O nosso infinito. escrita por libueno


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Uma carta da Só Hazel para o Não Fumante que melhor segura um cigarro na história da literatura.



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Coloquei o Azulzinho ao meu lado e estiquei o braço o máximo que os cabos presos a mim permitiam. Apertei o botão para chamar a enfermeira e ela chegou correndo.

— O que foi? Onde dói? - minha mãe perguntou, vindo atrás dela.

Revirei os olhos, e isso requereu um enorme esforço.

— Só preciso de uma caneta e um papel. Vocês podem me arrumar isso? - minha voz estava baixa e fraca, e minha garganta doía.

Minha mãe me fitou com desconfiança, mas a enfermeira sorriu.

— Você quer que a gente escreva alguma coisa, querida? - perguntou chegando mais perto de mim e afofando meu travesseiro.

Acho bom adicionar que foi nula a tentativa de afofar o travesseiro, porque ele era muitíssimo desconfortável.

Eu estava internada, mas isso não era grande novidade. Eu havia voltado a fazer água, mas dessa vez não tentaram retirar o liquido dos meus pulmões. Não tinha jeito, de qualquer maneira. Eu estava muito debilitada e sabia que ia morrer, então pedi pra doutora Maria me deixar em paz.

Minha intenção era ficar em casa, mas pra isso meus pais teriam que assinar um documento autorizando que eu não fosse encaminhada para um hospital, e caso eu viesse a falecer eles se responsabilizariam – sim, ela disse isso com essas palavras, o que fez meu pai se debulhar em lagrimas – então acabei vindo parar em um hospital.

Não que tivesse sido consultada, porque não fui. Mas não era assim tão ruim. Tinha horário de visitas, então os parentes que vinham se despedir ficavam pouco tempo dizendo o quanto eu era magnifica e o quanto faria falta, eu também não precisava ficar o dia todo ouvindo o quanto eu era guerreira.

Mas eu não era guerreira. Eu só não tinha outra escolha a não ser deixar que os médicos tentassem me manter viva.

E eu ainda estava viva. Morrendo, mas ainda respirando.

Bom, mais ou menos. Na verdade quem fazia o trabalho dos inúteis dos meus pulmões eram as maquinas. Mas era mais ou menos a mesma coisa – eu acho.

— Não. - respondi pra enfermeira. - Eu vou escrever uma coisa.

— Mas, querida... - minha mãe sussurrou - Você tem que poupar suas forças.

— São as minhas forças, mãe. E eu quero gastá-las com isso. Por favor, me tragam uma caneta e um papel, e me sentem.

A enfermeira trocou um olhar com a minha mãe, ambas parecendo bestificadas.

— Tudo bem, eu me sento sozinha. - blefei.

Eu não conseguia nem respirar sozinha, quem dirá me sentar.

— Eu escrevo pra você, Hazel. - minha mãe tentou me persuadir.

— Não. Tem que ser eu. Não quero que ninguém leia. - neguei.

— Mas... Hazel... você não pode se esforçar... isso é perigoso...

— Mãe. - cortei-a. - Não dá pra piorar ainda mais, tudo bem? Por favor, me traga uma caneta e uma folha.

Ela me encarou e seus olhos se encheram de lagrimas, mas ela me deu as costas e saiu pela porta.

A enfermeira quebrou as regras do hospital tentando me colocar sentada – privilégios do câncer –, mas a dor foi tão absurda que tive que voltar a deitar. Com lagrimas escorrendo pelo rosto e tentando sugar todo o ar que as maquinas me proporcionavam, deixei que minha mãe acariciasse meus cabelos.

— Tudo bem? - ela sussurrou.

— Escreve pra mim. - pedi.

— Tudo bem. - ela concordou.

— Você... - engoli em seco. - Tem que escrever exatamente o que eu ditar, tudo bem? Sem comentários. E depois que tiver terminado, não pode contar a ninguém sobre a carta. Você tem que levá-la até o tumulo do Augustus.

Minha mãe me fitou durante alguns segundos, depois abriu a boca pra dizer algo, mas eu a interrompi:

— Não, mãe! Você não pode dizer nada!

Ela pigarreou e concordou com a cabeça, se sentando em uma poltrona dura ao lado da minha cama. Colocou a folha sobre uma planilha e arrumou a caneta em posição.

— Querido Augustus... - comecei.

“Querido Augustus.

Primeiramente, gostaria de lhe dar a grande noticia: você não é um escritor tão de merda assim. Não tenho palavras pra dizer o quanto gostei do elogio fúnebre, e isso pode parecer estranho, mas gostaria que você o dissesse no meu enterro.

Foi legal da sua parte não querer que eu morresse e desejar que nos apaixonássemos. E isso pode parecer muito egoísmo, mas eu queria ter morrido antes. Sei que seria você a sentir toda a dor que sinto hoje, mas sou humana, e humanos são egoístas por natureza.

Uma vez, há dez mil anos atrás, você me pediu um elogio fúnebre, e eu não disse nem metade do que deveria ter dito. Amo suas metáforas e amo a maneira como você anda. Amo seu sorriso torto e amo seus dentes retos. Amo a sua voz e amo o fato de você me chamar de Hazel Grace, e não só Hazel.

Amo suas lindas pernas. Tanto a de metal quando a de verdade.

E odeio o filme V de Vingança que vimos quando fui à primeira vez na sua casa. Natalie Portman não tem absolutamente nada de parecido comigo, o que me faz pensar que você pegou o câncer de olho do Isaac quando assistiu ao filme e estava meio cego, o que resultou na sua incapacidade de diferenciar sexy de inchada.

A proposito, o Isaac está muito bem. Veio me ver ontem – não literalmente, mas você entendeu – e me contou que a Monica ligou. Foi pra amaldiçoá-lo e jurar que o processaria pelos ovos que vocês dois jogaram no carro dela, mas o que interessa é que ligou. Agora vem a melhor parte: ele disse que não sentiu nada ao ouvir a voz dela, o que já é um inicio.

Mas segundos depois de ter desligado o telefone na cara dela, ele se trancou no quarto e começou a jogar Counterinsurgence 2: O preço do alvorecer e a chorar. Como disse, foi um avanço. Sem troféus quebrados.

Ele se despediu de mim e disse que nos encontraremos do outro lado. Não fiquei chateada por isso, muito pelo contrario. Foi legal ele não ter me dito que tudo ia ficar bem e que nos veríamos logo que eu recebesse alta – foi o que a maioria das pessoas me disse. E ele chorou um pouco, mas se xingou por ter chorado e disse que estamos todos fodidos e que vamos todos morrer.

Ele mandou que eu te desse um abraço aí do outro lado quando te encontrasse, e eu prometi que daria.

Suas irmãs andam muito bem, obrigada. Seus pais aumentaram consideravelmente a quantidade de Encorajamentos pela casa, e seu pai me entregou uma almofada branca cheia de babadinhos com os dizeres “Pra sempre em nossos corações, Só Hazel”. Gostei bastante da almofada e os lembrei de que ainda estou com eles, o que fez com que meu pai saísse da sala chorando.

Meu pai chora um bocado ultimamente, o que às vezes me irrita. Mas tento sempre me lembrar de que a única coisa pior do que morrer com um câncer aos dezesseis anos é ter um filho morrendo de câncer aos dezesseis anos. Então eu respiro fundo – ou nem tão fundo assim, mas você entendeu – e tento acalmá-lo.

E sei que agora estou perto de morrer, Augustus. Já sinto que meu momento se aproxima, e estou tão apavorada que às vezes sinto que não pertenço mais ao mundo. E então eu fecho os olhos e me belisco, porque embora a dor física não supere a emocional, ela me ajuda a clarear a mente.

Meus pensamentos são estrelas que não consigo arrumar em constelações. Uma pessoa me disse isso há dez mil anos atrás.

Pretendia escrever aqui o quanto você é especial, e o quanto eu amo você, mas isso não seria o suficiente. Afinal, não é todo o dia que encontramos um cara não fumante que sabe segurar um cigarro entre os dentes e sorrir de uma maneira sexy ao mesmo tempo. Que não tenha uma perna e ainda assim tenha as pernas mais lindas do mundo. Um cara que me chame de Hazel Grace, ou que gaste o único Desejo para me levar pra conhecer o melhor e mais terrível escritor de todos os tempos (não me arrependo e ter ido à Disney. Gosto do Mickey).

Mas não vou escrever isso aqui, Augustus, porque você sabe de tudo isso. Porque você sempre soube de tudo isso.

Como diria Van Houten: sou um efeito colateral. Sou um experimento mal sucedido da mutação. E como qualquer experimento mal sucedido, tenho minhas fraquezas. E você, Augustus Waters, é a maior delas.

Eu aceito minhas escolhas, e fico feliz de saber que aceitou as suas.

Eu aceito, Augustus.

Eu aceito.

Okay.”


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