Jogos Meio-sangrentos escrita por Lord Camaleão


Capítulo 24
Capítulo 24 - Pratos do tormento


Notas iniciais do capítulo

Olá crianças, este capítulo retrata a última noite antes da Arena, com um evento especial! Lembrem-se que haverá mais um capítulo antes dos Jogos começarem de fato (afinal, Brandon, Philipe e Alamanda ainda não tiveram seus POVs), então sejam pacientes e por favor comentem, os comentários de vocês são minha principal motivação para continuar a fic.

Antes que vocês leiam, aqui vai o resultado do ranking dos tributos favoritos. Apenas três leitores enviaram seus rankings, então essa não é a opinião de todos vocês, mas não posso obrigá-los a fazerem as tarefas. Irei divulgar apenas os cinco primeiros, porque serão os que ganharão dádivas, mas se você quiser saber todas as colocações, me mande uma MP.

1º Alamanda Vitoria Greenfield
2º Callista Hastings
3º Rosalya Alice Bellapis
4º Valentina Fontaine
5º George Blacksmith



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/398290/chapter/24

David Hudson – 12

Valentina parecia uma princesa em sua entrevista.

A estilista dela e de seu irmão havia feito um ótimo trabalho deixando-os parecidos com personagens da Disney. O rapaz, Alan, estava vestido como um príncipe. Usava um casaco azul marinho bem escuro, gola alta e com detalhes dourados, além de ombreiras feitas de ouro. Uma faixa dourada atravessava a peça diagonalmente e ele ostentava uma medalha em forma de pomba. Usava calças pretas e luvas brancas.

Alan conversava com sua aliada e irmã de David, Alamanda. O nome dos dois combinava como uma dupla sertaneja e aquela era uma piada secreta entre David e Valentina.

Alamanda por sua vez usava um vestido um tanto ousado, nada parecido com uma princesa. Mas ela ainda era linda. O vestido era longo e feito de um tecido roxo tão leve que parecia que iria voar a qualquer segundo. Tinha uma fenda que revelava sua perna esquerda quase que completamente. Ele era amarrado no pescoço, deixando os ombros nus e livres para que videiras fossem falsamente tatuadas em seu ombro direito. O cabelo era amarrado em um coque farto e decorado com folhas. Algumas mechas cor de caramelo escapavam do penteado. A maquiagem era uma brincadeira sobre sua heterocromia: o olho direito fora maquiado com sombra verde e o esquerdo com sombra azul, ambos combinando com as cores de suas íris.

Agora Valentina se despedia do público e, com a ajuda de Adônis, voltara ao backstage. Seu vestido era bem longo e rodado, certamente estava usando uma armação por baixo. Ele era rosa, mas não um rosa forte; era rosa como as flores do campo. Seu vestido era composto por camadas que pareciam imensas pétalas de rosas. Era no estilo tomara-que-caia, o que deixava sua clavículas à mostra. Usava um delicado colar de diamantes e uma tiara de brilhantes enfeitava seus cabelos alaranjados amarrados em um coque elegante.

– Você está incrível – David balbuciou as palavras à aliada.

– Já ouvi isso uma porção de vezes hoje – ela riu. Valentina tinha o dom de vangloriar-se sem parecer esnobe – Mas obrigada. De novo. Você também está bonito.

– Se considera um smoking roxo e uma gravata borboleta que muda de cor toda hora bonitos, obrigado.

Valentina tocou em sua gravata, que acabara de mudar do vermelho para o rosa berrante. Sua estilista tivera a brilhante ideia de fazer uma gravata multicolorida que mudasse de cor toda hora, como se estivesse bêbada.

David pôs sua mão sobre a dela, deixando os dedos da garota entre os dele e a gravata, agora violeta. Os olhos dele pediam um beijo.

– David – ela olhou para ele – Não. Em outras circunstâncias eu até teria jogado charme em você, mas hoje não. Além do mais, tem pessoas olhando pra gente – ela indicou os filhos de Hefesto e Hades sentados em um sofá próximo, além de Alan e Alamanda.

David apenas não ouviu. Fechou os olhos e inclinou-se para beijá-la.

Desde pequeno David fora audacioso. Sua mãe o encorajava a isso. Ela dizia “Se você não tentar algo que tem vontade de fazer, talvez se arrependa amargamente quando não tiver mais oportunidades”. Isso o fazia ter coragem para entrar em clubes de esportes, inventar cortes de cabelo ou provar frutas estranhas. Poderia render fraturas, um cabelo ridículo ou um gosto amargo na boca, mas David sentia-se satisfeito. Satisfeito por tentar.

Esperou para saber se sua tentativa seria falha ou não.

Valentina colou seus lábios nos dele.

Para que alguém leve um choque, basta enfiar um pequeno clipe de papel em uma tomada, nada mais. Apenas um pequeno contato conduz grande quantidade de energia de um meio para outro.

David e Valentina mantinham apenas seus lábios colados, sem amassos ou beijos de novela. Apenas os lábios. Eram o suficiente para que David explodisse de felicidade, com inúmeros fogos de artifício saindo de suas terminações nervosas. Se sentia alto, completo.

O beijo findou-se com a chegada de Alan. Valentina ouviu Adônis parabenizando-o por sua entrevista e virou-se para falar com ele.

David sentou-se em um sofá, ao lado de Alamanda. Ela parecia ter assistido ao beijo, mas não parecia surpresa, animada ou algo do tipo. Ela não era uma garota comum.

– Não vai parabenizar Alan pela entrevista? – ele perguntou à irmã. David não falava muito com ela, porque ela sempre parecera superior.

– Não – ela respondeu, seca. Ela virou os olhos de duas cores para ele – Não tentamos elogiar um ao outro. Tudo o que nós fazemos neste lugar é para agradar a Gaia e a seus monstros, não a nós mesmos.

– Está nervosa?

– Para uma entrevista? Haha, não. Além disso eu já consegui segundo lugar no ranking dos tributos, então não preciso impressionar muito hoje. E não precisa falar muito quando se usa um vestido bonito que chama a tenção.

David sorriu, sem graça. Se não conhecesse Alamanda, diria que ela estava sendo narcisista. Mas aquele era o jeito dela, sem falsas modéstias. Ela reconhecia seus defeitos, mas sabia ainda mais reconhecer suas qualidades.

– E como anda sua aliança? – ela perguntou a ele, franzindo as sobrancelhas e rindo. David corou.

– Valentina não é minha única aliada – ele tentou soar o mais natural possível, tentando imitar a irmã mais nova em seu ar desdenhoso – Tenho os dois filhos de Deméter e um filho de Zeus.

– É uma aliança grande, não?

– Talvez. Mas nós já criamos certa intimidade, como uma pequena família. Brandon é mais reservado, mas é esperto e disposto a ajudar.

– Isso era o que eu temia. Não se apegue aos seus aliados, David. Vai ter uma hora em que você terá que vê-los morrer – Alamanda aproximou sua boca ao ouvido de David – Eu por exemplo planejo matar Alan se for necessário. Eu gosto dele, acho ele bonito e ele não é idiota. Mas são nossas vidas que estão em jogo. Então só peço para que você tome cuidado com os outros tributos, com a Arena... e com seus próprios aliados.

Como se estivesse esperando a conversa acabar, um telquine chamou Alamanda para se posicionar, já que a entrevista do filho de Hermes estava acabando. Quando a garota se levantou, Ariadne seguiu-a, verificando se as folhas ainda estavam bem desenhadas em seu ombro.

Quando o último entrevistado, Damon Scamander, saiu do palco, Hera chamou todos os tributos para que recebessem os aplausos finais do público. Eles entraram em fila indiana, David entre Alamanda e Callista. Quando viraram-se para o público, ele procurou alguém que estivesse olhando para ele. Encontrou ciclopes mandando beijos para Alamanda, uma empusa gritando por Alan e até um ciclope jogando flores para Valentina. Mas apesar do smoking roxo e da gravata multicolorida, David não chamara a atenção de ninguém.

Ao saírem da sede da TV Hefesto, doze liteiras esperavam os tributos. Elas eram maiores do que as anteriores, cabendo cerca de seis pessoas.

– Ah estou tão animada para este jantar! – disse Candace, sua estilista. Candace era uma mênade bastante eufórica e apaixonada por roxo. Podia notar-se isso por sua roupa, maquiagem e cor de cabelo.

Ela subiu na liteira e Alamanda foi a próxima. David ajudou Ariadne a subir e por fim ele entrou. Dentro da cabine já se encontravam Príapo e Póllux.

– E então, se saíram bem? – perguntou Príapo mais para Alamanda do que para David. Claramente ele gostava mais dela, mas aquilo não era problema. Póllux dava mais atenção ao garoto, e David preferia ele ao deus “avantajado”.

– O público me aplaudiu – Alamanda comprimiu as bochechas – De pé.

David disse o mesmo, com exceção da segunda parte.

Eles estavam voltando para o Alojamento dos Tributos, claramente. O jantar seria no próprio prédio, mas aonde?

Quando desceram, havia uma estranha mulher com cabelos de cobras-corais e pés de galo, vestindo um uniforme roxo. Era provavelmente uma das górgonas, irmãs da Medusa. Ela parecia sorrir com seus dentes de javali apesar de provavelmente saber que a irmã fora morta pelo filho de Atena ontem.

– Boa noite semideuses! Eu sou Euríale e vou guiá-los até o salão do jantar. Peço para que formem uma fila por ordem de chalé. Partindo das suas esquerdas devem ficar lado a lado: estilista; mentor divino; tributo masculino; tributo feminino; conselheiro do Chalé e Representante. Deve entrar no elevador apenas um casal de tributos e seu respectivo Corpo de Apoio por vez. Por favor, respeitem as normas.

David procurou seu lugar atrás do filho de Hermes enquanto Alamanda ficava à sua direita e Príapo à sua esquerda. Procurou saber se Candace, Póllux e Ariadne estavam em seus devidos lugares. Euríale parecia amigável, mas suas corais e presas indicavam que ela agiria violentamente contra a desordem, principalmente vindas de semideuses.

As portas do elevador se abriram e os tributos do Um e seu Corpo de Apoio entraram. Em pouco mais de um minuto as portas já se abriam de novo. Euríale mudou o ciclope filho de Poseidon de lugar, alegando que ele deveria ocupar o lugar do tributo feminino. Ele pareceu não gostar, mas entrou no elevador relutante.

Longos minutos se passaram até que chegou a vez de David. Euríale disse para que apertassem o botão do segundo andar.

– Então está explicado o porquê de o segundo andar não ser habitado – disse Ariadne procurando o botão com o número Dois – Os filhos de Zeus ocupam o primeiro andar e os filhos de Poseidon ocupam o terceiro, mas diziam que o segundo era um lugar especial.

– Talvez seja o andar de Hera – disse Póllux.

– Faz sentido – David olhou para os sapatos enquanto as portas se abriam. A fila fora formada mais uma vez, só que em um enorme salão de mármore branco. Outra górgona organizava as posições.

– Olá filhos de Dioniso! Eu sou Esteno – saudou ela. Era quase idêntica a Euríale, mas tinha serpentes verdes no lugar de corais e não parecia tão ameaçadora apesar de também ter dentes de javali – Aceitam um enroladinho de queijo e salsicha?

– Sim, obrigado – David foi o único a aceitar. Ele não era do tipo de recusar comida. Era quase um crime para ele.

Eles seguiram para detrás dos filhos de Hermes mais uma vez. David olhou para cima, onde um candelabro de cristal pendia no teto, dez metros acima dele. O forro pintado parecia com as obras barrocas de Michelangelo, mas ao invés de anjos, vacas aladas eram retratadas saltando por entre as nuvens. Aquele certamente era o andar de Hera.

As portas do elevador se abriram uma última vez, trazendo os filhos de Hades e seus acompanhantes. Esteno foi até eles para posicioná-los e oferecer mais enroladinhos. Junto com eles veio Euríale, para abrir as portas do salão.

A mesa de jantar era enorme, formava um U como os chalés do Acampamento. Porém não parecia haver lugar para todos. David não era bom em matemática, mas deveriam ter mais ou menos setenta cadeiras para todos. E não tinham nem cinquenta.

– Este salão é reservado apenas para os Corpos de Apoio – disse Esteno, conduzindo os mentores do Um para cadeiras que pareciam marcadas para eles.

– Os tributos irão jantar no próximo salão – disse Euríale enquanto Ariadne e Póllux se despediam de David – Por favor me acompanhem.

As próximas portas ficavam bem distantes da mesa, quase um corredor gigantesco. As paredes de mármore branco continham retratos de casamentos de todos os lugares e épocas. Pintados em imensos quadros, cerimônias em imensas catedrais, casais vikings e noivas indianas. Entre uma imagem e outra ficava uma estátua de pavão feita de ferro incrustada de safiras, esmeraldas e ouro.

– Olhe as mangas daquele vestido – Alamanda apontou para um quadro enquanto segurava a mão de David – Parecem balões haha! Algum problema em pegar sua mão?

– Não – David ruborizou – É que você não parece gostar muito de mim... e isso foi uma surpresa.

– Eu não odeio você – ela fez uma careta – Somos irmãos. E esse talvez seja o último momento que passaremos juntos. Então acho que vou ser bem chata e grudenta e você vai segurar minha mão como um bom irmão mais velho.

– Ok, acho que eu aguento o sufoco – a risada de David foi interrompida pela voz de Euríale.

– Tributos, em formação. Vocês agora...

– Por que essa sósia barata da Medusa pede que estejamos tão arrumados? – Alamanda sussurrou um deboche.

– ... E seus lugares estão marcados, então não se preocupem com falta de cadeiras. Uma última coisa: tenham um bom jantar.

A górgona abriu os portões e os tributos começaram a entrar. A arquitetura do salão parecia a mesma do resto do andar. Mas David não pôde ver muito antes de entrar de fato. Quando estava mais próximo da entrada viu que outras pessoas ocupavam as cadeiras. Adultos. Deuses.

David por uma fração de segundo pensou em procurar uma plaquinha com seu nome, mas era claro que ele se sentaria ao lado do homem de terno marrom e camisa com estampa de oncinha. O Sr. D. Seu pai.

Eles moravam no mesmo acampamento, se viam praticamente todo dia. Mas David havia conversado com ele apenas uma vez, talvez duas.

Pela lógica aparente, os deuses e seus filhos estavam organizados da mesma maneira que os chalés do Acampamento Meio-sangue. A mesa tinha um formato de trapézio bem comprido, quase um retângulo. Na ponta mais larga sentava-se Zeus com seu terno risca de giz e sua barba cinza entre seus dois filhos e Hera ao lado da garota. Na ponta mais estreita estava Hades vestido inteiramente de preto como seus dois filhos. E entre eles dois, os deuses posicionavam-se à direita do rei do Olimpo e as deusas e Dioniso à sua esquerda.

O chalé de Hermes sempre zombava por Dioniso estar no time das garotas.

Mas assim como o Chalé 10 ficava ao lado do Chalé 12, David sentara-se ao lado de Valentina. Pela lógica, os garotos sentavam à direita de seus pais e garotas à esquerda.

David olhou para Afrodite, mãe da garota. Ela usava um vestido turquesa, com pedras azuis decorando-o. Ela era parecidíssima com Valentina, com lábios rosados, olhos claros e cabelos ruivos presos em um penteado majestoso. Mas de repente sua pele alva tingiu-se de um negro cor de chocolate amargo e os cabelos escureceram-se e cachearam-se. Seus lábios ficaram maiores e seu rosto mais anguloso.

A deusa da beleza conseguia mostrar que era linda das mais diversas maneiras. Além disso demonstrava o quanto era parecida com seus dois filhos, por mais que eles fossem tão diferentes.

– Sua mãe é o máximo – David sussurrou para Valentina.

– De quem você acha que eu puxei isso tudo? – Valentina inclinou o pescoço para trás com ar de superioridade.

– Eu já disse que você está incrível? – David abriu um sorriso.

– Não lembro – disse ela, ironizando – Talvez não.

David não disse nada, apenas colocou sua mão sobre a dela. E observou seus olhos, seu cabelo... Dioniso certamente não estava ligando para ele e preocupava-se mais em ouvir as piadas de Hermes e beber vinho com Alamanda. Mas Valentina olhava para ele, sim ela olhava.

– Bem, nunca tive a oportunidade de falar com você antes dos Jogos, ou até mesmo levar você para sair. Então encare esse jantar cheio de semideuses que podem nos matar e nossos pais ao lado como uma espécie de encontro.

– Ok – ela riu – Estamos tendo um encontro agora.

Valentina o beijou na bochecha.

Josh Nicky – 4

Ironicamente, a melhor noite da vida de Josh antecedia o pior dia de todos.

Ele vira sua mãe pela primeira vez. Ela não era muito parecida com ele, mas era linda. Aparentava ter um pouco mais de quarenta e cinco anos; e sua pele era um pouco mais escura que a de Elena. Ela tinha um sorriso aconchegante e ao mesmo tempo engraçado que lembrava Perséfone. Seu cabelo era amarrado em um coque como o de Despina, mas enfeitado com pequenas flores campestres, enquanto o vestido sem alças ou mangas era feito de trigo verde, tendo pouquíssimas sementes maduras.

Mas o que mais encantara Josh em Deméter eram seus olhos. Eram da cor de trigo maduro e dourado, pronto para ser colhido. Da cor do pôr-do-sol.

– Vocês treinaram? – perguntou ela a Josh e Elena – Se machucaram?

– Eu ralei meu antebraço enquanto trabalhava com armadilhas, mas nada muito grave – Josh tocou no braço do paletó verde musgo.

– Oh, querido! Tenha cuidado! Estou tão preocupada com vocês – a deusa segurou as mãos de Josh e Elena e levou-as aos lábios.

– Deméter, querida – Hera interveio. Ela bebia em uma taça de cristal sofisticada algo que parecia leite – Não subestime seus próprios filhos. Pelo que eles me disseram nas entrevistas mostraram ser garotos determinados. Eles têm potencial – a deusa piscou seu grande olho verde para Josh. Ele sorriu tímido.

As portas do salão se abriram e dezenas de pratos entraram voando como frisbees, acompanhados de vozes agoniantes. Imediatamente todos os deuses puseram as mãos nos ouvidos e fecharam os olhos, tremendo, alguns gritando. Quando todos os pratos pousaram nas mesas, os olimpianos recobraram a consciência, alguns mais outros menos.

– O que foi isso? – Elena perguntou, atordoada.

– Malditos! – bradou Zeus, o senhor do Olimpo.

– Gaia vê até um jantar como forma de nos oprimir! – exclamou Hermes no final da mesa. O deus mensageiro tinha cabelos encaracolados e usava um paletó cor de chumbo e uma camisa azul, além de uma gravata roxa enfeitada com peças espirais de prata que Josh não conseguia definir. Elas pareciam se mover.

– Mas o que raios foi isso? – um deus barbudo, usando um colete velho e um relógio de bolso perguntou. Provavelmente Hefesto.

– Lemures – Hades levantou-se. O marido de Perséfone era pálido e tinha longos cabelos amarrados para trás.

– Como o Zoboomafoo? – Hermes riu e seus filhos o acompanharam. Josh soltou um risinho, mas ele aparentemente fora o único que achara aquilo engraçado.

– Não – o senhor do Mundo Inferior tentou manter a paciência – São espíritos vingativos, que por algum motivo que desconheço, estão servindo como garçons hoje. Eles nos causaram tal alvoroço porque não pertencem a nós, quero dizer, ao nosso mundo. A presença dessas criaturas agravaram nossas crises de personalidade.

– Mas não podemos deixar isso nos abalar – a mãe de Josh levantou-se e isso o orgulhou um pouco. Ela sorriu e abriu os braços – Os pratos estão à nossa mesa e devemos aproveitar esse jantar com nossos filhos. Vamos comer!

Ela sentou-se e Josh olhou para seu prato. Puramente vegetariano, o que era ótimo. Couve-flor, cenoura, alface, tomates-cereja e grão de bico acompanhado de um molho de alcaparras. Em uma taça de prata, continha uma bebida amarela que surpreendentemente era feita de milho e leite.

O prato de sua mãe e o de Elena era o mesmo, parecia que havia sido preparado pela própria Deméter.

À sua direita, Hera comia uma salada de folhas verdes e sementes, com um pedaço redondo de carne de soja no centro. Ao lado dela estava a filha de Zeus, Reyna, que assim como o pai e o irmão, comia o peito de alguma ave grande acompanhado de macarrão em forma de tubo e um molho branco e verde. Bebia champanhe em uma taça de ouro fina.

Olhou para os demais deuses e seus pratos. O rei dos mares usava uma camisa havaiana por debaixo do paletó cinza e comia algum prato baseado em frutos do mar. Ares e seus filhos dividiam uma imensa porção de carne de javali.

Moveu seus olhos para o deus Apolo, que usava um terno laranja aberto, uma camisa branca e uma gravata borboleta preta. Ele era jovem, parecia ter a mesma idade dos filhos. Comia salmão assado e uma salada com cores vibrantes. Bebia um drinque de abacaxi com uma rodela no copo.

Ao lado deles sentava-se Hefesto e seus filhos. Eles tomavam um sopa fumegante. O deus ferreiro não tinha muita etiqueta, e nem se importava em ter: sujava a barba de caldo, colocava os cotovelos na mesa. Aquilo não parecia importar muito sua filha, mas o garoto estava tenso. Ele estava... olhando para Josh.

Josh desviou o olhar, garfando um grão de bico e comendo-o. Voltou a olhar na direção do garoto e seu olhar ainda o seguia. Estava ele flertando? Não, ele não parecia querer algo com ele, Josh muito menos. Percebeu que o garoto não se parecia com seu pai, nem na aparência, muito menos na postura. Ele se sentia desconfortável.

Josh também percebeu que o garoto não olhava apenas para ele, mas para Deméter, Elena, as roupas e os pratos. Percebeu que ele desejava aquilo. Desejava usar verde, se comunicar com plantas, ser filho da deusa da agricultura e não do deus do fogo.

– Está gostando da comida, querido? – a mãe de Josh perguntou, notando que ele não havia comido muito.

– Estava apenas pensando em algumas coisas – Josh abriu um sorriso, não queria vê-la preocupada.

– Oh, querido, não pense nos Jogos, não agora – sua mão amendoada tocou os dedos de Josh.

– Ma-mas... Essa é a primeira vez que a vejo e talvez a última.

– Não querido, não pense assim! – Deméter largou seus talheres e abraçou Josh. Sentiu-a acariciando seus cabelos cor de soja – Ainda nos veremos, prometo.

Josh olhou para a cenoura e o couve flor. Para o filho de Hefesto, com seus grandes olhos castanhos lacrimejantes – esperou que fosse por causa da sopa quente. Depois de dezesseis anos de solidão e incompreensão, Josh se sentia acolhido por uma mãe, sentia-se a criança que nunca foi.

– Espero que isso se cumpra mamãe.

Hannah Dalewood – 5

O pai de Hannah falava alto, bebia chopp de néctar e mastigava de boca aberta. Ela gostava dele.

Ares usava terno branco e uma camisa vermelha. Sua gravata era estampada com a imagem de uma pilha de caveiras ensanguentadas. Ele usava óculos escuros, mas a garota podia ver que ele tinha olhos brilhantes por trás deles, como faróis de carro. Riu mentalmente ao compará-lo com o Ciclope dos X-men.

Hannah pensou como Ares seria se vivesse junto com ela, como um pai normal. Certamente ele já teria se divorciado de sua mãe histérica, mas Hannah moraria com ele. Suas risadas altas e atos mal-educados eram bem mais agradáveis do que os gritos de uma mulher insana.

Ele conversava com Poseidon enquanto roía costelas de javali. Cada deus oferecera para seus filhos um prato de sua especialidade. Noah, sentado ao seu lado, comia uma espécie de guisado de frutos do mar e algas. Ela torcera o nariz para o prato do aliado, mas o garoto parecia satisfeito.

Bem à sua frente estava George, o garoto que matara a Medusa. À esquerda dele estava sua mãe, Atena. Era uma mulher que aparentava quarenta anos, o cabelo preto amarrado para trás em um rabo de cavalo discreto. Ela usava um vestido cor de grafite com galhos bordados. A deusa parecia apática, mas seus olhos cinzentos eram elétricos, atormentados. Quando os lemures entraram no salão Atena chegou a gritar. Ela parecia a mais atormentada com isso.

George comia alguma ave acompanhada de uma salada de alface e azeitonas e um fio de azeite por cima. Parecia bom, mas light demais para Hannah. Ela preferia a carne de javali com molho de pimenta e salada de espinafre que estava quase acabando em seu prato.

– Coma bastante, garota – Ares inclinou-se para falar com ela, ele era muito alto – Vai precisar de energia para matá-los amanhã – ele apontou o queixo para o final da mesa, para ninguém especificamente, mas ao mesmo tempo para todos.

As Caçadoras pareciam bem à vontade com Ártemis, provavelmente porque a conheciam há muito tempo. A deusa não parecia querer ocupar o lugar de mãe das garotas, apesar de que elas eram as únicas que não jantavam com seus progenitores divinos. Ártemis parecia uma jovem de dezesseis anos, usando um vestido prateado, mas não chamativo. Ela caçoava da garota de mechas roxas enquanto pegava um pedaço de carne assada do prato da mesma.

Aquela poderia ser a última noite de muitos deles. Mas quem? Das Caçadoras que estavam prestes a perder a imortalidade garantida? Do filho de Dioniso e da filha de Afrodite que brindavam alegres? Ou dela mesma?

Hannah poderia estar morta a esta hora amanhã.

Riu consigo mesma enquanto mastigava uma folha de espinafre. Não, ela não morreria amanhã. Ela mataria pessoas amanhã. Era uma pena que Leah não estivesse em seu campo de visão naquele momento. Queria ameaçá-la uma última vez antes da Arena.

Hannah preparava-se desde que se voluntariou na Colheita. A cada instante seu cérebro a convencia de que ela era forte, de que ela conseguiria tudo o que quisesse. Que ela não precisava de ninguém.

– Tudo bem com você, menina? – seu pai perguntou.

– Sim – Hannah escondeu sua preocupação – Só estava pensando se meu estômago tinha espaço para mais javali. Cheguei à conclusão que sim.

– HAHAHAHA – Ares abriu uma gargalhada – Você parece um gatinho mas é um tigre faminto! MAIS COMIDA! – o deus da guerra bateu os punhos na mesa e outro prato veio voando e foi trocado pelo outro cheio de ossos.

Hannah agradeceu e mordeu o pedaço de pernil. Algo que aprendeu enquanto vivia nas ruas era nunca desperdiçar nada. Leah ensinara isso. A maldita filha de Hermes não havia feito apenas coisas ruins.

Vinte minutos depois que Hannah terminou seu jantar, as górgonas abriram os portões do salão.

– Deuses e semideuses, o jantar deve se encerrar agora pois os tributos precisam descansar. Deverão estar com coragem e vigor para a Arena – disse a monstrenga com cobras vermelhas na cabeça – Peço para que formem filas similares às anteriores e que os olimpianos acompanhem seus filhos até seus respetivos andares.

Todos levantaram-se quase juntos. Zeus e seus dois filhos foram os primeiros a sair. Hera levantou-se, mas ficou parada, esperando a saída dos demais. Ares colocou-se entre Hannah e Ethan e andou logo atrás da deusa Deméter. O salão onde o Corpo de Apoio jantara estava vazio.

Os três foram os quartos a entrarem no elevador, cumprindo o protocolo. Quando as portas se fecharam Ares segurou na mão dela e de Ethan. Aquilo a surpreendera.

– Vençam – disse ele, inclinando o queixo para o chão. Ele não falou como uma ordem ou um conselho. Falou como uma súplica – Só um de vocês dois pode sobreviver, mas lutem por vocês mesmos. Não tenham medo de matar, não tenham medo de nada.

A mão de Hannah era pequena comparada a de Ares, com dedos grossos e ásperos. Ele provavelmente não estava acostumado a segurar mãos, portanto parecia que ele queria juntar o dedo indicador ao mindinho dela.

– Eu quero orgulhá-lo – disse Ethan, cabisbaixo. Provavelmente aquela era a frase mais sentimental que ele dissera desde a Colheita.

Hannah não tinha muito a dizer então apenas segurou o braço musculoso escondido debaixo do terno branco do deus. Ela sentiu o pulso de Ares, o sangue bombeando. Sangue divino, sangue de um guerreiro. A garota lembrou que tinha esse mesmo sangue, ou ao menos metade dele.

Chegaram ao quinto andar. Havia um pequeno corredor que levava à porta do imenso apartamento.

– Eu queria entrar aí com vocês. Nunca mais falei com Clarisse – disse o pai de Hannah – Aliás, queria ir com vocês para a Arena, ver um pouco de sangue fresco. Mas os olimpianos estão passando por problemas. Inclusive são esses problemas que fazem com que vocês tenham que estar aqui. Se os deuses estivessem com a mente mais clara teríamos eliminado aquela cara de lama antes que ela pensasse em surgir. Mas nós nos sentimos incapazes, principalmente eu. Tem horas que me pego pensando, sim eu penso, se sou um deus grego ou... Ah, porcaria, chega de baboseira! Vão dormir, pirralhos! Estejam descansados para trucidar uns otários amanhã.

Ethan saiu e Hannah seguiu-o. O elevador se fechou e Hannah teve a impressão de ter ouvido uma explosão. Não das engrenagens da cabine, mas algo dentro dela. Talvez Ares estivesse explodindo como uma bomba atômica. Explodindo de raiva, explodindo de medo.

Clarisse roncava no sofá enquanto um documentário especial sobre os tributos passava na TV. Um casal sentado em um sofá exibia jarros de flores e fotos de uma garotinha sardenta. Eram os pais adotivos da garota do Quatro.

Vocês insistem em não falar sobre o que ela está participando – disse a mulher loira – Mas acredito que Elena irá vencer. Ela é uma boa garota.

A apresentadora do documentário, uma harpia, fez algumas considerações finais sobre os filhos de Deméter. E antes de chamar os comerciais, ela mostrou cenas do próximo bloco. Como se era de imaginar, iriam falar sobre a vida dos filhos de Ares. Uma idosa que era da família de Ethan abria e fechava a boca, mas ao invés de sua fala, a voz da apresentadora anunciava.

– Como cresceu Ethan Litvyak, o que conseguiu primeiro lugar no ranking de tributos? E como foi a infância da notável Hannah Dalewood? – a imagem da velha mudou para a de uma mulher séria, de pele amendoada e cabelos escuros como os de Hannah. Sua mãe ainda mantinha as sobrancelhas franzidas e as linhas de expressão duras.

Hannah não quis ouvir mais nada daquele maldito programa. Correu para seu quarto, os saltos altos fazendo barulho. Trancou-se no quarto e tirou os sapatos. Correu para o banheiro e ligou o chuveiro.

O banheiro tinha uma das paredes espelhadas, de forma que onde quer que alguém estivesse, seu reflexo era visível.

Ao ver a água escorrendo pelo seu cabelo, desmanchando o penteado artificialmente rebelde, Hannah notou que ainda usava o vestido. O vestido longo era de renda vermelha e imitava uma rede de armadilha. Usava um vestido branco, mais curto e colado por baixo. Ele começava a ficar transparente.

Hannah chorou. Passou as lágrimas pelos olhos, borrando a maquiagem escura. Cabelo grudava em seu rosto. Sentou-se, abraçando as pernas por debaixo da renda molhada. Amanhã ela iria para os Jogos Meio-sangrentos e temia não ter a coragem que o pai tinha. Temia ser mais uma vez uma garota solitária, abandonada nas ruas. Ela não queria confiar em mais ninguém, independentemente de quantos aliados ela tivesse, mas tinha medo de ficar sozinha. Encolhida, como nas ruas, como naquele exato momento.

A água era quente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Ficou com fome ao ler? Imagine eu que passei uma tarde inteira pesquisando pratos e mais pratos. Nem todos foram devidamente descritos, então mandarei o "cardápio" aqui embaixo. Gostaria de saber qual prato você comeria.

Zeus: Peito de cisne assado com molho de manteiga e ervas; acompanhado de macarrão tubo com molho de queijo de búfala e ervas - Bebida: champanhe de maçã

Hera: Carne de soja cozida e compactada; acompanhada de salada de capim limão e sementes de linhaça - Bebida: leite morno

Poseidon: Guisado de frutos do mar (camarão, polvo, siri, etc.); acompanhado de algas - Bebida: suco de água de coco com limão

Deméter: Salada de alface, couve-flor, cenoura e tomates cereja; acompanhado de grãos de bico ao molho de alcaparras - Bebida: vitamina de milho

Ares: Carne de javali assada ao molho de pimenta; acompanhado de salada de espinafre - Bebida: chopp de néctar (chopp normal e sem álcool para os tributos)

Atena: Carne de perdiz defumada; acompanhada de salada de alface crespa com azeitonas pretas e verdes e azeite de oliva - Bebida: chá verde.

Apolo: Filé de salmão assado ao molho de limão; acompanhado de salada de alface, pêra e hortelã - Bebida: suco de abacaxi com limão (copo decorado com uma rodela de abacaxi e um mini guarda-chuva)

Ártemis: Churrasco de filé bovino bem passado; acompanhado de arroz integral com nozes e castanhas - Bebida: suco de amora.

Hefesto: Sopa de peru com batata, pimentão, cebola, tomate e pimenta (servida fumegante) - Bebida: café (servido apenas minutos depois do término da refeição).

Afrodite: Filé de carne bovina grelhado com molho de pimenta e creme de leite; acompanhado de amendoins e aspargos - Bebida: suco de morango (mal batido propositalmente, para deixar pedaços da fruta e sementes)

Hermes: Sanduíche de carne picada, tomate, alface e maionese verde - Bebida: Coca-cola (sim, é comida pra viagem)

Dionísio: Talharim ao molho de tomate e manjericão; acompanhado de cubos de carne e toscana cozidos no vinho tinto e grelhados - Bebida: vinho tinto.

Hades: Carneiro assado; acompanhado de cogumelos cozidos e cebolas roxas assadas - Bebida: suco de romã.