Eram oito horas da manhã quando o despertador começou a tocar Dirty Boots do Sonic Youth no nível mais alto que era possível. Maddie levantou e deixou a música tocando e repetindo até vestir sua roupa para a escola. Como ainda era o primeiro dia não precisava usar o uniforme de líder de torcida, pois os treinos sempre começavam em setembro, então ainda havia um mês de descanso.
Vestiu uma camisa de alça azul que já pertencera a sua mãe, um jeans surrado, um converse e desceu as escadas. Deu tchau para o pai e para o Elvis, seu gato, e foi em direção a McClymonds High School.
Uma das melhores coisas de morar perto da escola era que Maddie podia acordar super tarde e não precisava dirigir o carro do seu pai — já que ele se recusara a comprar um para ela mesmo quando ela completou seus dezesseis.
Era o primeiro dia como uma aluna do terceiro ano que era quase tão bom quanto o quarto em relação a hierarquia social escolar, pois ela ainda tinha mais um ano para "aproveitar" a vida de estudante e mesmo assim era uma das mais velhas.
Quando chegou na escola, encontrou suas amigas da equipe de líderes de torcida na frente de seus armários e foi cumprimentá-las como se estivesse com saudades, apesar de ter as visto durante o verão inteiro.

—Oi.— ela falou e abriu seu armário que era o mesmo do ano passado.

—Oi Maddie.— Kim e Amber falaram enquanto lixavam as unhas—O Carl já chegou e estava te procurando...

"Merda." Pensou Maddie. Carl era um jogador de futebol americano muito bonito e desejado por muitas meninas, mas para ela era só mais um pé no saco imaturo que a seguia quando saiam em grupo. Há umas duas semanas antes, depois de tanta pressão das amigas Maddie aceitou ficar com Carl na festa de aniversário da Amber, mas teve vontade de vomitar. Talvez ele fosse muito cabeça dura para ela. Depois disso ele passou a telefonar como se eles tivessem algo sério e ela simplesmente não tinha coragem de quebrar aquela situação.

— Ah, depois falo com ele.—ela falou e pegou o papel com as grades de aula na bolsa. —Quais são as aulas de vocês?

— As mesmas babaquices de sempre. — Amber falou revirando os olhos e Kim riu, mas Maddie não via graça. Sabia que aulas opcionais fariam diferença na universidade. Mas com que ela estava se importando mesmo eram a Kimberly e a Amber, as gêmeas mais antas de Oakland! — E você, vai pagar a nerd novamente esse ano?

— Provavelmente, afinal, estamos a dois anos para a universidade, se é que vocês não lembram.- ela falou e o sinal tocou. Depois de fechar o armário, releu o papel. —Agora tenho redação, na sala do... estranho, não é mais na sala do Mr Phill, mudaram o professor.

— Tanto faz. — as duas amigas riram e deram tchau para Maddie que só conseguiu pensar o porquê daquelas oxigenadas ambulantes serem tão populares. Kim, Amber, Carl, Wallace... Todos tão ignorantes. Tinha algo muito errado com as pessoas que elegeram os "mais quentes" da escola. Maddie sempre andou com os mais populares por andar, pois sempre se sentiu deslocada. Ou ela era muito intelectual e culta ou os amigos que eram completos babacas. E o resto da escola também, que os idolatrava como se fossem melhores que alguém quando na verdade eram todos superficiais.

Maddie reencontrou alguns colegas no corredor, mas não teve como falar com eles pois agora todos corriam em direção a suas respectivas classes e ela seguiu o fluxo. Ao entrar na sala se deu conta de que o número de alunos haviam dobrado e a grande parte não conhecia, além de tudo, o velho e gordo professor não estava na mesa e apesar de Maddie ter algumas desavenças— conflitos com assuntos sociais, principalmente na hora dos debates sobre as redações — ficou um pouco preocupada sobre o que poderia ter acontecido.
Procurou uma carteira e tentou sentar ao lado de duas colegas que já estudavam redação com ela antes, mas elas pareciam enturmadas demais com a volta as aulas, por isso sentou em uma das carteiras do meio e ficou aguardando algum sinal do "novo professor". Enquanto as pessoas chegavam e sentavam, Maddie parou para observar. Estudou o ensino médio todo ali e conhecia pouquíssimas pessoas que não estavam na lista “quente”. A popularidade que ela vivia até que era bem limitada em: líderes de torcida, atletas e alguns simpatizantes a metidinhos. Isso poderia ser ótimo para muitos adolescentes, mas para ela era horrível. Ela queria ser conhecida por ser legal, engraçada e inteligente mas sua reputação era de loira oxigenada, cheerleader mente fechada e outros apelidos maldosos que sabia que os outros pensavam, apesar de seus cabelos claros serem naturais e sua personalidade revelá-la espontânea e decidida.
Olhou em geral e todos pareciam bem simpáticos, mas ainda havia uma carteira livre ao seu lado e parecia que todos tentavam evitá-la. Isso a deixou um pouco complexada se era por causa de sua reputação ou porque tinham outros lugares melhores. Por fim, um menino chegou atrasado e sentou no lugar, sem ao menos olhar para ninguém. Ele não parecia muito enturmado apesar de ser bem bonitinho.

Um homem alto, magro e bem-arrumado entrou na sala com uma maleta e uma garrafa térmica nas mãos. Todos ficaram em silêncio.

— Bom dia pessoal.— ele disse de uma forma simpática.—Para quem não me conhece sou Adam, e vou ser professor de redação de vocês esse semestre. Infelizmente o Professor Phill que lecionava para alguns de vocês, sofreu um acidente e não está em condições de trabalhar no momento, portanto a direção da escola achou melhor que as duas turmas do ano passado se juntassem em uma só.

O novo professor aparentava uns 30 anos e gesticulava muito com as mãos para falar. Isso para Maddie era um bom sinal já que uma vez ela havia lido em uma pesquisa feita em Chicago que pessoas que gesticulam bastante tem mais vocabulário e são comunicativamente mais abertas.
Além de tudo, seus alunos pareciam gostá-lo bastante, ao contrário do antigo professor que era renegado por muitos.

— Todos vocês estão aqui em uma aula opcional, mas acredito que Redação possa ser muito mais dinâmica do que muitos estão acostumados, afinal, vocês escrevem o que dizem e vivem e isso pode ser muito interessante.

Enquanto o professor falava sobre seus métodos e afins, ela parou para analisar os alunos. Todos realmente estavam prestando atenção, tipo, realmente mesmo, e algumas alunas até sorriam para ele. Maddie achou muita puxação de saco da parte alheia e começou a olhar para o menino que estava ao seu lado. Agora que ela o olhava com mais precisão já que ele estava direcionado ao Adam, percebeu que os olhos dele eram azuis, daqueles com o tom bem vivo. Ele estava vestindo uma camiseta polo, um jeans levemente apertado e um vans preto velho nos pés, mas sua postura e o jeito de olhar eram um pouco fechado, como do tipo — ela odiava aquela expressão— nerd. Garotos do tipo “cérebro” para Maddie eram muito mais atraentes do que do tipo “músculo” como o chato do Carl.

— Então gente, vocês são quase trinta alunos no total e acredito que uma aula com mais interação renderá melhores notas. Hoje, para vocês se conhecerem e se enturmarem melhor, quero que façam uma redação sobre como foram suas férias. — Adam disse e todos riram. “Cliche”, pensou Maddie, mas o professor continuou. — Não se empolguem meus caros, para tudo é preciso um pequeno esforço! Vocês faram uma redação sobre férias, mas não sobre as suas férias.

— Como assim? — uma menina ruiva que Maddie não conhecia estava no fundo levantou o braço.— O senhor quer que escrevemos sobre as férias de outra pessoa? Mas...

— Exatamente Chloe, vocês terão quinze minutos para conhecer e interrogar o seu parceiro de durante o restante da aula e farão uma redação com todos os dados que colheram. Além de tudo, quero que retratem cada impressão que você teve do seu parceiro. Na próxima aula vocês trocarão seus respectivos textos e saberão mais sobre o que os outros pensam de você.

— Fácil.- alguns alunos disseram e começaram a formar duplas.

“Ótimo, estou sozinha.”, pensou Maddie. As poucas pessoas que conhecia naquela classe já estavam enturmadas o suficiente. E quem quereria ser seu parceiro naquela aula de pseudo-escritores?

— Nem tanto. Não quero duplas da mesma turma. Quem era meu aluno fará com aluno do Mr Phill. E sem “mimimi”, podem começar a formar agora e logo passarei a lista de chamadas.— Adam disse e marcou no relógio. Maddie até que estava gostando dele, mas essa atividade ia estragar tudo. Enquanto todos começaram a se unir, ela continuou imóvel até que só sobrou ela e o menino ao seu lado sozinhos no centro da aula.

—Oi. — o menino bonito disse e colocou sua carteira um pouco mais para o lado dela, sem olhá-la muito.

—Ah, oi. — ela disse e sorriu. Ele parecia um pouco tímido, por isso começou a ajudá-lo a ficar ao seu lado e depois disso ficaram em silêncio. Ele olhou para baixo e ela resolveu tomar iniciativa. — Sou Maddie, da equipe de líderes de torcida.

—Zachary Thompson... do jornal da escola.— ele respondeu com um tom de ironia e ela sorriu, mas depois se arrependeu de ter falado que era líder de torcida.

—Ah então você já é experiente na redação...

—Não exatamente, eu sou o fotógrafo do jornal. Na verdade eu nem curto muito, só faço para ajudar mesmo.— ele falou e uma mecha de seus cabelos pretos cairam no rosto.

—Ah, mas deve ser legal. Adoro fotografia — ela disse e Zachary sorriu. Logo em seguida um garoto passou a lista de chamada para trás, logo ela assinou sobre o seu nome e passou para Zachary.

—Amandine Chevalier?— o menino disse com um pouco de dificuldade e Maddie ficou um pouco aflita. Ela realmente odiava seu nome e buscava escondê-lo sempre.

—Avós franceses. — ela falou e assentiu com uma cara de vergonha. — Todo mundo acha que é Madison, Madeleine ou até mesmo Matilda por causa do apelido, mas já me acostumei.

— Na verdade eu nem pensei nisso, só não imaginava que Maddie vinha desse nome tão bonito. Gosto da França, eles fazem biquinho para falar.

—Ah qual é, não é bonito. É até exagerado. Mas como sou francesa... — ela falou fazendo biquinho e cara de metida, ele riu. Maddie achou sua risada contagiante e bonitinha.

—Ok ok pessoal, vejo que já se enturmaram mas vocês precisam fazer a redação. — o professor veio baixinho na mesa deles e eles assentiram, começando a fazer perguntas um ao outro do tipo “O que fez nas férias?”, “Estava com quem?”, “Onde passou a maior parte do tempo” e foram anotando no caderno. Depois de quinze minutos, começaram a escrever, dessa vez em uma folha que Adam tinha entregue.

De acordo com ele, as férias de Zachary tinham sido nada extraordinária. Ele estudara bastante já que estava no último ano do ensino médio e se precisava se concentrar para a futura universidade de Artes. Quando não estava em casa, ficava com seus amigos tocando e se divertindo no velho shopping do bairro. Em geral não foi nada diferente do período escolar, de acordo com ele. Maddie também não havia passado por nada incrível no verão, treinou passos e acrobacias com a equipe das líderes Riders, leu alguns livros da biblioteca da escola, pintou o cabelo de azul — mas depois se arrependeu e tirou a coloração — saiu com o pessoal da escola e ganhou três quilos.
Mesmo com todos aqueles dados, escrever sobre uma pessoa que pouco conhecia era realmente difícil e todos da sala pareciam não conseguir seguir coerentemente com o que o professor Adam havia pedido.
Quando já havia passado trinta minutos de aula, Adam parou todos as atividades.

— É realmente complicado, não é pessoal?

Todos concordaram e começaram a debater uns com os outros.

— Pensaram que seria fácil, já que estão acostumados a julgar uns aos outros mas na hora que precisa ser coerente, percebem o quanto é difícil.- ele disse e todos ficaram sem graça, menos Maddie que concordava totalmente. — Essa era a proposta, agora vocês entendem o quanto é importante conhecer uns aos outros antes de qualquer redação e isso vale para vocês mesmos, é preciso conhecer a nós por dentro para nos descrevermos. Por isso, vou aumentar o prazo de entrega da redação para outubro, ou seja, vocês terão três meses para ficar intímo do parceiro e escrever sobre ele.

— Mas ai nós vamos esquecer o que aconteceu nas férias!— um menino falou e a sala riu.

— Esquecem as férias, vocês vão dissertar sobre o que aprendeu com o seu parceiro, sobre como ele é, o que vocês tem em comum, enfim. Quero que vocês compreendam e vivam essa experiência de julgar com coerência, que é algo que vocês, adolescentes— ele disse com um tom de sarcasmo— ainda não conhecem por inteiro.

Maddie percebeu que alguns alunos tinham gostado da proposta e outros a criticavam baixinho. Ela tinha achado interessante e Zachary parecia também. Depois disso, o professor passou matéria na lousa e os alunos copiaram no mesmo lugar que estavam, por isso Maddie e Zachary tiveram um tempinho para conversar. Falaram sobre bandas, filmes e muitas coisas que a fez perceber que tinham muito em comum.

— Ei, posso te fazer uma pergunta?— ele perguntou baixinho enquanto copiavam e ela assentiu.— Você é mesmo líder de torcida? Quero dizer, não gosto de rotular mas você não faz muito o tipo sexista e irritante...

Ela o olhou um pouco sem graça.

—Ah, desculpa. — ele falou envergonhado e ela percebeu que ele ficava bonitinho com as maçãs do rosto vermelhas. — Não queria te ofender.

— É, eu sou... É que eu fazia ballet e sempre gostei desse tipo de coisa, mas não é pela reputação nem nada, eu simplesmente curto. Não, tá tudo bem a maioria das minhas amigas são assim mesmo.

— Então por que você anda com elas? Você parece tão legal e inteligente...

— Ah, eu tenho que andar com elas.

— Tem mesmo? Você é obrigada?
O sinal tocou e ela não teve tempo para responder. Logo tiveram que arrumar as carteiras e todos saíram da sala apressado, a fazendo perder Zachary de vista.

Depois de seis aulas, foi para o intervalo. Sentada na mesa, ouviu seus colegas reclamarem de tais professores de tais matérias e julgarem alunos novos. Um dos apelidos maldosos que haviam inventado para uma menina primeiro ano era “almondêga” por causa da pele negra e seus quilinhos a mais. Para ela era um apelido maldoso e ridículo, mas para o resto da mesa era totalmente engraçado e eles estavam dispostos a espalhar. Se manteve calada o tempo todo só pensando no que o Zachary tinha perguntando a ela, e levando em conta que fazia muito sentido.

— Maddie, tá viva? — Um dos jogadores de futebol estralou o dedo na cara dela e ela se assustou.

— Ah, sim. — ela respondeu e todos riram.

— Tá tão quieta... — No que tá pensando? Kim falou mas ela se manteve quieta. — Responde criatura!

— Até meus pensamentos você quer controlar? — Maddie falou nervosa mas todos riram. Ela só estava cansada de ser motivo de piada entre o grupinho.

— Nossa! Que bravinha! — um menino falou.

Mas Maddie voltou aos seus pensamentos.

— Ela tá chata assim desde o verão, e eu nem sei porquê. — Amber falou e Maddie continuou ignorando.— Ah deixa ela, antes assim do que com as nerdices dela.

Maddie voltou a pensar. Desde as férias ela já estava de saco cheio, era muita superficialidade, ignorância e falsa popularidade para cabeça dela. Talvez ela devesse se afastar um pouco deles, afinal, tinha tanta gente muito mais interessante que ela podia conversar.

Ela levantou e foi jogar o resto do purê no lixo, afinal, toda aquela conversa tinha tirado sua fome. Quando estava jogando, encontrou Zachary caminhando para fora do refeitório. Ali, sem reação, resolveu segui-lo e se encontrou no velho campo de futebol americano que a escola usava apenas para treinamento.
Ele não a viu, portanto sentou sozinho na arquibancada e acendeu um cigarro.

— Oi. — ela sentou do lado dele.

— Ei. — ele sorriu e ofereceu um cigarro, mas ela se recusou. — Você estava no refeitório, não estava?

— Pois é, digamos que aquela sua pergunta me fez refletir um pouco. — ela respondeu e ele sorriu, depois tragou um pouco. — Mas enfim, você sempre ficou aqui nos intervalos? Eu nunca tinha te visto na escola antes.

— Antes eu ficava com alguns amigos no refeitório, depois que eles se formaram fiquei um pouco sozinho e descobri que o campo ficava aberto então passei a vir para cá.

— Você nunca come na escola? — Maddie perguntou rindo e ele negou com a cabeça. — Não acredito.

— E eu não acredito que você come a comida da escola. É indigerível. Você realmente acha isso bom?

Ela concordou. Ele riu. Ela riu. E eles passaram o resto do intervalo conversando naquele dia durante o dia seguinte e assim por diante, até que os próprios tiveram convicção de que tinham muito mais em comum do que podiam imaginar.