“-Eu precisei de você“

O gosto do seu sangue não saiu dos meus lábios, nem por um instante. Tinha um toque quente. As marcas das suas presas no meu pescoço também ficaram firmes, tão firmes quanto o nó na minha garganta. Eu me olhei no espelho.  

“– Vivemos num mundo sujo.” 

Suas palavras eram iguais as minhas. Acreditei que desejávamos algo que seguiria pelas mesmas trilhas... Você cantou aquela canção comigo, a canção da revolução. 

“- Por quê?”

As ruas da cidade-luz não me eram românticas. O cheiro infernal, a peste. A lua vermelha, tão vermelha quanto às ruas, tão vermelha quanto o resto do céu e as estrelas. O mono cor escarlate me incomodou. Minha cabeça ainda doía. Assim como meus olhos. E meu coração... Meu coração, onde estávamos? Minha alma rugia. 

“-Eu lhe oferecerei meus braços.”

Eu ainda me lembrava. Dos corpos moribundos, daquela mulher... O desejo de viver, a emoção mais forte... Seus olhos eram verdes, verdes como os de minha irmã...

 “-Senhor cavaleiro!” 

Você me chamou. Como sempre, “minha pequena fada azul”. Como podia? Com aqueles lábios cheios de sangue. O sangue dela. Eu estava caindo... Porque não me estendeu a mão? 

“-Eu estou caindo, caindo em minhas sombras...” 

Em seu peito, eu me perdi. Em seus braços, consumiu-me a loucura de lançar-me desesperadamente contra aquele mar verde, de sentir o gosto amargo, o gosto ardente do absinto escarlate, embriagante. 

“– Nossas almas estão ressoando, não sente, minha pequena Christine?” 

Meu nome. Meu nome nos seus lábios macios. Eles estavam mortos, um a um. Eu nunca mais veria os orbes verdes de Lia cintilarem ao ouvir minha voz. Ela era a única coisa que eu tinha.

“– Eu preferiria morrer” 

Seus lábios se secaram com essas palavras. O que esperava de mim? Eu não poderia agüentar aquilo, quando me caia a consciência. Eu vivi como um homem a vida toda, mas tinha um coração tão frágil quanto o da minha verdadeira identidade. Você sabia disso. A pessoa que cuidara de mim todos esses anos. Meus pontos fracos, meu coração,minha alma, meu corpo... Até meu corpo, tomou de mim, luxuriosamente. Queria que eu confiasse. Queria ver em meus olhos os mesmos olhos dela... A garota do quadro. 
“-Você não pode.” 

Como? As lágrimas escarlates desceram por meu rosto. Eu o amava, eu o amava. Mas o azul não se mistura com o carmim. Você sabia disso. Você sabia, e tentou, mesmo assim. 

“-A maioria diz que, mesmo se você ocultar a verdade, luz é luz.”

Não. Eu ainda tinha a lamina pendendo de minha cintura. E eu o olhei, com ódio. O ódio que eu nunca havia sentido 

“- A minoria diz que, se você incluir a falsidade, escuridão é escuridão.“ 

O desejo tenaz... Atracamo-nos, tal quais amantes. Você leria meus olhos. Você leria o ódio azul. Você sangrou. Meu peito, ferido, escorria o mesmo éter rubro que desejávamos. Chovia. O pássaro da alvorada e o cavaleiro azul. Você era o dragão. E eu tinha entre minhas mãos, a sua voz, a minha voz, nesse ultimo show arruinado... 

“-Você sabe qual vai ser o final“

A casa estava cheirando a álcool. Lembrei-me dos planos, dos planos que tanto havíamos feito com entusiasmo. A minha lamina raspou no chão.

“-E hoje,o Palácio de Versailles arde em chamas.”
 
Naquele turbilhão, eu vi seus olhos faiscarem. Que me odiasse. Eu caí daquele telhado. Meu peito doía. Meus olhos estavam ardendo, quando me afastei. Eu não enxerguei para onde estava indo 

“-Demônios nunca choram.Quem melhor que um vampiro para entender isso?”

As palavras me eram amargas. Tão amargas quanto o sangue que estava em minha boca. Tão amargas quanto à eternidade