998 Dias escrita por Kurota Shinohara


Capítulo 1
Back to White


Notas iniciais do capítulo

Feita inteiramente para minha mestra, Sra. Shiro Kuma.

Há sempre o risco de ter ficado uma merda e não uma bosta, como eu esperava.

Well, divirta-se.

E boa volta às aulas daqui a pouco.



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Quinze dias sem Allen Walker.







- Toma? - Lenalee perguntou meio incerta, ao ver o pesquisador que outrora partira acompanhando Allen passar pelos portões da Ordem.


Ele entrou no salão, acompanhado da exorcista.


Há aproximadamente duas semanas Allen saíra da Ordem para uma missão onde deveria encontrar-se com Toma e recolher uma innocence.


Porém, no meio da missão, a Ordem perdera contato com os dois, sem saber de seu paradeiro.


- Toma! Você está bem? Bem vindo de volta. - Ela sorriu gentil, procurando uma segunda pessoa.


- Sim, senhorita Lenalee. A missão foi bem sucedida. - Ele a respondeu, dirigindo-se à sala de Komui.


A garota o seguiu, vendo Kanda passar por eles sem demonstrar interesse na conversa.


- E o Allen? - Ela sugeriu cautelosa. Ele não...


- Ele... Ficou. - Toma respondeu, sabendo o quanto aquela resposta significava para ela.


Kanda parou.


- Isso... O A-Allen... Ele morreu? - Ela testou o som das palavras, chocada.


- Surgiram alguns imprevistos que nos obrigaram a nos separar. Ele sugeriu que eu prosseguisse, pois a innocence era mais importante. - Ele continuou, tentando evitar o pensamento de que eles se separaram quando uma horda de akumas os encurralou em uma cidade pelo caminho e desde então eles não haviam mais se comunicado.


Kanda se virou, as sobrancelhas apertaram-se, formando uma carranca de descontentamento antes que ele se virasse novamente e fosse embora.


- Ahn... Ele... Ele deve estar voltando então...? - Lenalee perguntou ainda incerta, ostentando um sorriso murcho.


- Com certeza em breve o veremos por aqui. - O pesquisador respondeu, cumprimentando Kamui e entrando na sala, deixando-a com seus pensamentos.


Era só mais uma missão, certo?


Bom, pelo menos era o que parecia.




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Noventa e três dias sem Allen Walker.







Era estranho estar ali sem ele. Por mais que fosse difícil de admitir.


Ignorando a sensação, Kanda andou pela sala, não dando atenção a Komui que falava sobre como era importante que ele e os outros dissessem onde estavam durante a missão.


Moyashi estava há alguns meses sem aparecer, o que fazia grande parte dos residentes da Ordem acharem que ele estava morto.


Mas não todos eles.


A innocence coletada na missão encontrara rapidamente um apóstolo que fora posto na ativa para cobrir a falta do garoto de cabelos prateados. E para a maioria a vida continuava.


Kanda queria sair dali.


O clima de enterro era incômodo e a produtividade de todos caíra. Ninguém imaginava que logo ele...


Mas baixas eram baixas.


Lenalee era a única que evitava sair, passando grande parte do tempo com Lavi e Komui, que aos poucos também já desistiam de esperar pelo outro exorcista. Ele tinha outras mortes para se preocupar e o Bookman tinha seus próprios afazeres que não envolviam a Ordem.


E furtivamente como surgiu em seus pensamentos, o assunto contaminou a sala.


O assunto Walker.


Se possível, a temperatura do escritório caíra alguns graus.


Reunidos com Komui; Kanda, Lavi, Lenalee e alguns outros exorcistas aguardavam as instruções para as próximas tarefas.


Até aquilo vir à tona.


-... lembrem-se que a imprudência pode levar a queda até aos mais fortes. - Komui concluiu, deixando a frase no ar. Mas eles sabiam a quem ele se referia.


- Allen vai fazer falta. - Alguém disse, por fim. E grande parte dos exorcistas na sala entrou num consentimento mudo.


Do outro lado, Lenalee olhava horrorizada para os companheiros, sentada numa cadeira encostada à parede.


- Como vocês podem fazer isso com ele, pessoal? - Lenalee esbravejou, exaltando-se. - O Allen é forte! Muito forte! E ele jamais desistiria de nenhum de nós! - Levantou-se e lançou um olhar acusador para os presentes, demorando-se em seu irmão. - Vocês podem desistir, mas eu vou esperar por ele! - Ela virou-se para os ocupantes da sala, vendo alguns partirem enquanto lançavam-lhe sorrisos tristes.


Kanda olhou demoradamente para ela antes de deixar a sala, ignorando o olhar que ela lançara a ele e a Lavi, que também deixava a sala.




 ------




Ele não fazia ideia de onde estava.


Mas era frio. Muito frio.


Era o sonho?


Kanda afundava os pés na neve negra, tentando sair dali. Daquela imensidão de nada com cheiro de sangue.


Era sempre daquele jeito.


Levantava-se e tentava correr pra perto da árvore sem folhas, mas ela parecia longe demais.


Estava preso até os joelhos em neve negra, cujo gelo parecia queimar até seus ossos.


Então ele escutava aquela voz.


- Yuu!


Tentava correr na direção dela, mas a cada passo suas pernas pareciam ter menos velocidade.


- Yuu!


Via alguma coisa não muito longe, afundando numa velocidade alarmante para o abismo sem fundo no qual estavam e ele não conseguia chegar até lá.


- Yuu...? Por favor! - A voz choramingava desesperada.


Então a coisa afundava completamente e Kanda sabia que não adiantava mais.


E ele sabia que não era só uma coisa.


Era Allen.






Assim que abriu os olhos ele sentiu a pontada incômoda em seu peito. A mesma de todas as outras centenas de vezes na qual sonhara com aquilo.


- Duzentos e oitenta e quatro dias sem Allen Walker. - Ele sussurrou.





 ------




Seiscentos e setenta e oito dias sem Allen Walker







Ele se aproximou devagar da garota, vendo-a tremer diante do vento que corria nos córregos que transportavam exorcistas para fora da instituição.


- Você já vai? - Ela disse meio melancólica.


- Estou esperando o explorador que me acompanhará.


- Certo. Tenha uma boa viagem, Kanda. - Ela sorriu tortamente, sem força.


Ele se sentou em um dos degraus e observou Lenalee curvar-se mais e suspirar cansada. Ela ficava ali sempre que podia, desde a volta de Toma, quando souberam do desaparecimento do garoto.


Um a um, os que a acompanhavam desistiam, percebendo que ele jamais voltaria.


Mas ela ainda estava ali. Esperando, mesmo sem ninguém.


- Deus é muito gentil com os humanos. Tão gentil que faz de nós seus apóstolos, para protegê-los. - Ela se encolheu mais, apertando os braços ao redor das pernas parcialmente cobertas. - Mas às vezes ele se esquece de seus escolhidos. - Lenalee estremeceu um pouco e deixou algumas lágrimas escorrerem. - Acho que não deve haver espaço suficiente em seu coração para nós.


 Kanda respirou fundo, tentando se lembrar de algum momento em que ele fora um protegido e não um destruidor, mas seus pensamentos constantemente mergulhavam em memórias obscuras, então ele desistiu.


Mas devia ser bom. Viver.


Não acordar pensando que a qualquer momento algo pudesse estar apontado pra você, pronto pra te matar ao seu menor deslize.


Não se preocupar ao andar em multidões e ser atacado por algo que um dia fora um humano.


É. Devia ser incrível poder amar alguém sem se preocupar se essa pessoa iria morrer a qualquer momento. Sonhar com o futuro. Coisas imbecis de gente avoada.


- O Allen não vai voltar, não é, Kanda? - A garota tremeu violentamente, prendendo a respiração e aguardando uma resposta.


E ele gostaria de ter respondido que sim, o exorcista voltaria.


Mas ao olhar nos olhos de Lenalee ele percebeu que nem ela mesma acreditava mais naquilo.


- Não. - Ele respondeu, vendo Lenalee soltar o ar e soluçar. - Mas ele deve ter lutado até o fim, como o bom idiota que era.


Ela levantou a cabeça dos braços e designou um sorriso sofrido ao outro, saindo dali e indo se ocupar com alguma coisa. Provavelmente iria fazer café e ajudar os outros.


A vida continua.


Bom. Pelo menos para ela.


E por um momento Kanda desejou que aquilo fosse verdade.    


Que o outro realmente estivesse morto e ele acreditasse nisso como Lenalee.


Ele queria parar de manter falsas esperanças.


Walker estava morto.





------



Setecentos e noventa e um dias sem Allen Walker.







Contou mentalmente até três e esmagou o sentimento ridículo que ainda se incrustava em seu peito todas as vezes que retornava à Ordem após uma missão.


Ele esperou que o portão se abrisse e entrou, vendo Lenalee o receber com o sorriso menos brilhante. O sorriso que adquirira a pouco mais de dois anos e todos aprenderam a não questionar mais.


- Bem vindo de volta, Kanda. - Ela repuxou mais o sorriso fechado e deixou que outros o cumprimentassem até que chegasse a seus aposentos.


Largando-se na cama e suspirando ele fechou os olhos, deixando que a memória que o incomodava sempre que voltava àquele lugar corresse livre por seus pensamentos.


“Ele abria um sorriso inocente, olhava dentro de seus olhos e seus lábios sibilavam a palavra que escutara algumas dezenas de vezes naquele dia, mas tinha um significado diferente quando vindo dele.


- Okaeri, Yuu.”




------




O lugar era... Familiar?


Era frio.


Infinitamente mais frio que em qualquer uma das outras vezes.


Mas o que...?


Ele tentou se levantar, mas estava imerso até a cintura em neve.


Uma neve branca, que parecia muito mais cruel que antes.


Dessa vez a árvore sem folhas estava bem perto dele, o que significava...


- Allen! - Ele gritou, descobrindo que daquela vez ele é que tinha voz.


Ele viu bem longe, na imensidão, alguém olhar para ele.


- Allen!


O outro corria rápido até ele, muito mais rápido do que se ele se estivesse na mesma situação.


- Allen...? - Ele o viu reduzir a velocidade, enquanto seu corpo escorregava rápido demais para dentro da imensidão de neve.


- Yuu!





------




Quando seus olhos se abriram, ele teve certeza que alguma coisa estava diferente.


Terrivelmente diferente.


Sua pele estava dormente de frio e a garganta doía ao puxar o ar em golfadas para dentro.


Mas o que demônios...? 


- Novecentos... E noventa e oito dias. - O som saiu rouco demais, estranho.


Ele se sentou, olhando o relógio no canto do quarto.


Duas horas da manhã.




 ------




E então ele ficou ali.


Esperando.


Ele não se moveu de sua posição.


Não se moveu quando ouviu a comoção no salão principal.


Não se moveu quando escutou passos apressados no corredor


Não se moveu quando alguém esmurrou a porta de seu quarto, entrando esbaforido.


- Você sabia, não é? - Komui riu incrédulo.


- Eu não faço ideia do que você está falando.


- Você sempre soube que ele voltaria! - O homem gritou, desviando de alguma coisa que Kanda jogara em sua direção.


- Calado. - Ele esbravejou, vendo o outro sair às pressas.




------




Assim que o portão o deixara entrar, as coisas foram registradas de modo mais lento do que deveriam ser por Walker.


Ele ouviu Reever gritar alguma coisa e muitos barulhos antes que Lenalee corresse até ele enquanto o abraçava com força e soluçava de alegria.


O exorcista de cabelos brancos sorria de orelha a orelha, sendo agarrado com ainda mais força por uma Lenalee chorosa.


Ele largara sua bagagem e retribuía o abraço, observando Komui descer as escadas e o encher de perguntas, em sua maioria descabidas, cutucando seu braço e procurando danos aparentes enquanto tagarelava sobre como ele deveria ter se virado pra achar alguém que mandasse um recado para a Ordem, explicando a situação.


Reever ria muito, repetindo as milhares de perguntas do superior e o agradecendo por voltar vivo.


Mais alguns se juntaram à algazarra, incluindo Lavi, que agora o agarrava numa chave de braço, arrastando-o por aí e falando sobre como ele sempre soube que Allen voltaria.


Era ótimo estar em casa.


Eles se juntavam ao seu redor, murmurando e gritando o quanto era bom vê-lo de volta.


Depois de mais lágrimas e centenas de perguntas, ele conseguiu - com a ajuda da amiga - convencer todas aquelas pessoas de que ele estava bem e nada o faria melhor que algumas horas de sono.


Komui o deixara ir com a promessa de que reportaria tudo assim que acordasse e Lenalee pendurava-se em um de seus braços, lembrando-o o quanto sentira falta daquelas pessoas nos anos passados.


Ele arrastou-se satisfeito pelo caminho que lembrava levar a seu quarto - um dos últimos de um corredor estreito, ao final da escadaria que subia - sentindo que as coisas ainda estavam estranhamente lentas para ele.


Tudo parecia normal, mas se movia mais devagar, como numa memória. O garoto se sentia preso naquela letargia que parecia um sonho bom, sem se importar com aquilo.


Allen sabia que tinha preocupado a todos com seu sumiço à lá Cross Marian, mas aquilo fora necessário para o cumprimento da missão. Vários imprevistos o obrigaram a desviar-se de seu caminho, levando-o a lugares completamente inusitados.


E, a verdade seja dita, ele se perdeu um pouco também.

                    

Mas foi assim que pisou no corredor e sentiu seu coração disparar a ponto dele sentir o corpo todo pulsar.


Ele não teve tempo de reagir antes de ser envolvido por braços quentes e um cheiro familiar, sentindo todo e sangue de seu corpo correr para suas bochechas ao sentir mãos fortes o puxando de encontro à outra pessoa.


Não pela primeira vez ele percebeu largar seus pertences no chão, mas agora a velocidade retornara a seus movimentos.


Muito rápido.


Forte demais.


Ele subiu a mão direita, tocando a pele do homem que o envolvia, sentindo o coração do outro bater tão rápido por debaixo da tatuagem que se assemelhava ao seu próprio.


Como demônios ele conseguira passar tanto tempo sem escutar aquilo?


Allen sentiu Kanda encostar a testa na sua com a respiração entrecortada, vasculhando seu rosto com os olhos e suspirando. A mão do outro se ergueu, tímida, para sentir seus batimentos, postando se por cima da camisa que vestia.


Algo dentro dele choramingava por mais daquele homem, por que mesmo depois de tanto tempo ele não se esquecera do quão bom era ser protegido por outra pessoa, pra variar.


Ele fechou os olhos e sentiu lábios macios tomarem os seus, provando que até o gosto dele ainda era o mesmo.


Allen praticamente desmanchou quando suas línguas tocaram-se, ainda receosas.


Sua mão ainda estava sobre o peito descoberto do outro quando ele sentiu o exato momento em que o coração do outro disparou.


Mas ele desconfiava que o seu estivesse no mesmo estado.


Kanda desfez o beijo e juntou os lábios a seu ouvido, sussurrando tudo que ele queria escutar naquele momento.


- Okaeri.


- Tadaima. – Sibilou de volta.

    

Era maravilhoso estar de volta. 




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Notas finais do capítulo

I love you much
It's not enough

— K