Sangue... Sirenes... Gritos de aflição e sussurros curiosos. Onde eu estava mesmo? O que tinha acontecido?

- Kakashi... Kakashi!!! – Uma voz masculina profundamente abalada chamava o meu nome, mas por quê? Se eu estava mesmo aqui ao seu lado.

- Nos deixe trabalhar, iremos fazer os possíveis para que ele não morra. – Vozes fortes e indiferentes se faziam ouvir. Mas, quem eles não iriam deixar morrer?

Segui com o olhar para onde os médicos e paramédicos corriam juntamente com a pessoa que antes chamava o meu nome, aquele rosto moreno era-me familiar, mas por algum motivo desconhecido não o estava conseguindo reconhecer.

E então, por segundos tudo parou ao meu redor, tudo ficou escuro e confuso. Por que... Por que eu estava caído no chão ao lado de uma enorme mancha de sangue, se eu estou bem aqui... Porque raios eu também estava ali, caído, inanimado, era como se eu tivesse abandonado o meu corpo. Seria isso mesmo possível? Quereria isso dizer que, eu estava aqui, porque o meu corpo morreu?

- Kakashi!! – Novamente o homem de pele morena cabelo negro e rosto familiar gritou pelo meu nome. A tese de eu estar morto e ter abandonado o meu corpo fazia mais e mais sentido, mas se eu realmente estava morto, então, finalmente podia sorrir. Era o esperado fim.

Suspirei aliviado e apreciei por momentos o que era estar livre da dor e sofrimento, se isso era o que existia após a morte, se havia uma mínima hipótese de me resgatarem desde lado, eu não o queria. Mas, havia algo que eu ainda pretendia, se eu estava mesmo morto, ao menos merecia saber do que morri.

Observei por alguns momentos o cenário trágico em redor do meu corpo ainda caído e ensanguentado, e logo percebi pelo carro amachucado alguns metros distante que tinha sido atropelado. Então o meu fim, tinha sido causado por uma distração.

Não havia mais perguntas nem pessoas que queria ver, afinal eu não tinha ninguém.  Fechei os olhos e senti como se estivesse sendo transportado pelo vento como uma folha no outono. Agora tudo o que queria, era descansar, esquecer as dores e sofrimento causados por 25 anos de vida. Voar para longe e desaparecer.

Tudo começou a ficar escuro, eu esperava por isso, afinal se eu estava morto já não fazia sentido ficar ligado de forma alguma a este mundo cruel. A escuridão era o sinal que também era altura da minha alma abandonar este espaço. Finalmente...

- Kakashi... – Uma voz gentil e tranquila chamou o meu nome, mas preferi não responder. Optei por ignorar.

- Kakashi... Ainda não é a hora. – Novamente a mesma voz gentil, mas desta vez algo nas suas palavras me fez escapar da escuridão e voltar mais um pouco para onde ainda existia luz, porque como assim “ainda não é a hora”.

De volta aonde eu ainda podia enxergar, os meus olhos podiam jurar que estavam observando um anjo, mas não um anjo como aqueles que estamos habituados a ver nos livros e filmes. Era diferente, era uma linda garota que trajava um longo e bordado vestido branco,  de rosto angelical e maravilhosos olhos verdes cintilantes. Um longo cabelo castanho lhe caia sobre pelas costas terminando perto da cintura.  Eu não sabia o que ela queria de mim, mas contando que ela me quisesse, eu ficaria perdido entre a terra e o nada apenas para me deslumbrar com tamanha beleza e perfeição.

- Kakashi! – Ela murmurou o meu nome num suspiro como se estivesse aliviada por eu ter vindo ter com ela. Um sorriso brotou entre os longos e finos lábios que ela possuía e senti, senti um calor.

Mas, os mortos não deveriam sentir nada. Certo?

E novamente ela sorriu, mas desta vez como se tivesse lido o meu pensamento.

- Kakashi, você está confuso, e sabe por que está confuso? – Ela perguntou, mas certamente que aquele ser angelical sabia tão bem como eu, o quanto eu queria a resposta. – Você não está morto Kakashi, sua hora ainda não chegou.

E aquilo não fazia sentido. Alias nada fazia sentido. Uma hora eu estava em casa dormindo e essa é a ultima recordação que possuo de enquanto estava vivo e no segundo a seguir estou vagando no nada observando o meu corpo numa poça de sangue.

- Como assim eu não estou morto? Eu vi o meu corpo caído no chão, eu vi o sangue... – Murmurei suplicando uma resposta, de alguma forma eu sabia que aquela bela garota tinha as respostas que eu procurava.

- Eu vou te mostrar. – Ela tranquilamente sorriu e aproximou-se de mim, uma das suas mãos tocou a minha levemente, e uma onda de choques passou dela para mim.

E ali estava eu. Só que desta vez o meu corpo estava numa cama de hospital ligado a varias maquinas e tubos. Do outro lado do quarto estava outra cama, com alguém que possivelmente estava no mesmo estado que eu só que não lhe conseguia ver o rosto. E também não tinha importância.  Ao meu lado o rapaz moreno do qual eu não conseguia obter nenhuma lembrança suplicava para que eu voltasse, murmurava várias e várias vezes à palavra “acorda”.

 - Eu... – Tentei formar uma frase para descrever o que via, mas não consegui.

- Você não está morto, eu tinha te dito. O que aconteceu foi que você entrou em coma na hora do acidente e agora sua alma se recusa a voltar ao corpo. – A garota angelical tratou de colocar em palavras o que eu não estava conseguindo, só que ela o fez de forma ainda mais clara.

Por um segundo permaneci em silêncio apenas observando a garota que eu tinha a certeza ser um anjo.

- Kakashi, você precisa voltar. – Ela firmemente afirmou, como se de uma ordem se tratasse.

É talvez eu precisasse voltar, mas quem disse que eu queria voltar? Afinal, que motivos eu tinha para querer regressar a um mundo cheio de dor e desilusões. Ao menos aqui, eu estava muito melhor acompanhado.

- Eu não quero voltar, eu quero deixar o meu corpo morrer e permanecer aqui neste espaço vago ao seu lado. – Esclareci, e pude me sentir um perfeito idiota pelo que tinha dito. Eu me atrevia a dizer que, estava apaixonado por um anjo.

Ela sorriu. Um sorriso aberto e sincero, tamanha sinceridade jamais seria vista no sorriso de um humano. Isso porque humanos apenas mentem.

- Eu prometo que você irá me encontrar quando voltar ao seu corpo, mas por agora, você precisa regressar e se salvar. – Desta vez suas palavras não soavam como uma ordem, mas sim como um desesperado pedido. – Você precisa voltar para que nos possamos nos encontrar. – Finalizou com um profundo brilho nos seus lindos olhos verdes.

Seria mesmo verdade? Mas por mais que eu tentasse duvidar, era impossível não acreditar na sinceridade daqueles olhos. Por mais que eu não tivesse um motivo para querer salvar o meu corpo, eu iria voltar a viver. Apenas para poder reencontra-la no mundo dos vivos. No nosso mundo.

- Eu vou voltar ao meu corpo, mas que fique claro que eu vou te procurar... – Não finalizei a frase, pois eu queria chama-la pelo seu nome, mas nem isso eu sabia. Ou será que anjos também possuem um nome?

- Jun o meu nome é Jun. – Ela mais uma vez como se decifrasse os meus pensamentos me respondeu.

- Eu vou te procurar Jun. – Murmurei convicto e antes mesmo que pudesse dizer mais alguma coisa, senti-me a ser puxado de volta ao corpo que tinha abandonado. Eu iria regressar e viver, mas apenas para poder encontra-la.

*

*

*

- Kakashi... Kakashi... – Escutei uma voz familiar murmurar o meu nome, e lentamente abri os olhos que pareciam ter sido colados com alguma cola super forte. Quanto tempo eu havia ficado inconsciente?  

Observei atentamente o rosto de quem me chamava. Era o moreno, cujo nome antes eu não conseguia me recordar. Ele estava sentando numa cadeira ao lado da minha cama. Senti-me um idiota por não ter conseguido reconhecer o único amigo que me tinha restado quanto todas as outras pessoas me haviam abandonado. Itachi, um amigo verdadeiro daqueles que poucos existem.

- Eu agora estou bem... – Murmurei lentamente, pude sentir que todo o meu corpo estava dolorido. Era bem melhor quando estava do outro lado, onde as dores não existiam.

Um sorriso do tamanho do mundo brotou no rosto dele, e sem dar espaço para que eu pudesse dizer mais alguma palavra, Itachi saiu do quarto correndo feito um louco gritando que estava acordado, pelas palavras que consegui escutar acho que estive dormindo por uns longos três meses. Mas, a verdade é que do outro lado esses três messes pareceram apenas cinco minutos.

Suspirei longamente, queria muito voltar a ver os olhos verdes de Jun, só que desta vez, seria real. Apenas faltava o mais difícil, saber onde a encontrar. Fechei os olhos enquanto esperava que algum médico entrasse no quarto, isso não iria demorar. Não após os gritos de Itachi. Mas tudo o que eu realmente queria, era encontra-la.

Enquanto permaneci com os olhos fechados senti como se alguém me estivesse observando. Foi então que me lembrei de que não estava sozinho no quarto, quando Jun me mostrou o meu corpo no hospital, havia alguém numa cama do outro lado do quarto.

Abri os olhos e virei o rosto na direção de onde estava a outra cama. Por momentos achei que tinha voltado a entrar em coma. Porque, ela, estava ali. Jun era a paciente que estava na outra cama do quarto. E por algum motivo que espero um dia descobrir nossas almas se encontraram no limiar da vida e da morte. Ainda assim, para mim ela é um anjo.

Jun observava-me como se estivesse esperando ansiosa que eu a notasse. Seus lindos olhos verdes, que agora pareciam ainda mais maravilhosos brilhavam de felicidade. Tudo tinha sido confuso, eu talvez tudo não tivesse passado de um sonho, mas agora eu tinha um motivo para viver. Porque de uma forma sobrenatural e irracional, eu estava apaixonado. Perdidamente apaixonado.

- Eu disse que você iria me encontrar, Kakashi...

FIM