A roupa dos pacificadores é totalmente incomoda, não sei como eles aguentam ficar com isso o dia todo. Eu consegui convencer Daryl Craester a não me matar - Daryl é o pacificador que me encontrou na casa de Katniss - Ele conseguiu um uniforme pra mim. Contou alguma mentira ao seu superior, que fez com que eu pegasse o aerodeslizador. Ele me disse que estávamos indo para capital, para uma reunião de emergência ou algo assim.

Estávamos todos prontos para decolar, quando Daryl recebeu uma rosa e correu até a casa de Katniss, eu não entendi o porquê. Ele voltou com alguns arranhões, disse que foi culpa de um maldito gato cor de abóbora. Buttercup, penso, pelo menos eu não fui a única a sobreviver.

Daryl está sentado ao meu lado, mas não podemos nos comunicar. Ele está com o capacete, mas mesmo assim, quando se vira para mim, consigo ver um sorriso. Daryl Craester, eu devo minha vida a você. Olho para a janela atrás de mim, minha casa está tão longe agora. Porém eu não tenho mais casa, nem para onde ir. Desvio os olhos. Eu perdi tudo, e todos.

Nos afastamos ainda mais do distrito, olho de relance. Posso jurar que outro deslizador acabou de pousar no 12. E dessa vez não parecia da capital.

***

Quando chegamos na capital, formamos uma fila.

– Apenas faça o que eu fizer. – Sussurra Daryl.

Concordo com um movimento de cabeça, o capacete é grande demais e pesado, mas eu preciso dele.

Nos afastamos do aerodeslizador, e seguimos para um prédio alto e branco. O interior é espetacular, mas os pacificadores só olham para frente. O que eu acho um desperdício.

Direita, direita, esquerda, direita, esquerda, esquerda – tantas curvas que já fiquei tonta – finalmente paramos em frente a uma porta de metal, um elevador eu suponho. Mas não se parece nada com o elevador onde meu pai trabalha, quer dizer, trabalhava.

O elevador é espaçoso o suficiente para as treze pessoas, doze pacificadores e eu. Estou com medo. Estou sozinha, na capital – a culpada da destruição da minha casa, da morte dos meus pais. O elevador se abre, nem percebi o quão alto nós estávamos até que eu olhei por uma janela. Estávamos no último andar, trigésimo eu acho. A vertigem fez com que eu cambaleasse, odeio altura.

Entramos em um enorme auditório em formato de meia lua pouco iluminado, com o piso forrado por madeira escura, e as paredes com o mesmo material. Tem um tipo de palco ao fundo e uma grande tela. Seguimos em fila única até nos sentarmos na antepenúltima fileira, do lado esquerdo. Daryl está sentado do meu lado esquerdo.

– Apavorante – sussurro.

– Relaxa, estou do seu lado. – afirma ele, em um tom tão baixo quanto a própria respiração.

– Pacificadores – Uma voz grave e imponente ecoa, eu foco minha atenção no palco e vejo um homem de pele clara, grande, alto e calvo. Estou longe demais para ver detalhes dele, algo me diz que é melhor assim. – Hoje estamos passando por tempos tenebrosos – Para um homem que parece um “homem das cavernas”, ele fala muito bem. Ele continua:

– Por motivos de rebelião, o distrito 12 foi bombardeado no começo desta semana. Como todos sabem, estão ocorrendo levantes em todos os distritos – um mapa de Panem surge atrás dele, o distrito 12 marcado com um X – Os distritos 1 e 2 estão completamente do nosso lado.

O grandalhão sorriu maliciosamente enquanto pronunciava “completamente”. Ele tocava a tela nos respectivos distritos e algumas imagens apareciam, porém uma delas me chamou mais atenção: um grupo, a maior parte composta por jovens dispostos em uma fila ombro a ombro contra um muro de concreto escuro, todos cabisbaixos, e uma fila de pacificadores em frente a eles empunhando fuzis, quero dizer, mirando com os fuzis nas cabeças dos jovens. Completamente, ele disse, deram um fim aos rebeldes do distrito, completamente... Me pergunto se é isso que vai acontecer com todos os outros, suponho que sim. A capital não costuma ser piedosa.

– Já os distritos 8, 6 e 9 – ele toca a tela nos três distritos, logo aparecem imagens de multidões avançando contra pacificadores. – São os que me preocupam, não temos pacificadores o bastante para conte-los. Foi por isso que convoquei essa reunião emergencial, vou enviar as frotas de aerodeslizadores para as áreas em que o alerta vermelho foi acionado.

Ele encara sua “platéia” por 1, 2, 3 minutos. Depois começa a caminhar pelo palco, fitando o chão, parece querer ter certeza que ele continua ali.

– Entretanto, nosso maior problema é o controle dos rebeldes – ele volta ao mapa, e faz um circulo em volta do que antigamente havia sido um distrito. – O distrito 13.

O silêncio se faz. Não tenho certeza se eles sabiam ou não sobre essa informação, eles sempre ficam em quietos. Tudo o que sei sobre o 13 é que ele foi devastado, derrotado e não existe nada lá.

– O distrito inteiro está sob o solo, ou seja, não pode ser bombardeado. Mas não se preocupem, estamos buscando maneiras mais eficazes.

Ele parecia se divertir com a morte em massa. Tento imaginá-lo assistindo os jogos vorazes, será que ele ri a cada morte?

– O grande problema é quem eles mantêm lá. Aquela a quem eles deram o apelido de tordo, de esperança. – Ele faz uma pausa, e meu estomago se revira pois sei sobre quem ele está falando – Katniss Everdeen.

– Oh não. – Murmuro.

– O que? – sussurra Daryl surpreso.

– Minha melhor amiga é o símbolo da rebelião, e a culpa é minha. – respondo.

Ele me olha com uma expressão vazia.

A voz ecoa do palco outra vez.

– Alguma pergunta? Antes de entrarem nos aerodeslizadores.

Ninguém se levanta, nem se pronuncia. Ninguém exceto Daryl.

– Diga soldado. – Grunhe o grandalhão do palco.

– Quero saber o que eu faço com a melhor amiga do tordo. – Ele segura meu braço e me força a ficar de pé ao seu lado, ele tira meu capacete com a mão livre. – A melhor amiga de Katniss Everdeen.