Jogos Meio-sangrentos escrita por Lord Camaleão


Capítulo 20
Capítulo 20 - Javali de areia


Notas iniciais do capítulo

Alô alô vocês sabem quem sou eu? Estou aqui depois de quase três meses, com a cara mais limpa do mundo. Eu estive em tempos difíceis de... gincana. Sim, escrever inúmeras peças, ensaiar quase todos os dias. E meus tempos livres nos quais me roía de vontade de escrever sempre me vinha uma tarefa e problema pra eu resolver.

Mas tudo isso acabou semana passada com a vitória da minha equipe e não contei tempo: passei essa última semana, de segunda até esta segunda (nem o Enem pôde me deter) escrevendo, apagando e rearranjando quase cinco mil palavras cheirosas pra vocês! Sim, o maior capítulo até agora.

Não sei se já expliquei o sistema de POVs pra vocês. O rodízio começou no primeiro capítulo do baile dos Patrocinadores, onde tivemos três tributos destacados. Cada capítulo vai ser assim, até a Arena. Teremos seis capítulos (este é o terceiro do rodízio, claro), com três POVs cada, de forma que um tributo esteja narrando até a Arena. Isso quer dizer que se já houve um POV de seu tributo nos dois capítulos do Baile e neste, ele só terá um próximo POV na Arena (se ele não morrer na Cornucópia hauahauauh). Isso não quer dizer que ele não será citado, até porque os tributos se relacionam e sempre haverá uma fala do seu personagem aqui e ali.

Por favor, não me peça para ter um POV no próximo capítulo, nas entrevistas, nas avaliações, etc. Já está tudo decidido e organizado na minha tabela no Word e algo só será mudado sob a minha vontade. Li as MPs de quem me enviou e escolhi as falas para entrevistas e avaliações mais apresentáveis (não entenda que serão as melhores). Mas espero que gostem. Esse rodízio serve para vocês conhecerem mais os outros tributos, afinal, quando eles morrerem deve ter alguém pra chorar sua morte além do próprio autor.

Enfim, já estou me demorando demais. Leiam e divirtam-se!



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Noah Mitchell – 3

– Acordem! – Tritão esmurrava as portas dos quartos – Não vieram para ficarem curtindo essa moleza o dia todo!

Noah afundou ainda mais sua cabeça no travesseiro de penas de grifo. Em cima do criado mudo uma calça e uma regata de malha, ambas pretas, o esperavam. Ambas tinham o número três estampado em branco. Logo após calçar as botas, seguiu para o café da manhã.

Todos da equipe estavam sentados à mesa, exceto ele. Anfitrite terminava de cortar em pequenas fatias um waffle para Tritão enquanto Índigo mexia seu suco de abacaxi com hortelã. Ondinie, sua estilista sereia, recebia borrifadas de água por uma dríade.

Sua estilista havia contado que o Acampamento dos Monstros era servido por dríades e sátiros. Eles não estavam lá porque queriam, não exatamente. Segundo Ondinie, a Mãe Gaia sussurrava no ouvido das criaturas da terra para que servissem-na. Ou seja, aquelas criaturas mudas que dobravam suas roupas e limpavam sua mesa provavelmente não sabiam onde estavam, nem podiam falar com ninguém.

Na mesa Peter estava vestido da mesma forma que ele, com a única diferença de que enquanto Noah usava M, o ciclope vestia GG. Ele comia os ovos de harpia mexidos de forma voraz e mal-educada. Aquilo o faria perder o apetite se não fosse pela necessidade de ganhar forças para o treinamento.

Não achava que deveria treinar, Noah já era bom demais. Mas era uma das atividades do evento. Além disso, segundo Índigo, eles não deveriam deixar os nervos esfriarem para Arena. E algo que o garoto almejava: impressionar e amedrontar seus concorrentes.

Quando desceu até o subterrâneo do prédio, uma meia dúzia de tributos já se encontrava, esperando o início oficial dos treinos. Teve que esperar mais uma meia hora até que todos estivessem presentes no Centro de Treinamento. A Instrutora Chefe, uma ciclope robusta e carrancuda começou a ditar as regras do local.

Um: nada de mortes. Qualquer tributo que matasse outro antes dos Jogos seria executado na hora.

Dois: Os treinos durariam das nove até as dezoito. Pausas eram permitidas a qualquer hora que os tributos desejassem.

Três: Seriam dois dias de treino, e no fim de cada um, uma simulação. As simulações eram denominadas “De Combate” e “De Sobrevivência”. Cada tributo escolheria apenas uma das duas, de forma que cada uma contivesse doze jovens. Noah escolheu a primeira.

Tendo as regras ditas, Noah procurou algo para fazer. Havia quatro centros: o Centro de Treino com Armas; o de Combate; de Atividades Manuais e o de Ambientes. Começar combatendo seria algo bom.

O Centro de Combate era uma grande área com paredes de vidro. Decidia-se por computador a quantidade de inimigos a serem enfrentados, a arma usada e o ambiente em que as lutas ocorreriam. As opções escolhidas foram “quatro”, “tridente” e “água”.

Ao entrar na área, as luzes se apagaram e grandes tubos começaram a expelir água. Em pouco tempo Noah já estava coberto até a cintura. Usando os poderes herdados de Poseidon, separou a água que circundava suas pernas, fazendo com que seus movimentos não se tornassem limitados pelo líquido.

Em pouco tempo, um holograma humanoide surgiu do alto, empunhando uma lança. Noah atirou seu tridente, que logo após atravessar o crânio na imagem caiu a cinco metros de distância. O semideus produziu uma pequena onda que trouxe a arma de volta para sua mão. Bem a tempo de bloquear o golpe da espada de um segundo holograma e fincar as três pontas afiadas em seu peito.

No canto oposto surgiu mais um holograma, mirando com um arco. Não havia tempo para correr até lá e atacá-lo. Ele atirou uma flecha, mas o filho de Poseidon desviou, derrubando o tridente. Aquele aparente momento de fraqueza o fez pensar em algo. Enquanto a imagem esticava sua corda brilhante mais uma vez, Noah levitou um fio d’água que sustentava o tridente. Lançou o jato até o holograma e logo após desviou da seta que o mesmo atirara antes de apagar-se. Faltava apenas um.

O último humanoide surgiu bem ao seu lado, pulando na água com um machado prestes a atacar. Noah decidiu fazer um gran finalle, para que quem quer que o estivesse assistindo ficasse surpreendido com seus poderes. Concentrando-se bastante, o garoto ergueu toda a água presente no recinto, como uma chuva inversa. A água agora acima dele prendia o boneco, fazendo-o piscar. Não sabia que hologramas morriam afogados, pensou Noah.

Construiu uma enorme esfera aquática, enquanto a imagem luminosa piscava e se debatia, até que se desintegrasse. Vendo seu sucesso, Noah soltou a água de uma vez, criando uma tsunami dentro da arena de vidro, que não o atingiu ou molhou.

Olhou para o lado de fora, enquanto a água escoava. Os dois tributos do chalé de Ares e a garota do chalé de Atena o fitavam de braços cruzados. Apesar da expressão de desdém, pareciam admirados. Noah viu neles aliados que poderiam levá-lo à vitória.

Valentina Fontaine – 10

Valentina demorou a escolher em qual dos quatro centros iria primeiro. Talvez brincar com armas fosse o melhor por enquanto. Escolhera a simulação de sobrevivência, então deveria treinar sua mira para não descompensar.

O Centro de Treino com Armas era dividido em vários pavilhões, um para cada arma diferente. Espadas, lanças e até adagas: todas com equipamentos adequados para um bom treinamento. Com o pavilhão de arco-e-flecha não era diferente. Cinco arcos, cinco alvos – situados a um distância ajustável – e inúmeras flechas eram disponibilizadas para os tributos.

O primeiro arco estava sendo manuseado por uma Caçadora de mechas roxas, que lançava flechas a cada dois segundos, como uma metralhadora. No segundo, uma garota de Ártemis, mais nova, lançava flechas pacientemente, mas nunca errando o alvo. Uma garota do Chalé 4 atirava com destreza, mas urrava quando errava o centro vermelho. A filha de Deméter parava de praticar apenas para ajudar o irmão, que usava o arco ao lado. O garoto não parecia muito experiente, mas aprendia rápido. O quinto e último arco estava repousado sobre o suporte, esperando por Valentina.

Ela estendeu a mão, já sentindo a energia e o vigor das flechas soprando ao seu ouvido. Mas antes de tocar a alça de metal, um braço mais ágil que o seu tomou a arma.

– Eu ia usar o arco agora – Valentina disse para a garota que já empunhava o arco.

– Tarde demais, eu cheguei primeiro – disse ela, conferindo a corda da arma – Sou Elizabeth, Chalé 7.

– Apresentações não são necessárias agora – Valentina avaliou o rosto fino e o cabelo castanho claro trançado da garota.

– Haha, o que foi? Ficou zangada? – Elizabeth ainda conferia a corda do arco, agora parecia mirar uma flecha imaginária – A Arena vai ser assim, garota. Se não for rápida o suficiente... – a filha de Apolo mirou sua flecha imaginária na testa de Valentina e atirou – Alguém chega antes de você e te mata.

– Obrigada pela dica... Elizabeth – Valentina queria treinar, não poderia perder tempo. E aquela menina não estava ajudando em nada. Talvez se usasse seus dons de Afrodite conseguiria êxito. – Mas eu preciso treinar. Estou tão insegura e você já é filha de Apolo, deve ser ótima em mira. Poderia até me ensinar. Você poderia, por favor, me dar esse arco – Valentina empregou o máximo de charme nas últimas palavras.

Como resposta, Elizabeth entreabriu os lábios e estendeu vagarosamente a mão com o arco para entregar à outra semideusa. Mas rapidamente sua mão recuou e a filha de Apolo soltou uma gargalhada.

– Não é só Afrodite que é a deusa da sedução hahaha! Mais sorte com o charme da próxima vez. E prometo que termino logo, ok? – Elizabeth piscou e Valentina resolveu virar-se. Não era uma garota de chorar pelo leite derramado, mas sim de misturá-lo com cappuccino e beber acompanhando um bom croissant.

Decidiu ir ao Centro de Ambientes. O setor era composto por diversas portas, cada uma com um dizer diferente. “Deserto”, “Montanha”, “Montanha de Neve” eram apenas alguns dos ambientes em que tributos simulariam escaladas, procuras por abrigo e água.

Valentina entrou pela porta “Floresta”, parecia ser a mais fácil. Esperava encontrar árvores, macacos e mosquitos, mas a sala apresentava apenas uma cabine metálica. Ao adentrar o local, uma voz fanha pediu para que a porta fosse fechada. Confinada na cabine, a mesma voz passou a ditar instruções.

Você escolheu a Floresta, ambiente cheio de árvores e animais. Ponha o seguinte bracelete no pulso. Ele o instruirá sobre os elementos a sua volta, além de ser sua chave de volta. Tome cuidado.

A cabine iluminou-se e Valentina já não estava cercada por metal, mas por altas árvores que cobriam a luz do sol forte. O bracelete em seu braço apitou e exibiu um holograma rudimentar da planta mais próxima.

Decidiu andar, catalogar algumas plantas e besouros que encontrasse pelo caminho. A natureza naquele lugar era de encher os olhos. Valentina poderia muito bem estender uma toalha naquele chão úmido e ouvir o canto de tantas aves de espécies diferentes; sentir o sol refletindo em seus cabelos alaranjados e as folhas caírem sobre seu rosto. Aquele ambiente nem parecia uma simulação para situações de perigo... A não ser pelos guinchos.

Guinchos, roncos, urros. Valentina olhou para trás a tempo de ver a vara de javalis correndo em sua direção. Seu bracelete piscou e a imagem de um porco raivoso surgiu sobre seu braço.

Javalis de Ares, tão furiosos quanto o deus. Não tente medir esforços quando estiverem em bando.

Procurou o esconderijo mais próximo: um matagal que cobria seus quadris. Valentina abaixou-se e rastejou o máximo que pôde por entre as folhas. Até que percebeu um farfalhar que não era produzido por ela. Os javalis. Levantou-se e correu.

Os cabelos agora soltos, balançavam ao vento e enroscavam-se nos carrapichos recém-adquiridos. A garota corria, parecendo uma tocha viva. Não ouvia mais os porcos, mas não poderia deixar de correr agora. Tentou ver alguma informação no bracelete, mas seus braços não pararam até esbarrar em algo. Em alguém.

– David? – Valentina por um instante riu ao encontrar o filho de Dioniso.

Os dois haviam se conhecido na noite anterior, durante o baile. Naquela troca de pares, ela acabara dançando durante algum tempo com o garoto, enquanto sua irmã, Alamanda, estava com Alan. Fora uma troca interessante, levando em conta os relatos de companheiro de chalé.

David cantava, era divertido e amava comer, mas não engordava. Valentina sentiu um pouco de inveja por sua eterna dieta de rúcula e salmão em contraponto às pizzas de calabresa e brownies de David. Ele também não era muito convencional: ria alto e tinha algumas piadas que levavam sua saúde mental em xeque. Valentina o achou um fofo. Talvez tentasse algo com ele se não fosse pela iminente morte certa de um dos dois ou ambos.

– Huahaha, então a Princesa dos Cisnes resolveu correr um pouco pelo mato? – David a olhou com seus olhos azuis enérgicos.

– Por favor David, não me faça chamá-lo de Rei-leopardo-azul-celeste. E estou fugindo de alguns javalis. Sugiro que faça o mesmo.

– Perder tempo do treinamento fugindo? Estava estudando algumas plantas silvestres, mas se tem perigo vindo, vamos interromper a simulação.

– Interromper?

– Estamos em uma simulação, princesa. Aperte este botão para desativar.

Valentina riu por dentro. Nada daquilo era real. Pressionou o botão azul enquanto as árvores, o guincho dos javalis e a grama tremeluziam à sua volta. Mas David ainda estava ali, intacto. E permaneceu assim mesmo quando o dia ensolarado na floresta se transformou na escuridão da cabine metálica.

Saiu junto a David da cabine “Floresta”, voltando à confusão de armas batendo, urros e armadilhas sendo testadas. E ainda teve a impressão de ouvir os guinchos dos javalis de Ares.

Gabrielle Charbonett – 6

Gabrielle conseguira uma aliança com os chalés 3 e 5, o que era ótimo. Ethan, Hannah, Noah e Peter. O ciclope cogitara chamar o irmão de Gabrielle, George, mas a garota não aceitara. George é um idiota.

Aquele fato era inegável, mas a ausência dele traria uma desvantagem para ela. Em uma situação de perigo, os dois pares de irmãos se uniriam entre si e ela ficaria sozinha. Mas aquilo não importava. Eles eram aliados, não amigos. Gabrielle não se importava em ser deixada por eles, muito menos em deixá-los. Eles serviriam até o tempo necessário.

Peter era forte, obedeceria como um cachorrinho. Noah era bom com água, como se pôde ver em sua performance no Centro de Combate, mas era esnobe. Hannah era pequena e ágil, movida pela raiva. Ethan, o mais perigoso dos quatro, era forte e esperto. Gabrielle deveria abrir o olho com ele. Talvez se desse uma de filha de Afrodite e jogasse seu charme ele não seria problema.

O dia de treinamento acabara, o que significava que era a hora da falada Simulação de Combate. Doze tributos – que provavelmente eram melhores em luta – iriam batalhar em uma simulação que explorava ao máximo sua força em manejar armas e matar seus adversários. Gabrielle estava empolgada.

No térreo do Hotel dos Tributos, onde funcionava o Centro de Treinamento, encontravam-se apenas os doze inscritos na primeira simulação. Gabrielle avaliou seus concorrentes temporários.

Sua aliança inteira estava lá, o que não era surpresa. Gabrielle era dentre os cinco, a mais habilidosa em sobrevivência, mas decidiu deixar essa habilidade oculta.

Também estava a aliança da rival de Hannah, Leah – exceto a própria filha de Hermes. A garota de Ares soltava risinhos irônicos para Ethan, como se zombasse da covardia da loira. Reyna, Jason e John – irmão de Leah – observavam Hannah com desdém.

A irmã de Jason conversava com uma Caçadora. A filha de Apolo e a serva de Ártemis pareciam formar uma bela dupla. Mas a Caçadora, filha de algum deus menor – que Gabrielle não fazia ideia de quem era – não parecia muito interessada. Ela tinha um estilo de lobo solitário. Lobos solitários eram ótimos de abater e fazer um agasalho.

Uma outra conversa, que parecia bem mais empolgante era a do garoto de Dioniso e a filha de Deméter. Gabrielle teve vontade de rir. Dois filhos de deuses das plantas enfrentando filhos de senhores do Olimpo e deuses da guerra. A filha de Atena imaginou um ataque combinado entre os dois: Uma rajada de espigas de milho aliadas a chuvas de uvas verdes. Iria ser divertido acabar com eles.

– Tributos, adentrem a sala de simulações – ordenou a monstruosa Instrutora Chefe.

Os semideuses entraram em fila. A sala que os esperava resumia-se em um círculo de poltronas reclinadas com computadores intercalados. Computadores com máscaras de inalação. As cadeiras estavam ordenadas por chalé. Gabrielle e os outros esperaram ordens da Instrutora para assentarem-se. Ela segurava uma prancheta, como se fosse fazer uma chamada. E de fato iria.

– Ao chamar seus nomes, assentem-se na poltrona indicada. Os primeiros nomes assentarão nas primeiras poltronas, conforme a lista. Reyna Mackenzie, Chalé 1...

A garota de olhos azuis e cabelo sobre o ombro sentou-se em sua poltrona e por um momento suspirou, preparando o corpo.

Noah Mitchell, Chalé 3. Seu aliado sentou-se e começou a alongar o pescoço.

Peter Black, Chalé 3. O ciclope sentou-se na poltrona um pouco maior que as demais e passou a testar a maciez do assento.

Elena Price, Chalé 4. A garota sardenta e de pele amendoada sentou-se, e ao contrário do que Gabrielle supunha, não se sentiu intimidada pelo ciclope a sua direita, muito menos pela semideusa que viria após ela.

Hannah Dalewood, Chalé 5. A pequena garota mascava chiclete com desdém. Gabrielle a achava bem revoltadinha para sua idade. Chegava a ser engraçada.

Ethan Litvyak, Chalé 5. Ethan andou calmamente até sua poltrona. Ao sentar-se, correu os dedos sobre os cabelos loiros.

Gabrielle Charbonett, Chalé 6. Era sua vez. Quando sentou-se ao lado de Ethan tentou desejá-lo sorte, mas ele parecia muito preocupado com as veias do próprio pulso. Iria ser difícil derrotá-lo, mas não impossível.

Elizabeth Maryan Lopes, Chalé 7. A garota de trança bem feita e sorriso no rosto desejou boa sorte para Gabrielle. A filha de Atena agradeceu com um sorriso falso no rosto. Não tinha paciência para essa encenação típica de concorrentes. Duvidava que Liza teria esse mesmo sorriso quando estivesse enfrentando alguém na Arena.

Jason Styles, Chalé 7. Quando o filho de Apolo passou, desejou boa sorte à garota do Um. Um capacho, pensou Gabrielle. Aquela garota era sortuda.

Annye Claire Todd, Chalé 8. A Caçadora mal-humorada passou por todos sem falar com ninguém e ao sentar-se ficou olhando fixamente para frente, para ninguém em especial.

John Bryan. Chalé 11. Quando sentou-se, Hannah teceu uma piadinha com Ethan. Provavelmente sobre Leah não estar lá. Gabrielle já estava cansada daquilo. Mal via a hora da filha de Ares matar logo aquela garota e parar de falar sobre “destruí-la, acabar com ela usando minhas próprias mãos”.

David Hudson, Chalé 12. Ao sentar-se, o filho de Dioniso tropeçou e quase caiu. Gabrielle e seus demais aliados riram. Ouviu Noah sussurrar “bêbado”, enquanto abafava os risos.

– Quietos, tributos – advertiu a Instrutora Ciclope Asquerosa Chefe. Ogros e telquines entraram na sala, e começaram a ligar os computadores – Os poderes divinos de alguns de vocês não serão validados pelo sistema, de forma que usarão apenas suas habilidades com armas. O sistema irá selecionar aleatoriamente a arma que vocês irão manusear. Quando um morrer, sua imagem desaparecerá da simulação e ele poderá ser dispensado. Esperem a contagem regressiva no telão que aparecerá sobre suas cabeças, senão serão desclassificados da simulação.

– O que recebe o vencedor? – perguntou Ethan.

– Boa fama diante dos Idealizadores e Patrocinadores – respondeu a Instrutora – A simulação também servirá para conhecer as táticas de seus concorrentes, pelo menos onze deles. Então permaneçam atentos e tentem não morrer. Esta é a simulação de uma possível realidade que vocês enfrentarão daqui a alguns dias. Assistentes, podem pôr as máscaras.

Um telquine fixou a máscara em Gabrielle, e poucos segundos depois de respirar o gás que por ela saía, adormeceu.

A primeira coisa que sentiu foi o calor. A nuvem de poeira sobre seu rosto aos poucos dissipava-se. Quando sua visão tornou-se nítida, percebeu o ambiente a sua volta. Além de um telão cúbico com o número 13 congelado, haviam várias plataformas de pedra – cada uma contendo um tributo em pé – e areia, muita areia. Estavam em um deserto.

Usavam a mesma camiseta e calça do treino, o que deixava os ombros expostos ao sol escaldante e o corpo abafado pelo tecido preto. À direita de Gabrielle, a sete metros de distância, estava Jason, do chalé de Apolo. À esquerda, a mesma distância, a filha de Deméter. Eles haviam mudado as posições.

Gabrielle analisou os tributos à sua volta. Alguns ainda eram nuvens de poeira em formação. Outros, assim como ela, estavam apenas esperando o sinal para atacar.

Percebeu o que estava em sua mão e em suas costas. Um arco e uma aljava. Bem útil para alguém que nunca treinou mira como eu, bufou Gabrielle. O garoto ao seu lado portava um soco-inglês e a garota um tacape.

Todos os tributos já pareciam compostos. A contagem regressiva começou.

Eu a vi treinando com arco-e-flecha, vai querer minha arma, pensou Gabrielle olhando para a garota do 4. Um tacape tem mais serventia do que estas flechas. Mas consegui-lo é o problema. Vou ter que dar o que ela quer e conseguir vencê-la com sua própria arma. Uma boa estratégia. O garoto de Apolo vai correndo para sua namoradinha e seu aliado provavelmente, então ele não será problema por enquanto.

Seis, cinco...

Hannah está com uma faca de caça, deve saber manusear. Peter está com um chicote, vai morrer logo. Ethan... está com uma adaga. Não vou conseguir vencê-lo com um tacape, mas há um jeito pra tudo.

Dois...

Mas um passo de cada vez. Primeiro matar a natureba, depois penso nos outros.

Zero.

Gabrielle estava certa, a garota de Deméter, Elena, corria em sua direção. Estúpida. Retirou duas flechas ao mesmo tempo da aljava, iria usá-las como punhais. Estavam quase perto. Gabrielle golpeou a outra tributo com o arco e jogou a arma para longe, levantando uma pequena nuvem de terra avermelhada.

Aquilo distraiu Elena por um segundo, tempo suficiente para atacar. Com a mão direita, Gabrielle partiu para cravar a flecha no pescoço da semideusa. Mas ela não era tão tola quanto a filha de Atena pensava. Segurou o braço da loira em pleno ar e empurrou o tacape contra seu estômago. Gabrielle arfou.

A arma de Elena era forte, mas não permitia ataques rápidos. Gabrielle ignorou a dor de seu abdômen e impôs toda sua força no braço esquerdo, que abraçou a filha de Deméter e cravou a outra flecha em suas costas. A garota urrou de dor e afastou-se, deixando o braço direito de Gabrielle livre. Elena retirou a flecha, deixando cair estranhamente uma cascata de areia. Estranho.

As duas avançaram uma contra a outra novamente. Dessa vez, Gabrielle conseguiu derrubar a outra garota, despertando um arquejo de dor pela ferida recém aberta.

– Garota, você não morre fácil! – Gabrielle disse entredentes, o corpo sobre o de Elena.

– Pensa que por eu não ser filha de uma deusa da guerra tenho desvantagens em relação a você? – disse Elena ofegante, o corpo comprimido – Saiba que sou muito forte, e acho bom você nã... ah!

Gabrielle não queria ouvir discursos agora. Enfiou a outra flecha no peito esquerdo da filha de Deméter. Elena começou a cuspir... areia? O rosto da tributo começou a rachar e a deformar-se como um castelo de areia chutado, até que Gabrielle se encontrasse sentada sobre uma pequena duna.

O telão cúbico piscou com a imagem de Elena Price, Chalé 4. Nela a garota se mostrava séria e determinada. Isso Gabrielle não poderia contestar. Mas estava derrotada. Por ela.

Em seguida, a imagem de John Bryan, do chalé de Hermes apareceu. Gabrielle viu Hannah e Peter reunidos, com poeira nas mãos, para logo serem atacados por Jason e Reyna, que logo reduziram o ciclope a pó e agora encurralavam a filha de Ares. Gabrielle pegou o tacape e correu em direção a ela. Quanto mais rápido corresse, mais forte seria seu golpe. Só precisava mirar bem.

O casal estava de costas pra Gabrielle, e Hannah notara a aproximação da filha de Atena, mas não esboçou nenhuma redação, além a de aparentemente amedrontada. Apenas deu um passo para trás, pisando no que antes era Peter e seu chicote. Gabrielle apoiou o tacape sobre o ombro, segurando-o com as duas mãos, para impulsioná-lo.

Não houve nem tempo de notar quem o atacara. A cabeça de Jason explodiu em uma nuvem de poeira, e logo em seguida o corpo fragmentou-se também.

A filha de Zeus exclamou algo, mas Hannah logo fez um corte em sua garganta, liberando mais poeira. Gabrielle largou o tacape no chão e juntou o soco inglês de Jason e o chicote de Peter. Pensou em matar Hannah agora, mas deveria lembrar que ela era sua aliada, e destruí-la mesmo em uma simulação traria uma péssima imagem.

Ethan parecia bem ocupado lutando contra o filho de Dioniso que não parecia tão fraco quanto Gabrielle pensara e manejava sua espada muito bem. Apesar de ser uma luta desleal entre espada e adaga, o filho de Ares logo venceria.

A desagradável filha de Apolo e a Caçadora ranzinza pareciam ter se unido para matar Noah, mas logo após destruí-lo, as duas passaram a travar uma luta patética para especialistas em mira: kopesh contra punhal duplo.

– Hannah, vamos acabar com aquela confusão – Gabrielle deu um risinho e partiu correndo rumo à dupla.

Ao vê-las, a Caçadora, que parecia mais alerta do que a oponente, atirou um dos punhais em direção a Gabrielle e sua aliada. Um movimento arriscado atirar uma arma daquele tamanho. Mas a força da seguidora de Ártemis acabou cravando a lâmina na testa de Hannah, que desmoronou instantaneamente.

A ação da garota deu tempo suficiente para sua atual oponente, Liza, golpear a garganta de Annye. A Caçadora segurou o pescoço, tentando evitar o ferimento, mas seu corpo já se dissolvia.

– Boa jogada com o kopesh garota. Vamos acabar logo com isso.

Liza sorriu. Gabrielle descobriu que odiava aquele rosto cínico.

Logo estalou o chicote e juntou o punhal que acertara Hannah. Agora tinha três armas e a filha de Apolo apenas uma. Seria fácil. Lançou a corda com o fim de enroscar os pés da garota, mas ela era rápida. Não conseguiria alcançá-la assim. Antes de pensar no próximo passo, Elizabeth correu em sua direção, com a lâmina na direção do pescoço de Gabrielle.

Desviou-se a tempo de a lâmina cortar apenas um de seus cachos loiro-escuros. Gabrielle gostaria de ter tempo para analisar se seu cabelo tinha se dissolvido em areia também, mas tinha uma garota ensolarada para eliminar. Abaixou-se para pegar um punhado da areia vermelha, para logo depois lançar no rosto da filha de Apolo.

Cof cof! Isso é golpe sujo!

Liza tentou dissipar a nuvem, mas Gabrielle logo a atacara no peito com seu punhal. Liza dissolvera-se em areia e o resto de seu corpo espalhou-se com a nuvem que até a pouco a atrapalhava.

Restam Ethan e o garoto das uvas. Logo após olhar para Ethan e seu combatente, o garoto do Doze teve seu corpo transpassado pela própria espada e desmoronou enquanto caía de joelhos. O filho de Ares fitou-a enquanto exibia suas habilidades com a espada e a adaga ao mesmo tempo.

– Se exibindo, Ethan Litvyak? – Gabrielle perguntou alto enquanto se aproximava dele lentamente.

Estavam a uns quinze metros de distância, o cubo com as imagens de Liza e o filho de Dioniso brilhando no céu entre eles. Um imenso sol se punha no deserto vermelho.

– Por que não exibe também seu... soco inglês e seu punhal, Charbonett? – o sorriso de Ethan não combinava com seu rosto duro e anguloso. Seus olhos azuis eram ainda mais cerrados pela areia.

– Gostaria de exibir os quatro oponentes que derrotei só aqui, mas eles viraram areia. Você matou quantos? Dois? Ah, o filho de Hermes foi sua irmã de treze anos que matou, aliada a um debilóide de um olho só. Você apenas deu cobertura. Então seu saldo é de apenas um.

– Dois com você.

– Cinco com você.

– Isso não é damas, onde quem vence é o que come mais peças – Ethan empunhou as armas – Aqui é xadrez, e vou derrubar seu rei.

– Estou cansada de ouvir Erictônio falar com meu irmão sobre xadrez, e você só me aborrece mais. Vamos lutar logo.

Gabrielle e Ethan agora corriam um contra o outro. Ao chegarem perto, a garota esquivou-se da espada do filho de Ares. Ela sorria enquanto ele virava as costas. Ele parecia um grande touro loiro enfurecido. O garoto permaneceu imóvel. Gabrielle se aproximou.

– O que foi, levou um xeque? – Gabrielle riu.

Ethan nada respondeu. Apenas respirou fundo e abaixou a cabeça.

– Vamos, Ethan. Eu quero chegar a tempo do jantar! George deve estar se enchendo de peru defumado e eu estou aqui, cansada, esperando só você se entregar.

Ainda de cabeça baixa, Ethan sussurrou.

– Tudo bem.

Ele levantou a cabeça e junto com ela, seu forte braço empunhando a espada. Em uma fração de segundos, Ethan golpeou-a com o cabo da espada, derrubando-a no chão. Esse imbecil estava tramando. Gabrielle tentou retirar os cachos loiros empoeirados do rosto, mas o filho de Ares já estava com seu pesado corpo sobre o dela.

Gabrielle iria dizer uma última frase, insultá-lo, rir ou qualquer coisa, mas Ethan não planejava ouvi-la. Ele enterrou sua adaga no pulmão da garota.

Gabrielle tossiu poeira, sentiu o peito desmanchando-se, e de repente, parecia ser soprada pelo vendo.

Acordou na sala de simulação com uma máscara sendo tirada de seu rosto. Seu cabelo estava bem amarrado, sua pele suada apenas do treino e não do sol escaldante. À sua direita, Ethan ainda estava com a máscara sobre sua boca, dormindo como se fosse incapaz de machucá-la. À sua esquerda, Liza estava sentada, cheirando um algodão umedecido com algo. Parecia que o gás não tinha feito muito bem para ela. Além deles, não havia nenhum outro tributo.

– Foi uma simulação e tanto – Elizabeth sorriu para ela enquanto aspirava o líquido tranquilizante. Seus olhos estavam marejados.

Principalmente a parte em que enfiei um punhal no seu peito, vadia, Gabrielle quis responder. Mas não queria criar rivais. Aquela garota apesar de meiga poderia fazer um estrago e tanto com o arco, então seria melhor deixá-la em seu mundinho feliz.

A máscara estava sendo retirada de Ethan. Gabrielle levantou-se.

– Gabrielle Charbonett – chamou a Instrutora Chefe – Você não teve nenhum efeito colateral ao gás da simulação?

– Estou bem. Só quero comer – Gabrielle dirigiu-se à porta do elevador. O filho de Dioniso e seu mentor haviam acabado de subir, mas Malcolm a esperava.

– Foi bem, Gabrielle – disse o mentor.

– Estou cansada. Quero tomar um banho.

Quando o elevador voltou, eles partiram rumo ao sexto andar. A cada metro que subiam, Gabrielle se sentia bem por estar mais longe de Ethan.


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Notas finais do capítulo

Se não leram as notas iniciais, leiam, não escrevi pra deixar de enfeite.

Sim, essa Simulação pode ser vista como uma preview da Arena. Não estou falando que vai ser um deserto, nem que ninguém vai virar areia, só que eles vão estar com toda essa vontadezinha de matar que vocês viram.

E é isso gente, espero que tenham matado a saudade e que não tenham abandonado a fic, porque eu não abandonei (ok, só dei uma saidinha por noventa dias). Beijos e até o próximo!