Never Again escrita por Maga Clari


Capítulo 1
Capítulo 1 - Sonho de uma noite de inverno




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A madrugada de Londres amanhecera com aquela cor cinzenta de sempre. Aquele mesmo vento frio, aquela mesma chuva gelada. A única coisa que havia mudado ali eram as visitas frequentes de um certo garoto travesso, mais conhecido como Pan. Peter Pan, como sempre se apresentou.

Já fazia muito tempo desde a sua última visita. Onde estaria nosso amigo? Esquecera Wendy? Esquecera os meninos perdidos? Esquecera as histórias da Cinderella?

— Wendy?

A jovem arregalou os olhos. Estava assustada por ter sido pega acordada tão tarde. Depois que crescera, Wendy Darling resolvera dividir um flat com seu irmão John, perto do trabalho. Estava cansada de seus afazeres como dama. O que mais queria era voltar ao tempo em que dormia no mesmo quarto de seus irmãos, quando não se desgrudava deles.

Ah! Como sentia falta daquilo! Miguel ainda era novo demais para que a Senhora Darling permitisse tamanha loucura. Mas não demoraria tanto até que ele crescesse e se juntasse aos irmãos queridos. Para Miguel, tudo seria uma eterna festa. Entretanto, não era bem assim que acontecia naquele flat. Constantemente, Wendy sentia uma tristeza profunda. Pegava-se olhando para a rua através da janela, numa espera irracional pelo grandioso menino-perdido.

As noites insones eram tantas, mas tantas, que seria impossível contar nos dedos o número de vezes em que isto ocorria. Esta não passava de mais uma dessas noites. Como de costume, John descera ao ouvir os passos de Wendy rangendo pelas escadas, e fora prestar seu apoio à adorada irmã.

— Wendy... — tentou outra vez, aproximando-se dela, que estava próxima à janela da cozinha.

— Ahn... Oi — ela respondeu, esquentando água no fogo.

— Pensando nele outra vez?

— Não... — mas ao ver a expressão de incredulidade do irmão, sempre acabava admitindo — Tudo bem, eu estava.

— Ele não vai voltar, Wendy... Às vezes, penso que foi só um sonho. Talvez tivéssemos visto algum filme juntos e sonhamos a mesma coisa. Além do mais, essa coisa de pó magico e fadinhas não exis...

— EXISTE SIM!

 Wendy apressou-se em tampar a boca de John mais rápido que um foguete. Quase como se a sua própria vida dependesse disso. E de fato algumas vidas dependiam.

— Elas existem! Ouviu bem? E eu não estou ficando louca!

Essa cena se repetiu inúmeras vezes. Tantos foram os momentos em que sua insônia virou rotina... Acordava, preparava um chá e ficava sentada no parapeito da janela olhando o céu, a lua, as estrelas.

Numa dessas noites mal dormidas, seus sonhos vagos onde quase todos envolviam sereias, piratas e índios foram interrompidos por uma voz:

— Wendy, se apresse! Assim perderemos a peça!

— Hum... Que peça? — ela esfregou os olhos, meio sonolenta — Ainda é noite. Deixa-me dormir.

— Ainda é noite? é noite, Wendy. Você dormiu a tarde toda! São sete e quinze. A peça começa às oito!

A menina que empurrava Wendy era muito bonita. Estava no auge dos seus vinte anos, a pele brilhante, o cabelo dourado. Este caía levemente em seu rosto enquanto chacoalhava a amiga dorminhoca.

Não dada por vencida, colocou-se de pé outra vez, e apertou as mãos na cintura. Tina conhecia Wendy há poucos meses, mas já sabia inúmeras táticas de persuasão.

— Se você não levantar agora, falarei para o seu irmão dizer que...

— Acordei, acordei! Calma!

As duas meninas deram risadinhas.

Wendy levantou e se trocou o mais rápido que conseguira. Fazia muito frio, e suas bochechas continuaram rosadas, mesmo com toda aquela parafernália de inverno. Botas, luvas, gorros...

O mesmo não se podia dizer de Tina. Algo em sua aparência de boneca fazia-nos ponderar se ela realmente era um ser humano... Bobagem, talvez fosse apenas maquiagem extra. O fato é que o inverno em Londres era quase insuportável. Apenas esses eventos alegravam as noites, afinal, havia aquecedor em todos os grandes Teatros.

— Obrigada por ter me arrumado esses camarotes, Tina. São maravilhosos, pertinho do palco.

— Sou a melhor amiga do mundo ou não sou?

 Tina sorriu e colocou o binóculos. Wendy prosseguiu a conversa:

— Sabe, é bom tirar a cabeça um pouco da Universidade e se distrair, não é? Melhor ainda se pudéssemos viajar para a Terra do...

— Já sei, já sei, para Terra do Nunca. Desencana, Wendy. Olha! Apagaram as luzes. Vai começar.

Wendy revirou os olhos, hesitante, e também colocou seus binóculos.

"E agora, senhoras e senhores, tenho o prazer de apresentar para vocês a mais nova encenação de 'Sonho de uma noite de verão' de Shakespeare. Estrelando, Pan Thompson"

Houve uma salva de palmas e um jovem que não devia ter mais do que dezoito anos entrou no palco. Seu sorriso era contagiante à medida que cruzava o meio do palco. Ele realmente conseguira o carisma da plateia.

Wendy observava tudo aquilo: o jardim, os animais, as criaturas, e esse tal Pan... Pan... Espera...

— Wendy. Ei, Wendy, aonde é que você vai?

Mas já era tarde. A jovem descia as escadas circulares num só fôlego até alcançar a beirada do palco. Wendy Darling se escondera e estava escuro, ninguém podia vê-la. Ou será que podia?

Wendy virou delicadamente a cortina, de modo que apenas seus olhos e uma mecha de seu cabelo ficassem à mostra.

"Então tudo é verdade. Não es­ta­mos dor­min­do. A­com­pa­nhe­mos logo o duque e em caminho contemos nossos sonhos"

Ouviu-se um longo silêncio.

"Er... Acompanhemos logo o duque e em caminho contemos nossos sonh-ooos", o ator repetiu de forma cantada.

Ouviu-se um burburinho e uma das atrizes puxou discretamente as vestes de Pan.

"Ei! Sua próxima fala começa com 'então vamos' "

Mas nada o tirou do transe.

"Pausa para o intervalo", disse o diretor.

As cortinas fecharam.

Pan não conseguira desviar a atenção da menina da cortina. Dos olhos dela, luzes irradiavam. Será que era uma fada? Ou apenas seu inconsciente lembrando-lhe de que um dia existiu Sininho?

Não sabia. Mas havia algo nela que o recordava aventuras longínquas, de quando ainda era uma criança que voava, que lutava contra piratas, e tocava a flauta dada por sua mãe.

Talvez nada daquilo fosse um sonho. Se tantas histórias habitavam sua mente extremamente fértil, certamente seriam lembranças.

Pan só não entendia o que a menina da cortina tinha a ver com aquilo.


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