Quando o Amor não Acerta escrita por jotaviomarques


Capítulo 1
Capítulo 1




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 Debaixo de uma cegueira emocional, durante um bom tempo (ou seria mau tempo?), encontrava-se Roberto. Encantado como uma serpente pelo flautista estava por Luana. Se o movimento do flautista encanta a serpente, os “movimentos” de Luana encantavam Roberto. É que ele nunca teve uma aproximação tão intensa como teve com ela. A tal encostava-se o tempo todo em seu corpo e tratava-lhe com afeto, despertando, enraizando um pequeno amor. Por ser pequeno, o chamo de filho do amor, mas por ter crescido e tornado-se “atrevido”, cego e decepcionante, o chamo de paixão ou filho do Diabo se preferir.

 Foi no colégio onde tudo começou. Um singelo rapaz, de nobre coração, viu Luana pela primeira vez na sala de aula. Viu a segunda, a terceira, a quarta... a quadragésima e nada ocorreu. Quer dizer, na segunda vez, conversaram e se conheceram. Demorou um pouco para terem uma boa amizade. A quadragésima primeira vez que a viu, foi quando Roberto sentiu uma forte atração. Quiçá por estar só há muito? Viu a moça de cabelos cacheados, de tez branca, macia, delicada; de corpo bonito, com um ar de pureza, beleza e formosura angelical. Mais baixa que ele, a considerava como sua bonequinha, sua menininha, a qual precisava de seus cuidados. Cada vez mais ela o encantava com o seu jeito. Parecia ser apenas uma amizade mais forte, daí o fato de Roberto não ter revelado o seu sentimento a ela, temendo que aquela graça toda da amizade fosse perdida com o impacto que causaria a declaração.

 Tudo muito belo, se não fosse Luana participante de um grupo de cinco amigos de anos atrás e que, de certo modo atrapalhavam os momentos de solidão entre os dois. Roberto foi convidado para participar do grupo e logicamente aceitou. Foram muitos os passeios que fez com os novos amigos. Cada vez que ele via Luana, mais deslumbrado ficava. Também pudera, pois quanto mais movimentos o flautista faz, mais a serpente se encanta, e quando tenta dar o bote, ele se reclina voltando a tocar depois. A mesma coisa Luana fazia: acariciava Roberto e quando ele tentava algo, ela percebendo, distanciava-se um pouco, porém voltava a encostar lentamente. Mais um motivo para Roberto acreditar que aquilo era apenas amizade.

- Leonor – diz Roberto a seu grande amigo, que não estudava com ele, e não sabia do caso – tenho algo a dizer...

- Diz – em tom sutilmente arrogante, como se já soubesse do que se tratava –

- É que uma gata está me deixando confuso...

- O que ela tem feito?

- Bem, é que ela... Não sei explicar direito... Bem, ela e eu somos muito amigos... E quando estamos juntos, ela fica próxima de mim... Me acaricia... Mas quando me aproximo dela, se afasta...

- Como assim?

- Ela é muito carinhosa, porém quando vou “retribuir” o carinho, ela se afasta...

- Bem, durante esses meus vinte anos nunca passei por isso. Acho que ela gosta de você, mas tem medo de se declarar além de também ter medo de que se aproxime dela... Talvez por nunca ter beijado... Não sei.

- É , pode ser.

- Por que não fala com ela?

- Não sei...

- Não gosta dela?

- Sim, acho que gosto. Mas é uma confusão tremenda esse gostar...

- Bem, eu não posso fazer nada... Quem resolve é você!

- Verdade... – diz desanimado por não encontrar uma solução melhor para o caso. –

 Roberto não dormiu direito naquela noite pensando no assunto. No outro dia, chegou cedo ao colégio, decidido a falar tudo para Luana.

- Eu vou dizer... Eu tenho que dizer... – disse consigo mesmo –

  Como de praxe a aula começou e a bonequinha não havia chegado, pois sempre estava atrasada. Veio a segunda aula, a terceira, a sexta... Luana não foi à escola. Roberto foi falar com os amigos do grupo:

- Luana não veio hoje... Por que será?

- Não sei – disse Tábata, a melhor amiga de Luana –

- O que foi Roberto, sentiu falta da companheira? – disse Marcos apoiado posteriormente por gargalhadas dos quatro colegas. –

- Na verdade eu apenas senti falta como se fosse um de vocês se faltassem hoje.

- Ah Roberto... Tá na cara que entre vocês dois há algum lance – disse Luísa, talvez a mais esperta do grupo –

- É verdade. Vocês formam um par perfeito – disse Paulo.

- Não, jamais! Não há nada entre nós. – sua mãe chega e o leva para casa –

 Dominado pelo orgulho, Roberto pensou:

- Não vou dizer nada a ela... Pra que? Para o grupo ficar depois falando coisas...? Aqueles idiotas... – Nisso dormiu, complementando o sono da noite passada quase “perdida”. No outro dia, voltou à rotina. Chegou no colégio no horário de costume, que não era atrasado, e foi surpreendido: Luana já havia chegado. Aquilo foi um choque direto no seu ego e se pôs a lamentar:

- Se fosse ontem...

  O ocorrido nesse dia é idêntico quando precisamos de algo e não o encontramos, uma lanterna, por exemplo. A bendita sempre fica na caixa de ferramentas. Ao faltar energia elétrica à noite, acendemos uma vela e vamos até o quarto de bagulhos. No caminho, tropeçamos no tapete, depois, no gato que dorme no chão. Ao chegarmos lá, somos emaranhados por teias de aranha, além de incomodados com a poeira, com os ratos e com as baratas. Por fim, abrimos a caixa e nada da lanterna. Procuramos na casa inteira, diante da escuridão, e não a encontramos. No outro dia, vemos que ela está realmente na caixa de ferramentas, só porque precisamos do alicate ao invés dela.

   A aula começou. Terminou. Tudo estava normal. A partir daquele dia, passaram-se dois, três, dez. Passaram-se um, dois, três meses. Veio o quarto mês. Nesse sim a coisa ficou interessante. Roberto chamava a atenção de pretendentes. Ele nem bola dava... Parecia que o seu coração foi abduzido por Luana. Porém ele continuava naquela de não dizer nada. Foi até interrogado por Leonor do porquê de coisa alguma ter acontecido. A resposta foi: ... Um silêncio profundo de Roberto.

 Para apimentar o “lance”, Luana pediu a Roberto que estude com ela para a ultima prova do ano – isso para quem passasse por média no colégio -, pois não dominava bem o assunto dela. Não teve outra resposta, se não sim. Sendo as provas na sexta (na verdade eram duas), passaram a tarde de quarta e de quinta-feira estudando associação de resistores em física, e geologia em geografia, assuntos empolgantes para que os dois ficassem juntos – o caro leitor não viu e nem percebeu, mas eu não resisti ao riso com o que acabei de escrever. Essas tardes marcaram muito os dois, principalmente Roberto, que quase falou o que tinha de falar a ela, todavia não o fez. Nem ele sabe o porquê.

 Na sexta-feira Roberto fez a prova e despediu-se dos amigos, pois viajaria para Itaparica, Bahia, onde iria passar os três meses de férias. Falou com Marcos, com Paulo, com Luisa, com Tábata e por fim com Luana. Um beijo foi dado por ela em sua bochecha (ou seria um ósculo?). Ele o retribuiu. No sábado, viajou.

 Passadas duas semanas, Roberto curtiu bastante as férias. Contudo, acordou numa terça-feira, às nove da manhã, tomou seu café, foi ao computador. Abriu uma página de relacionamento da internet e visitou o perfil de Luana. Levantou-se da cadeira e correu desesperadamente até a cozinha, tomou um copo de água e voltou. Sentou-se, olhou novamente para a página e viu: “Luana Pessoa – Namorando – Very Good !” – Nos nossos ancestrais, a adrenalina era liberada no corpo para dar impulso a eles para fugirem do perigo ou alcançarem um determinado alvo  com rapidez. Em nós, serve também para isso, só que, às vezes, de maneira diferente. Serve para, em situações como essa, fugirmos do problema e encontrarmos uma solução para o mesmo. Foi o que aconteceu com Roberto. Suas células tomaram um banho de adrenalina e de testosterona após ler a frase. Ficou tão furioso que o pobre do mouse sofreu por ter sido usado como martelo para bater na mesa. Sua tia chamou a sua atenção por ter feito isso, só que nem percebeu, por ser tamanho o impacto que sofreu.

 Ele desligou o computador e saiu. Foi até a orla, sozinho. Sentou-se numa pedra e observou o mar. Somente fez isso. Não conseguiu pensar no assunto. Passado um tempo, voltou para casa. Almoçou e foi visitar novamente o perfil da bonequinha, que transformara-se na “noiva do Chucky”. Viu além daquela mensagem, as fotos recém colocadas de um tal de Jackson.

 

- Que mau gosto... Esse cara é horrível... Sou mais eu... Claro, não falei a ela o que deveria ter falado... Talvez tenha se aproximado de mim esperando que eu tomasse a atitude de juntar-me a ela... E eu não fiz... Burro! Asno! – a partir daí as palavras estão censuradas.

 Imediatamente ligou para Leonor e falou do caso:  

- é óbvio que isso tinha que acontecer, Roberto! Se gostava da menina por que não falou para ela? Se não quisesse mostrar de cara, pelo menos a convidava para sair, tomar um sorvete...

- Eu não liguei para que me dissesse o que já sei e nem para me dar possibilidades passadas. Liguei para compartilhar esse momento ruim.

- Tudo bem, desculpe-me. Apenas queria ajudar... O que pensa fazer?

- Não sei. Acho que nada pode ser feito.

- Certo.Te desejo boas férias. Olha, tenho que desligar. Vou sair com Mariana.

- Mariana? Vocês estão...

- Sim, meu amigo. Estamos namorando.

- E eu aqui...

- Bem, boas férias! Tchau!

 Se o fato de Luana está namorando foi a Bomba de Hiroshima, o fato de Leonor está namorando foi a Bomba de Nagasaki. É que ele não dava muita importância a namoros, pois passava quase o dia inteiro resolvendo equações do curso de astrofísica de fazia. Apesar disso, era um “expert” em garotas, pois passou boa parte de sua adolescência rodeado delas por atraí-las porque estudava bastante.

 Passaram-se dois dias e Everaldo, esposo de Carmen, a tia de Roberto, volta de uma visita que fez aos parentes em Lisboa. Traz Marina, uma garota linda, de olhos verdes, cabelos cacheados louros, etc. Era tudo o que Roberto queria... Na verdade não. Queria mesmo era Luana, apesar dos pesares.

 Marina era muito compatível com Roberto, até a idade era a mesma, dezesseis anos. O gosto por música de qualidade, por literatura, por artes. Quando digo que era muito compatível não cometo hipérbole. Tanto era que ela começou a gostar dele e este percebendo, a ignorou e levou tudo numa boa amizade...

 Enquanto isso, Roberto visitava o perfil de Luana, torcendo para ver uma frase parecida com: “ Acabou”... “ E era vidro e se quebrou”... “Já foi tarde” – essa era a que queria mais ver – Nisso, teve uma idéia: construiu um poema declarando-se para ela. Assim o fez e enviou o escrito por correio eletrônico.

 No outro dia, o telefone celular toca. Era Luana. Quando Roberto viu o número no visor, correntes de esporro “visitaram” o seu cérebro. Mas a atendeu:

- Alô? – falou sem querer ter dito algo –

- Roberto?!

- Sim – deglute saliva e respira fundo –

- É que eu recebi um e-mail... O que é aquilo?

- É a verdade – diz depois de dois segundos de silêncio –

- Mas por que veio me dizer agora?    

- Sempre achei que deveria dizer, mas não disse. “Antes tarde do que nunca”, não acha?

- Tudo bem. Só não entendo por que me mandou o e-mail...

- É que eu precisava lhe dizer isso... Senti até um alívio agora. Posso até respirar... – na verdade Roberto fez a declaração achando que através dela Luana poderia terminar o namoro, se realmente ela gostasse dele.

- Certo... Sinto muito. Mas não posso fazer nada... – Sabe o piloto do avião que jogou a bomba em Hiroshima e em Nagasaki? Ele negou até a morte arrependimento pelo feito. Atitude parecida com a de Luana, pois ela foi quem provocou toda a história.

- Eu sei disso... – disse murchamente, pois não era bem isso que queria ouvir... – Apenas quero que continue a nossa amizade...

- Ah, essa sempre continuará. Por que não?

- Nunca se sabe Luana...

- Vou desligar, meus créditos estão acabando. Tchau.

- Tchau.

 Marina ouviu toda a conversa, quer dizer, parte dela, já que não escutou o que Luana falou. Foi até Roberto:

- O que houve?

- Problemas. – diz num ar ignorante –

- Posso ajudá-lo? – pergunta docemente –

- Acho que não. Prefiro não comentar sobre o assunto.

- Tudo bem, se assim quer... – e saiu –

 Marina era lindíssima, meiga, inteligente. Corajosa também, pois tomou a atitude que Roberto tomou tardiamente. Depois de duas semanas foi até ele:

- Roberto. Eu sei que tu sabes qu‘eu gosto de ti... Mas eu quero resposta tua.

- Marina. Eu queria sentir o mesmo por você, mas não sinto. Desculpe-me.

- É uma pena... Mas para o amor nada tem querer, nada tem vontade própria. Mesmo qu’eu veita em flor viesse a ti, por mais linda que fosse,não irias querer colocar-me em teu jardim... 

- Desculpe-me, mas o que é veita?

- Ah, perdão. É que o termo não é utilizado aqui no Brasil. Veita quer dizer feita. Estou a adaptar-me ao português brasileiro.

- Tudo bem.Muito bonito o que disse. Obrigado, me serviu bastante.

 E serviu mesmo. Roberto acabara de sepultar o sentimento de que um dia pudesse estar junto de Luana. Desanimado, procurou esquecê-la, procurou gostar de Marina. Não conseguiu.

 Passaram-se as férias. As aulas voltaram. Começou um novo ano. Começaram Novas conquistas. Foi o que Roberto pensou. No primeiro dia de aula, lá estava ele. Viu todos chegarem. Luana chegou. Ela o viu e foi imediatamente falar com ele. Falou de tudo. Perguntou de tudo. Mas não tocou no assunto.

 Novos alunos chegaram na classe. Entre eles, André. Esse merece bastante atenção. Aprochegou-se do grupo dos “seis”. A amizade foi logo feita. Entrou para o grupo e fizeram as mesmas coisas que no ano passado faziam.

 Luana aproximou-se tanto do novo amigo, que Roberto viu o seu retrato no passado, quando ela o acariciava, o abraçava, entre outras coisas mais.No inicio ficou com ciúmes. Depois começou a refletir:

- Por que ela faz isso com ele? Ela fazia o mesmo comigo... O que aconteceu?

 O tempo foi passando. A “flautista” cansou de brincar com a velha “serpente” e conseguiu uma nova. O chamego de Luana com o novo amigo era equivalente ao que ela tinha como velho amigo no ano passado. Um fato interessante: a bonequinha não estava mais namorando o Jackson. Isso despertou uma certa fúria e ,ao mesmo tempo, curiosidade em Roberto. Com isso, decidiu investigar. Primeiro, perguntou a Leonor:

- Não sei, Roberto. É uma atitude muito estranha a dela... Também não entendo.

- Será se ela sente prazer em raptar corações?

- Quem sabe...? Mas, ele gosta dela também?

- Não sei, ainda não perguntei. Mas vou perguntar...

- Não seja inconveniente...

- Ora, por que? Se ele ainda não gostar, posso “salvá-lo” das garras dela...

 Foi o que fez, não para evitar o “rapto”, mas sim para procurar respostas. Depois de uma longa conversa com André, Roberto foi direto ao assunto. Já foi afirmando concisamente, intimidando-o, dizendo que Luana parecia gostar do novato. E que ele, o novato, gostava dela. Depois de labutar bastante, Roberto ouviu o que tanto queria:

- Sim, eu gosto dela. É do seu jeito. Da sua graça. Mas não sei se ela gosta de mim.

 Roberto parou por aí mesmo. Não falou mais nada. Não queria desanimar o novo amigo e nem propor possibilidades para que Luana e André ficassem juntos. Refletiu, refletiu e refletiu. Nada veio à sua mente. Nada explicava o comportamento da bonequinha. Quanto mais martelava, mais icógnitas apareciam. Quer saber caro leitor, nem eu mesmo sei qual era a intenção de Luana. Só Deus deve saber. Só sei de uma coisa: dessa vez o amor não acertou quem deveria.


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