Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 54
Capítulo 25


Notas iniciais do capítulo

Confissões, hesitações, maquinações e sugestões.
A cabeça da Milena é um mar cheio delas.



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Flávia estava chateada com algo, eu sentia, porém isso não nos impediu de ter uma noite regada de animação. Vencemos no Uno e na corrida de carros no videogame. Meu irmão culpou Vini por trazer má sorte a ele, que isso não era coisa que normalmente acontece, ele perder. Aham.

– Tá, e aquela vez na casa de Vini que vocês perderam pra mim? Estavam jogando cada um por sua conta, nada de equipes.

Levantei a memória e Murilo embromou qualquer coisa. Disse ele que eu estava com muita sorte ultimamente. Se for, deve ser por efeito osmose de Vinícius porque sei que a sorte não me curte muito.

Como Vini teria que prestar uns serviços no sábado cedo pela manhã e Murilo checar uma vistoria agendada de última para ele, foram os dois dormir cedo. – Tiveram o dia de folga, então estavam bem, né? Murilo até já consertou o portão que arrombaram – Na verdade, meu irmão foi primeiro, ditando as “regras” só com uma expressão facial e uns gestos apontando para nós, Flávia seguiu para meu quarto, onde poderíamos falar besteiras e Vini foi beber água antes de dormir. Eu tinha que pelo menos dar o beijo de boa noite, né? Até parece que ficamos taaaaaaanto tempo longe um do outro...

Estava chegando na cozinha quando meu celular toca no sofá da sala. Não, Ryan, agora não, disse para mim mesma... e Good Life continuou tocando. Ao ver o número do celular da minha mãe no visor, eu atendi logo. Ela havia me ligado umas duas vezes só quando eu estava na faculdade. Claro que eu não ia soltar os cachorros nela como fiz com meu irmão... nam. Em tom leve e baixo, saudei:

– Oi, mãe.

– Oi, filha. Mamãe só quer se certificar que estás bem.

A voz dela era um pouco ansiosa. Coisas de minha mãe.

– A senhora já me disse isso acho que três vezes.

– Porque você não deixa eu e seu pai irmos aí ver vocês. E esse hóspede? Minha menina tá morando com o namorado! Que mundo é esse, Milena?

De tanto que ela já falou isso, acho que fico no automático. E me seguro para não responder algo como “sabia que pessoas matam nesse mundo? É absuuuuurdo, mãe!”. Vai que cola?

– O que nós vivemos, mamãe. Não se preocupa, estamos bem, estamos em casa, vamos dormir, Flávia tá aqui hoje... chega de insegurança vocês dois. Já me basta os outros dois daqui.

– Hum. Eu ainda quero saber desse seu namorado. Seu pai não disse, mas tá se roendo de ciúmes. Queria ser ele o que afugentasse seus admiradores, acha que Murilo não está fazendo bom trabalho.

– Acredite, mãe, ele está. Até demais.

– Está bem mesmo, filha?

– Estou.

– Tá feliz com esse rapaz?

Saio do automático para rir um pouco. Nada que ela possa ouvir do outro lado.

– Tô.

– Por que você não me contou?

– Ah, mãe... ainda é recente...

– Mas eu queria saber os detalhes... ai como eu queria ter te visto suspirando. Que linda! Estou perdendo essa visão, filha! Não sei mais nada praticamente quando vocês se tocam pra capital. Você não confia mais na sua própria mãe?

– Mãe! Que bobagem. Fala sério, a senhora tá viajando.

– Porque vocês não me dão notícias, não nos ligam mais... eu tenho que ficar só nas divagações imaginando o que vocês tanto fazem.

– Sabe que meu amor por você é do tamanho do universo, né? Pois então vá dormir tranquila e esqueça essas coisas.

– Okay. Eu preciso me acalmar. Hã... Certo. Te amo muito viu, minha menininha. Seja responsável e se dê ao respeito.

– Mãe!

– Tá, tá... Amo você acima de tudo. Repete que você me ama? Só pra eu dormir feliz...

– Sim, meu amor por você é do tamanho do universo.

Ela desliga e, antes mesmo de eu tirar o celular do ouvido, meu ouvinte – que pensei ter passado direto e ter ido dormir – me surpreende com um abraço por trás, digno de um gritinho abafado meu exclamando seu nome, por ele passar os braços pelo lado de minha cintura, enroscando o nariz no meu ombro coberto. Ainda estava um pouco friozinho, sorte que ainda tinha pijama limpo para mim e para Flávia.

– Você me faz sentir o cara mais sortudo de ouvir isso.

Frio? Eu disse frio? Que “frio” depois dessa?

– Eu disse que ia te pegar desprevenida da próxima vez. Que esperaria por uma.

– Ah, você é sortudo, mesmo se eu não dissesse.

– Mas só me sinto assim com você.

– Tá querendo me impressionar, é?

– Na verdade, ando impressionando a mim mesmo.

Ele dá um sorrisinho sacana baixo, porém audível. Jogo o celular no sofá a minha frente e enrosco-me nele, sentindo seu beijo gélido – da água que bebera, imagino – no meu pescoço. Ele sempre me dá uns arrepios por natureza, mas parece que faz questão de fazer cada pelinho meu querer se levantar... se não fosse as mangas da minha camisa, estaria entregue. De qualquer forma, me seguro nele porque... ah, ficar mole não é desculpa, gosto de ficar agarrada a ele. Pronto, falei. Ou não falei, porque ele não tem acesso aos meus pensamentos...

– Isso é bom de ouvir... muito bom.

Respondo do mesmo tom, aquele sacana que indica “posso usar essa informação para o mal” que gosto de brincar. Com minha pausa, ele só ri e sua respiração bate na minha pele.

– Agora que ouviu e tem sorte garantida, vai dormir né? Tá na hora.

– Só se vier comigo...

Tá, esse arrepio foi diferente. Foi do seu toque no meu braço, de sua fala marcada por aquela inflexão no meu ouvido, que correu pela minha barriga, passou na caixa torácica, engoli seco na garganta e bateu no cérebro. Questão de segundo. Coração, pelamor, não me denuncie! Nem meu coração para me obedecer também... Tampouco minha voz que sai meio não querendo sair. Pensamento? Embaralhado por completo.

– Er... na verdade... é que... Flávia, quarto, meu, você...

Quer dizer, ele quis dizer dormir, né? Né? NÉ? Porque essa voz dele... não sei não. Mas ele não tentaria nada... né? Eu não penso sobre isso desde... er... Ai que nervoso. A gente já até dormiu junto... algumas vezes. Coração, esse é o Vini, você o conhece, lembra? Não precisa esse alarde todo! Sabe, aquele que você ficou me apontando por tempos... pois é, agora te aquieta aí. Cérebro, articule algo decente!

Vini é mais rápido que eu. Ele inspira ainda na minha pele, como um lamento.

– Eu sei, eu sei... as regras.

Regras! Eu nem lembrava mais das regras!

– Er... é, as regras.

Rápido, me desvencilho dele. Finjo pegar o celular de volta no sofá como uma desculpa. De repente me sinto tão... desconcertada. Assim, sem ação. Será que eu que levei para o outro lado da coisa? Será que ele quis dizer...? Bom, EU que não vou perguntar. Quando me viro para voltar, ele ainda me esperava, lindo no seu traje de dormir, calça cinza, camiseta branca, seus fios de cabelo bagunçados... Só um beijo de boa noite mesmo?


~;~


– Você contou, né?

– Hum?

Adentro meu quarto ainda pensativa. Mas foi só Flávia levantar um assunto, num tom compreensivo, que minha linha de pensamento sumiu num puff que no instante seguinte me pergunto no que eu pensava e nada me vinha na cabeça. Flávia estava sentada no meio da minha cama em pose de meditação, mexia em algo no meu notebook.

– Você contou sobre o pedido que fez ao avô dele.

– Iiih...

Com um sorriso amarelo, um olho cerrado e uma mão na boca, me denuncio que não... Não tinha comentado sobre nada sobre o avô dele. Seu Júlio só não falou nada também porque pedi a ele que deixasse comigo. Parece que não tenho tido boas oportunidades para abordar o assunto... Também, né, não dá pra chegar e dizer “Hey, Vini, sabe a queixa que você deixou para seu pai, sobre ele ser seu “stalker”? Pois é, pedi pro seu avô pagar a fiança e deixar aquele maluco livre...”. Não que seja um segredo, não mesmo, porém, vai parecer quando eu comentar. Ainda tem essa.

– Milena, Milena...

– Eu sei, Flávia... mas sabe, acho que eu não teria me tocado se você não dissesse.

De fato, não estava nas melhores condições para trabalhar com a memória.

– É, nem precisa dizer os detalhes do que ficou no lugar do assunto.

Pigarreio para mudar o clima. Funciona quando a atenção fica demais em mim, isso já é uma reação natural minha, pra tirar a luz de foco.

– E aí, que tá fazendo?

– Tava baixando umas músicas... fazia um tempo que não atualizava. Acho que a última vez que coloquei umas no meu netbook foi daquele teu CD que fez sucesso no encerramento.

– Acho que a imagem do tio Chico dançando com a vassoura eu nunca vou esquecer. Nem do seu Caio, aquele convidado, entrando de boa no auditório.

– É, a cara do tio Chico tentando esconder a vassoura atrás de si por causa do diretor foi ótima.

Sento na cama do lado dela e arrumo os travesseiros no encosto para me apoiar melhor. Por mim ia ser uma noite só de besteirol. Principalmente quando ela busca o netbook dela na bolsa ao lado da cama e diz que tinha várias fotos do encerramento. Tanta loucura daquele dia pra cá que nem tinha pegado uma sequer.


~;~


Como Dona Bia tinha aparecido na sexta-feira de manhã, que não fazia parte de seu trabalho, dispensei seus serviços no sábado para compensar. Isso sobra para a pessoa aqui fazer o almoço. Flávia me abandonou, o cunhado dela estava chegando de viagem e estava sem chave para entrar em casa, passou por aqui umas 9h da manhã e levou minha companhia. Minha amiga do momento era a Avril Lavigne, só “nóis” em casa.

Deixei uma playlist dela tocando para não ficar num clima só de cozinha e zoada de fogão, queria algo leve para começar o dia bem... o dia prometia muita coisa. Tinha o chá de bebê da Alexandra e o aniversário da Natália. Ainda tinha que comprar presentes e nem tinha ideia do que seriam. Depois do almoço pensaria melhor nisso. Consultei Flávia quanto a minha roupa – coisas de mulher que gosta de uma segunda opinião – para a noite. Na verdade, tarde e noite. Sairia do chá de bebê e já emendaria o aniversário... Como uma pessoa apaixonada por vestidos, não tive outra escolha. Consistia num preto um pouco despojado e de saia com certas pregas soltas, nada extravagante. Bem indicado para a ocasião acho.


Link: http://migre.me/fPO4x


O friozinho de ontem tinha virado calor ameno, mudanças temporais no litoral são mais evidentes, parece. Me fez tirar o pijama e colocar uma roupa mais leve, short e camiseta. Observava a panela no fogão quando o Ryan se sobrepôs à Avril, chamando atenção. No visor, o celular na mesa da cozinha, dizia Bruno. Deve ser para marcar lugar de encontro, imagino. Abaixo o volume no notebook e atendo.

– Alô?

– Hey, Milena... er... eu estava pensando...

Coloco o aparelho entre a orelha e o pescoço, num apoio improvisado enquanto mexo nas coisas da cozinha.

– Hum.

– Em não ir à festa... Não me mete bala!

– Oxi, por que não? Me refiro à festa, não à bala. Essa eu vou pensar no caso.

– Sei lá... não sei se tô muito a fim de ir.

Parece desanimado. Ontem Dani parecia mais animada que ele.

– Você sabe que não vai estar sozinho.

– É, eu sei.

Impressão minha ou ele hesitou quanto a isso? Como se... como se isso fosse o motivo para ele ficar inseguro. Não, deve ser impressão mesmo. Que mal teria nisso? Aliás, eu queria trabalhar um pouco meu lado cupido. Porém, se for o caso mesmo dele não ir, eu tinha que deixar isso pela vontade dele.

– Bom, a decisão é sua. Mas acho que devia ir sim, afinal, amigos vocês são, né? Você e a Natália...

– Ah, sim, claro.

– Tem alguma razão que você queira discutir?

Ele suspira calmo do outro lado da linha.

– Não, acho que não.

– Então? Vamos fazer o quê?

Bruno titubeia sozinho por uns 10 segundos. Achei que tinha saído da linha até ele voltar à conversa:

– Ok, nós vamos. Você vai poder sair daquele chá de bebê que horas? Onde nos encontramos?

– Pode ser em frente da casa dela mesmo. Umas 19h30, pode ser?

– Pode, mas acho melhor a gente se encontrar naquele posto a um quarteirão de lá. É que quando tem festa por lá, por maioria, a entrada é pela garagem de trás. Aí vocês me seguem.

– Tá, pode ser. Você pega a Dani e nos encontramos no posto. Quando eu tiver saindo do chá de bebê, eu mando uma mensagem avisando.

– Ok. Então tá, tchau.

Bom, ele pareceu mais animado agora. O que será que foi isso?

Dou de ombros, volto para cantar com a Avril, volume pouco mais do médio agora. Sabe quando você se encontra sozinha em casa e se imagina num show só seu? Que acena para seu público imaginário, que inventa uns passinhos, que acha que a colher é seu microfone?


Trilha Indicada: Avril Lavigne – Who Knows

http://www.youtube.com/watch?v=BJ_X3DYUQE4


– WHO KNOWS… WHAT COULD HAPPEN…? DO WHAT YOU DO, JUST KEEP LAUGHING… ONE THING’S TRUE, THERE ALWAYS A BRAND NEW DAY…WHO KNOWS...

Curtia meu momento, segundo refrão, empolgadona. Balançava as mãos ao alto, cantava para meu microfone, balançava a cabeça... O molho do strogonoff a minha frente era meu grande público. Até que...

– Taí uma cena que sempre quis ver.

Essa parece uma boa hora para retesar.

Enrijecida, baixo os braços de volta e fico com a colher na mão. Abaixo a cabeça de encontro à outra num facepalm de flagra. Esse garoto gosta de brincar com meu coração, viu. Sem me virar, tampouco me mexer mais, a música ainda rolando, pergunto devagar, acima da voz da Avril, constrangida:

– Como que você entrou aqui?

– Depois “daquele” dia, seu irmão me cedeu uma chave... não quis incomodar, então entrei.

A voz de Vinícius me dizia que ele próximo a mim, atrás. Aperto os olhos tentando achar uma cara decente para me virar, no entanto, o constrangimento ainda me deixa paralisada. O leve susto que me deu ainda estava presente, meu coração me dizia por umas badaladas. “Aquele” dia... Engulo a seco. Não por causa do desse dia em particular, mas... sei lá.

Ouço seus passos chegando de mansinho.

– Te assustei?

– Um pouco.

– Tenho uma ótima ideia para me redimir.

É, ele agora já estava BEM atrás de mim. Prevendo o que ele ia fazer, desliguei o fogo logo – vai que pudesse queimar? – Gostava da ideia. Não de queimar a comida, claro, me referia a ele.

Quando me viro, mal me dá tempo de vê-lo, de roupa formal chegando do trabalho na camisa branca de botões e gravata, sem o terno, porque ele alcança o meu queixo com uma mão e me puxa para si com a outra na base da minha coluna. O ato em si tem um “quê” de voraz, bem envolvente, um beijo à la nosso momento no salão de dança como foi nosso real encontro. Acho que até mais intenso.

Me guiou para o lado onde tinha a pia da cozinha. Encostada lá, por um momento, me deixo entregue e ele aproveita para evidenciar sua ganância por mais... ávido e com fôlego. Noutro momento parece que não consigo acompanhá-lo e preciso de uma breve pausa, mesmo querendo que não, ainda assim ele não desacelera. Tampouco me dá margem para parar.

A intensidade que a coisa toda toma quando sinto ele se refugiar por dentro da minha camiseta ainda na base da minha coluna me dá um alerta. As múltiplas sensações que ele transpassa nisso tudo me dá um pouco de nervosismo. Havia algo diferente, eu não sei dizer o que era, mas parecia que ele queria algo mais, e eu não sei se estava preparada por um algo mais... As coisas pareciam estar correndo conosco.

Ainda assim, eu correspondo. Na verdade, tento me deslocar e puxar sua mão da camiseta. Da última vez que estive assim com uma pessoa, não saiu nada como pensei e, com uns eventuais problemas, a coisa toda, além de sair do controle, só me deu prejuízo... quem ficou mal fui eu.

Ok, rolou muito mais que isso... Eric também foi enganado. Acabamos por nos machucar com essa história e foi tudo tão difícil que, quando a verdade surgiu à tona, não valeu mais a pena seguir de onde paramos, o relacionamento tinha se esvaído. Foi difícil deixar tudo para trás, mas eu consegui. O fato é que eu sempre deixei para trás, um passado “passado”, não exatamente obscuro... Só não me valia a pena ficar remoendo o que não deu certo. Depois desse, nenhum outro conseguiu chegar a esse nível. Não até essa atitude de Vinícius me arrancar a preocupação de volta.

Não que ele vá me machucar... eu num sei, num sei mesmo. Eu não esperava ter que lidar com isso porque era bem capaz de ter que desenterrar essa história, que era algo que eu queria deixar lá no fundo. Se eu soubesse trabalhar com memória seletiva, essa eu apagaria. Assim, ficar com Vinícius não significaria resgatar esses sentimentos ruins... que pensei por várias vezes ter superado. Acho que superei. Mas por que agora eles voltaram? Quer dizer, acho que só fui pega de surpresa.

Vou caindo em atividade. Ele percebe, sinto. Ele tenta achar minha vivacidade de volta quando eu já não estava mais no clima... eu não estava retribuindo mais na mesma energia que ele. Era um caso delicado para mim. Não tendo a resposta que ele queria, sua respiração alterada bate em minha bochecha enquanto ele me ri no meu pescoço. Queria voltar àqueles segundos que me sentia positivamente segura...

– Pausa para o segundo round, hein?

– Imagina se tivesse roubado um banco... que desculpas longas seriam.

Vinícius entrefecha os olhos com graça.

– Não seria uma má ideia.

Era bom estar próximo a ele, eu não nego. Ele tinha um jeito só dele de me deixar nervosa e ansiosa, coisas que estava aprendendo a controlar com o passar do tempo, no entanto, esse resgate começava a mexer comigo e não parecia ser boa coisa. Não é nada como foi a minha situação com Eric, mas em relação à intimidade, eu tinha minhas inseguranças. Todas as vezes que estive com Vini e, principalmente quando se tratava de dormir juntos, se tive alguma incerteza, não era nada em relação a isso. Eu precisava pensar um pouco. Abraço-o, meus braços passando pela sua cintura, e fico sentindo seu coração no pé do meu ouvido, no ritmo do que eu sentia o meu, como se estivesse “correndo parado”, ambas nossas respirações encontrando sua calmaria. Ele beija o topo da minha cabeça.

Aí senti que podia tocar num assunto:

– Bom, eu acho que a gente podia aproveitar esse tempo e... esclarecer umas coisas.

– Como assim?

– Ah, você sabe, parar, sentar, conversar... ver como as coisas estão indo.

Eu sei, parece uma péssima hora. Mas de péssima em péssima, uma hora eu vou ter que abordar. Até que ele parece disposto, só que condicionado. Não precisa falar alto enquanto a música ainda toca do notebook da mesa, ele estava bem junto de meu ouvido.

– Posso agendar para... daqui uns dez minutos? Melhor, quinze.

– E depois você reclama que eu não falo as coisas...

Falo um tanto brincalhona para não dar aquele toque sério demais. Eu não queria preocupá-lo ou fazer suspense antes de falar. Quero-o calmo. Fica melhor para lidar. Ele me solta brevemente, desfazendo nosso aperto.

– Ok, ok. Mas não fizemos isso no outro dia? Até brigamos. Eu não quero brigar.

– Não precisamos brigar. Além do mais, muita coisa rolou desde aquela conversa, coisas que, pelo jeito, foram “determinantes” para outras que se desencadearam... né? O que de fato aconteceu quinta-feira?

Ele aperta os lábios numa linha, o rosto meio abaixado, e algo o cobre pelos olhos e fronte, chateação, tensão, algo do tipo. Ele sabia do que eu falava. Também não gostava.


~;~


Bem dizem as línguas expressões como “se as paredes pudessem falar”. A minha versão tá mais para “se o sofá adquirir vida, vai fazer novela”, porque é nele que quase todos os conflitos se desenrolam.

Depois de ter dado um pause na minha playlist, dado uma geral no fogão, deixando as coisas ajeitadas de novo ao fogo, Vini me esperava lá, no sofá. Ele parecia estar escolhendo bem as palavras. Estava de frente para a mesa da sala, tinha os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos unidas onde descansava sua cabeça. Eu sento ao seu lado, tinha o braço do sofá como apoio de minhas costas, abraço minhas pernas trazendo os joelhos para meu queixo. Eu só via seu perfil.

– Eu fui lá. Uma mulher atendeu. Parece ter mais ou menos minha idade, não sei bem, não pude observar direito. Abriu a porta e, antes que eu falasse, ela me cortou e gritou o chamando. Mas como ela o chamou... foi o que me fez sair de lá transtornado. Ela disse... “Ele está aqui... pai”.

Wow. Pai?

– Então você tem... uma irmã? Tipo... quê? Sério, esse cara só me surpreende, e não é de um bom jeito.

– Ao que parece, sim.

Ele balança a cabeça e parece longe ao mesmo tempo.

Um “clic” se faz na minha cabeça.

– E essa mulher... ela é, hã... ruiva?

Devagar ele vira para mim, a cabeça ainda apoiada no encontro de suas mãos, sustentadas pelos braços, os cotovelos de encontro aos joelhos. Uma linha era sua sobrancelha, surpresa.

– Como você sabe?

– Chutei.

Fiz pouco caso.

– Milena...

Meneia a cabeça. Ok, eu falo...

– Eu chutei, de verdade, porque a mulher que estava me vigiando era ruiva. Pensei que... bom, isso dá muito sentido às coisas.

– Eu saí tão zangado de lá que nem me dei conta disso... na minha cara e eu não vi! Sou muito idiota mesmo.

Volta à posição anterior e leva uma mão ao rosto, a voz sai meio abafada de lá. Essa sua imagem de descrença e lamento me remete a outra imagem, assim, como se eu piscasse e visse Filipe. Eu nunca tinha reparado neles desse jeito, comparativo... também né, eu não tive contato com o pai dele o suficiente para ter algo para comparar. Mas estava ali um traço do pai e, coincidentemente, um quase mesmo sofrimento. Esse mal-entendido que nunca acaba. E ainda por cima, aparece uma irmã! Uma irmã! E mamãe preocupada com ele vivendo no mesmo teto que eu... Que mundo.

– Ele me disse que você ligou para ele, marcaram um encontro.

– Foi. Depois daquele dia que conversei com você, que você foi para o trabalho do Murilo e eu para o meu, liguei. Pedi que ele se afastasse de você... por causa dessa história de perseguição. E como tinha as coisas ainda frescas na cabeça, de que eu teria poder para resolver esse rolo todo, me deixei convencer que encontrá-lo poderia ser uma boa, assim, sem compromisso. Mais uma vez tolo de acreditar. Uma raiva me subiu... eu não poderia ficar lá e olhar para aquele homem. Não mais o reconhecia, ele virou um estranho para mim. Lá estava mais um de seus segredos. Eu não queria mais saber. E em pensar que já sonhei ter ele como pai...

Sua voz era uma mescla de lamento, cólera, injúria, repulsa.

Filipe também parece que não quer se ajudar!

– Saí batido. Ele me seguiu. O resto você viu. Hoje falei com meu avô. Minha queixa não serviu de muita coisa, pois o liberaram com uma fiança... meu avô me diss...

– Eu sei. Fui eu.

Aperto mais os braços envolta de minhas pernas para manter a cabeça no vão que se forma da união de meus joelhos. Busco forças para não hesitar em falar. Ele levanta a cabeça e se vira novamente para mim, surpreso e perdido.

– Como assim “fui eu”?

– Bom, eu não paguei a fiança. Mas quando soube que ele ia de fato ser preso, pedi ao seu avô, mesmo desconcertada, que pagasse a fiança.

– Que horas foi isso?

– Quando você me deixou a sós com Djane, na saída da delegacia. Seu Júlio ainda estava na recepção.

Ele levanta, passa a mão nos cabelos, aperta a nuca, anda de um lado para outro inquieto, mexe na sua gravata esgaçada no pescoço e se mantém silencioso. Pensei que ele fosse explodir. Ainda espero que exploda. Um receio acompanha cada passo seu, à espera de algo que me responda. Então ele para, bem diante de mim, entre o sofá e a mesa da sala.

– Por que fez isso? Primeiro não quis dar queixa, agora... cancelou a minha? Eu... eu não entendo.

– Não havia necessidade. O problema é entre vocês, envolver a polícia era, além de perda de tempo, aumentar história. E, como você lembra, eu estive com seu pai.

– Ele não é meu pai.

Fala determinado.

– Ah, ele é. Biologicamente, pelo menos, ele é.

– Lena, não força, tá? Eu não gosto do rumo que essa conversa tá levando.

– Já conversamos sobre isso uma vez, de você ficar deixando o assunto para trás. Isso não vai simplesmente embora, Vini.

– Eu sei, eu sei. Eu só... não o quero como pai, não mais.

Cruza os braços e senta de novo, emburrado. Melhor não atentar por essa parte da história... Filipe ainda tem muito a explicar. Tenho que começar pelo que sei.

– Olha, eu não vou insistir quanto a isso... Mas uma coisa eu digo, ele se importa com você. Se não fosse o caso, ele não teria sido tão insistente com tudo.

– Impressão minha ou você agora está defendendo-o também?

Um riso debochado por um segundo me magoou. No seguinte, eu tento deixar passar porque para ele as coisas são mais difíceis, eu tenho que pensar bem nisso. Para isso respiro fundo para arejar bem. O policial Ramos atentou pelo mesmo, disse que parecia que eu estava defendendo meu “agressor”. Só que acho que Vinícius entende minha reação como impaciência.

– Não acredito. Depois de tudo que ele fez? Que ele TE fez?

Levanto a cabeça do apoio do joelho e a mantenho firme, alinhada à dele.

– E o que ele fez pra mim?

– Não, Lena, descaso não, por favor. Aí você quer demais. Quer que eu enumere? Pois tá. Ele te destratou várias vezes... te seguiu, te atacou, te ofendeu e te vigiou. Você ainda quer mais que isso?

É, Filipe tem horas que parece não se ajudar mesmo. Eu não tiro a razão de seu filho de se preocupar assim, mas é isso que mata, esse maldito mal-entendido. Nenhuma foi uma ação direta para me prejudicar. Mas como dizer isso? Vinícius fez questão de destacar cada coisa conferindo nos dedos.

– Foi tudo mal interpretado, Vini. Não é descaso, sério. Não havia real intenção de me machucar. Falta de respeito comigo tudo bem, eu também o destratei; sim, ele me seguiu, mas foi porque estava atrás de você. E se lembrar bem, eu achei que estava sendo atacada, mas não estava... e você sabe bem como é o gênio dele. Era tudo sobre você.

– Aham, qual foi o papo que ele te passou mesmo? Só pra saber.

Levanto do sofá e o deixo falando sozinho. Primeiro porque ainda tinha coisas no fogo, segundo porque iniciávamos mais uma briga. Isso porque nenhum dos dois queria brigar. Sinto que me segue.

– Afinal, o que houve aqui quando ficaram presos os dois? Vai me ignorar agora?

– Não. Eu tenho que checar o almoço.

Desligo a boca do fogão do arroz e mexo no strogonoff. O almoço está salvo.

– Eu posso dizer, Vini, seguramente, que todas as vezes que eu falei com Filipe, por mais que aquele gênio odioso dele interferisse em alguma parte da conversa, eu vi... que ele te ama.

De braços cruzados ele passa por trás de mim e apoia a base de sua coluna no mármore da pia. Onde minutos antes uma insegurança de nossa relação me bateu. Me pergunto agora que perigo pode haver de estar com ele, se em cada minuto ele demonstra que por mim sente algo forte. Enquanto olha para baixo, em silêncio, digerindo, quem sabe tudo que acabo de falar, questiono ao meu cérebro e coração o que era o temor que senti ao seu toque.

De fato, as coisas andam meio corridas entre nós, é difícil parar para pensar, principalmente com tantos rolos que aparecem para resolvermos, mas olhá-lo assim... eu que pensei não poder ficar com ele, ter sentimentos por ele ou menos ainda ser correspondida, tinha-o para mim. E mesmo distante, eu sei que ele pensa em mim e, de certa forma, cuida de mim. O que temos é verdadeiro.

Se eu não superei meu antigo problema, sinto que com ele eu posso superar de uma vez por todas. Agora a ansiedade que me bate depois dessa contestação é que acelera tudo de novo, me fazendo deixar a colher cair dentro da panela. Que pessoa atenta eu!

– Ai não.

– O quê?

Você me distraindo com essa visão!

– A colher caiu lá dentro.

Ele se vira e abre a gaveta do seu lado, pegando mais uma colher, gafo e faca. Deixa a colher no mármore em cima de um pano e se oferece para resgatar o utensílio perdido no mar de strogonoff da panela. Dou passagem ao cavalheiro e ele tira na maior facilidade. Joga o conjunto na pia e abre a torneira para lavar sua mão que sujou. Eu, ao avistar o estado de uma delas, ainda com resquícios do machucado, o que quer que nós estivéssemos brigando minutos anteriores, eu não ligava mais. O que temos só cresce. Até Murilo aceitou isso.

– Sua mão ainda dói?

– Não muito. Coloquei bastante gelo. Só alguns movimentos são difíceis de articular... mas não é toda hora.

Observo seu rosto e o outro machucado na boca eu já não mais via. O de seu braço, que foi uma graça de passar remédio no dia, não dava para ver por causa da camisa de mangas compridas. O único machucado que faltava sanar era o do seu coração. O meu ele providenciava aos poucos sem eu mesma perceber.

– Daqui para segunda você não sentirá mais nada. Eu não sinto mais também.

Ele finalmente sorri um pouco. Como ele precisava disso em sua face!

– Ele mereceu.

Pego a colher que ele havia deixado no mármore, dou umas mexidinhas no conteúdo da panela e desligo o fogão. O meu celular toca na mesa da cozinha. Faço sinal de que volto num minuto e olho o visor. Bruno. Ainda bem que ele não ligou minutos atrás.

– Oi.

– Mi, eu tô numa loja de presentes. Tô entre uma agenda, um estojo chamativo, uma pulseira e... é, só isso. O que eu levo?

– Há, e eu que ainda nem pensei no que comprar! Do que ela gosta?

– Sei lá, gosta de escrever. Por isso pensei na agenda.

– É do ano que vem, né?

– É, eu não sou tão idiota assim. Claro que é do ano que vem.

– Acho melhor esse. Ficar com pulseira ou estojo de ex-namorado pode pegar mal. Deixa que eu compro algo assim.

– Tá bom. Valeu.

Tão rápida foi sua ligação que ainda checo o celular para ver se ele ainda estava na linha. Parecia mais animado. O que tem esse garoto? TPM não é coisa de mulher? Ao me virar, encontro Vini colocando pratos e talheres na mesa. Grande visão.

Grande visão interrompida, porque meu celular toca de novo. Dessa vez, Djane.

A última vez que a vi foi antes de chegar na sala de aula ontem, encontramo-nos na base da escada. Como era cedo, deu tempo de conversar com ela ainda. Melhor do que na delegacia. Ela me ligou antes de dormir também, conversamos um pouco. O bom é que, na companhia de Flávia, eu não tinha impedimentos. Djane estava parecendo minha mãe também... Ao atender e eu dizer “Oi, Djane”, seu filho levanta a cabeça na minha direção e não fala nada, só termina de ajeitar as coisas na mesa.

– Milena, querida, tudo bem?

– Tudo. E a senhora?

– Melhor agora. O meu filho está próximo?

– Hã... aham.

– Então vou ser breve.

– Na verdade, pode me dar uma dica?

– Claro. Em quê?

– A senhora sabe de um bom presente para dar num chá de bebê? O menino já nasceu, mas isso é outra história...


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Notas finais do capítulo

E que história!



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