rival havia partido.

A floresta por onde andava, embora não alagada, cheirava a sal. Alguns animais ainda hesitavam em descer ao chão, com razão. Annye andou com os olhos nas copas das árvores. Alguns minutos vendo pássaros sacudirem-se e o que pareciam lêmures ajuntarem-se em galhos, catando os parasitas uns dos outros.

Então Annye avistou o que parecia ser um monstro cabisbaixo sentado em um tronco recém caído. Mas logo percebeu que ele tinha uma blusa moletom atada à cintura e usava as mesmas regata, calças e botas que os demais competidores usavam. Era o tributo ciclope.

Ele não a percebera ainda, o que era uma ótima chance para que ela o acertasse com uma flecha. Pegou uma de sua aljava e a encaixou na linha do arco. Mirou na nuca exposta do ciclope, mas percebeu que sua mão estava trêmula.

Me poupe Annye, disse ela para si mesma. É apenas um ciclope. É apenas um concorrente. É apenas um homem.

As Caçadoras foram ensinadas a não temerem os homens, ao contrário da maioria das mulheres. Muito menos sentirem pena deles. Eles não eram essenciais para suas vidas, e muito menos deveriam representar uma ameaça para as mesmas.

Mas... mas aquele ciclope, aquele homem... Ele chorava. Era alto, mas estava indefeso; parecia imponente, mas seu olho azul de esclera avermelhada dizia o contrário.

Annye não tinha mais o cenho franzido. Seu rosto permaneceu sereno e confuso até ela deixar o arco cair e o ciclope olhar para ela. O filho de Poseidon vira o arco em sua mão e ainda lacrimejava, mas assumira um rosto ameaçador e raivoso.

A comoção de Annye desapareceu como se tivesse sido soprada pelo vento marítimo. O monstro-homem urrou para ela, com mãos em punho, mas a Caçadora agilmente sacou sua faca do bolso da mochila.

– Quer lutar? – disse ela rispidamente, como uma filha de Éris deveria soar – Vem aqui então – Ele não seria páreo para ela, apesar dos músculos e da altura. Apenas um dos dois sairia vivo daquele combate e ela apostava todas as suas fichas nela mesma.

Annye olhou fixamente para o ciclope, olhos cor-de-rosa no olho azul.


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Notas finais do capítulo

Imagino a Baía dos Peixes (sim, ela tem um nome, já que é o presente de Poseidon) depois do terremoto assim, mas com menos árvores no penhasco:

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Vejo você nos reviews!