O dia marcado para o chá na casa de Edgar chega. Laura e Edgar contaram as horas pra que o momento do reencontro chegasse, queriam muito a presença um do outro. Na cozinha da casa dos Vieira, Margarida e Edgar conversam.

Margarida: - Meu filho essa sua idéia de inventar um chá tão em cima da hora foi um pouco descabida e não é nada bonito o senhor inventar convites em meu nome, ouviu rapaz?

Edgar ri: - Ai mamãe, inventei o convite do chá porque queria muito rever a Laura e fazer uma surpresa para ela. Como achei que havia sido ousado demais ao levá-la ao clube para assistir ao treino de cricket...

Margarida o interrompe: - E foi meu filho. (rindo) Que idéia mais descabida a sua, ainda bem que Assunção lhe deu consentimento, mas não ouse se atrever novamente Edgar com essas idéias modernas demais.

Edgar continua: - Então pra poder me encontrar novamente com a Laura o mais rápido possível, inventei um convite para um chá em seu nome mamãe, achei que não teria problemas.

Margarida: - Será um segredo nosso meu filho, pra todos os efeitos, eu fiz o convite.

Edgar: - Obrigada mamãe.

Os dois sorriem e se abraçam.

Edgar nervoso falava sem parar: - Será que a Laura vai gostar desses biscoitinhos? E se ela não gostar de chá?! Precisamos de refresco de laranja, refresco de laranja eu sei que ela gosta. E esse bolo será que vai agradá-la, não tem muito recheio não? Ou será que tem recheio de menos?

Margarida ri de Edgar: - Meu filho que nervosismo é esse?! Deixe que do chá eu e a criada cuidemos. Não precisa se preocupar com o recheio do bolo, com o refresco de laranja ou com qualquer outra coisa, tudo dará certo. Logo Laura estará aqui. (diz ela tentando acalmar o filho).

[Batidas na porta]

Margarida: - Oh! Devem ser elas.

Edgar se adiantando: - Deixa que eu atendo. (E corre para sala para abrir a porta, sendo seguido por Margarida que ria do adiantamento de Edgar).

Edgar abre a porta e esboça um largo sorriso, sorriso também presente na face de Laura ao se deparar com Edgar abrindo a porta.

Edgar: - Laura como esperei para lhe ver. (Beija a mão de Laura.)
Como vai dona Constância?

Constância: - Melhor impossível. É ótimo para uma mãe ver a alegria de uma filha. A Laura não via hora de estar aqui.

Laura: - Mãe! (Envergonhada) Dona Margarida como a senhora está?

Margarida: - Muito bem minha querida. Dá cá um abraço? (As duas se abraçam). Vejo que está ainda mais linda do que no dia da festa, se é que isso é possível, mas está com um sorriso reluzente que a faz ainda mais bela. Vamos entrar. (Apontando o centro da sala para as duas)

Constância e Laura se sentam uma do lado da outra. Edgar se senta ao lado de Laura não deixando de olhar para ela um minuto sequer. E Margarida se acomoda em outra poltrona ficando de frente para os três.

Margarida: - E então Laura, como vão suas aulas de piano? Constância me disse que você adora música.

Laura sorri: - É verdade eu adoro música. As aulas vão indo bem, embora eu ainda esteja muito no início. É delicioso aprender tudo. Quem sabe um dia eu não vire uma pianista profissional? (diz divertida).

Margarida surpresa: - Uma pianista profissional?

Constância: - Ora Laura não diga esses absurdos. Onde já se viu uma mulher pianista profissional. Isso é loucura.

Laura: - Mas nós já temos a Chiquinha Gonzaga, ela é uma maestrina.

Constância se altera: - Chiquinha Gonzaga Laura? Você está proibida de falar desta mulher, uma desclassificada.  Ela jamais pode ser exemplo pra uma moça direita como você Laura, jamais. É uma mulher divorciada, um verdadeiro horror, um escândalo. Não é Margarida?

Antes que Margarida responda, Edgar se posiciona: - Mas não pode-se negar que Chiquinha Gonzaga é dona de um enorme talento musical.

Margarida então busca acalmar o clima no ambiente: - Então, vamos ao chá? (Margarida conduz todos à mesa).

Laura e Edgar se sentam um de frente para o outro.

Edgar: - Laura você gosta de chá?

Laura: - Na verdade não muito.

Constância: - Laura! Onde estão seus modos, se fomos convidadas para um chá você diz que não gosta de chá.

Margarida: - Não tem importância Constância. Quero que se sintam o mais a vontade possível.

Edgar: - Admiro muito a sinceridade de Laura. (sorrindo) Mas você gosta de refresco de laranja que eu sei, então pedi pra prepararem especialmente para você.

Laura: - Você fez isso por mim Edgar? (contente)

Margarida: - Isso e muito mais. Acreditam que o Edgar estava preocupado até mesmo com a quantidade de recheio no bolo? Queria que tudo estivesse extremamente perfeito para agradar a Laura. (diz ela divertida)

Edgar: - Mamãe. (sem graça).

Margarida, Constância e Laura riem. Laura olha encantada para Edgar.

Constância: - Mas não é um primor de rapaz?! Viu como Edgar é atencioso com você Laura? É um rapaz de ouro.

Margarida: - Um filho e um rapaz maravilhoso.

Edgar sem graça: - Assim as senhoras me deixam encabulado.

Constância: - Mas a verdade tem que ser dita, é um rapaz maravilhoso sim, Laura certamente concorda comigo, não concorda?

Laura sorri meio sem graça: - Claro que concordo. Edgar é maravilhoso. (ela olha diretamente para Edgar.)

Edgar sorri enormemente: - Este elogio não poderia ter vindo de melhor pessoa que não você Laura.

Os quatro seguem no chá, conversando por vezes sobre Laura e Edgar, contando os gostos e particularidades de cada um. Margarida e Constância por algumas vezes entravam em assuntos domésticos, mas por incrível que pareça nessas horas Laura e Edgar não se entediavam estavam desfrutando tanto da presença um do outro com olhares, sorrisos, risadas que mal prestavam atenção em Margarida e Constância. Aliás, Edgar por diversas vezes se encontrava praticamente paralisado, com a o queixo apoiado nos punhos, olhando fixamente para Laura quando esta tomava a palavra em alguns instantes para si. Num desses momentos Margarida chama o filho:

- Edgar desperte meu filho. Está deixando a Laura um tanto quanto encabulada desse jeito, Edgar. Não acha que está na hora de mostrar a surpresa para ela?

Constância: - Surpresa?

Laura: - Surpresa para mim?

Margarida: - Edgar tem um presente para você.

Edgar: - Ah mamãe era eu que devia ter dito.

Margarida: - Mas eu não revelei qual é o presente meu filho. E você está aí tão distraído, achei que deveria lhe ajudar.

Edgar: - Não há nenhum problema mamãe. Eu vou ao meu quarto buscar o presente. Volto já, com licença.

Edgar sobe as escadas em direção a seu quarto enquanto Margarida acomoda Constância e Laura na sala novamente. Edgar desce até sala com um pacote nas mãos.

Edgar estendendo o pacote de presente para Laura: - É pra você Laura.

Laura se levanta e pega o pacote de presente:

- Ai o que será, fiquei deveras curiosa Edgar.

Edgar sorri: - Abra!

Laura abre o embrulho: - Dom Casmurro! O novo livro do Machado. (exclama ela feliz, porém sem acreditar)

Edgar sorrindo: - Você queria tanto.

Constância tenta disfarçar o ar de reprovação sobre o presente escolhido pelo rapaz. Já Laura abre um largo sorriso e num impulso dá um beijo no rosto de Edgar.

Laura: - Brigada Edgar. (sorrindo encantada para ele)

Edgar fica paralisado com o beijo de Laura, não esperava essa reação dela. Ganhar um beijo de Laura era mais que ele podia sonhar. Os dois ficam se olhando com enorme sorriso no rosto.

Constância: - Laura que atrevimento foi esse? O que Edgar e Margarida irão pensar? Beijar o rosto do rapaz.

Margarida: - Não iremos pensar nada demais Constância, fique tranqüila, Laura só esboçou sua alegria, percebo que meu filho acertou em cheio no presente.

Edgar: - Não pensaria mal de Laura por um beijo de agradecimento, receber o carinho faz com que eu me sinta muito feliz.

Laura: - Ai Edgar, foi o melhor presente que ganhei na vida. Você comprou um exemplar pra você também?

Edgar: - Na verdade não. Fui tão empolgado à livraria Garnier buscando Dom Casmurro pra você que esqueci até mesmo de mim. Mas numa próxima visita comprarei um exemplar para mim.

Margarida: - Já que Laura gosta tanto de livros porque não mostra à ela sua coleção, Edgar? Leve-a até a biblioteca. Quero ficar um pouco a sós com Constância, tenho alguns assuntos para tratar com ela.

Edgar: - Que ótima idéia mamãe. Você quer Laura?

Laura: - Claro!

Edgar: - Vamos até a biblioteca então?!

Laura e Edgar seguem para a biblioteca da casa dos Vieira enquanto Margarida e Constância ficam conversando na sala.

Edgar: - Fique à vontade. (Apontando o interior da biblioteca para ela.)
Venha aqui (dando a mão a ela e a colocando de frente a uma enorme estante repleta de livros). Todos os deste lado são meus.

Laura: - Uma parede inteira Edgar. (Admirada) E uma parede enorme. (rindo)

Edgar: - Uma vida dedicada à leitura (rindo). Chegue mais perto para ver os títulos.

Laura: - Isso é um paraíso você tem de tudo aqui.  Acho que tem mais livros aqui do que na  Biblioteca Municipal (brincando). Que inveja Edgar!

Edgar: - Há algum que você não tem?

Laura: - Alguns.

Edgar: - Pegue o que você quiser. O que você quiser é seu.

Laura: - Não Edgar, são seus. Tenho tanto apego aos meus livros, acredito que você aos seus, não é justo.

Edgar: - Garanto que com você estarão em melhores mãos.

Laura: - Mesmo assim acho melhor não. Eu amei o seu presente, mas você viu a cara que a minha mãe fez, sabendo que você me deu o livro?

Edgar: - Espero não ter lhe causado nenhum problema. Sei que você está proibida de comprar livros, mas achei que sendo um presente não  haveria nenhum problema e você queria tanto o Dom Casmurro, lançaram a pouco e você teria que esperar pelo menos dois meses para adquirí-lo, resolvi adiantar.

Laura: - Eu amei o seu presente Edgar. Não só pelo livro, mas pela intenção por trás do presente, prestar atenção nos meus desejos, minhas vontades, nunca imaginei que alguém que eu conheço há tão pouco tempo pudesse ser tão atencioso e compreensivo comigo, ainda mais um rapaz.

Edgar: - Nos conhecemos há pouco tempo é verdade, mas tenho a sensação que lhe conheço desde sempre, temos tantas coisas em comum. Eu já adoro o seu jeito, a sua companhia, quanto mais descubro sobre você mais fico encantado. Nunca conheci uma moça como você.

Laura: - E eu nunca imaginei que poderia existir um rapaz como você.

Laura vai ficando sem graça e muda o rumo da conversa.

- Eu aceito então pegar seus livros emprestado.

Edgar: - Se assim lhe agradar, a mim agrada mais ainda. Mas e dona Constância?

Laura: - Bom, minha mãe me proibiu de COMPRAR livros novos, mas não disse nada sobre pegar emprestado ou ganhar o Dom Casmurro de presente. (rindo)

Edgar: - Como você é esperta Laura. Então escolha o que quiser para levar quando quiser.

Laura: - Deixe-me ver estes aqui então.

Laura se aproxima das estantes para olhar os livros ela puxa um deles e acaba derrubando três no chão.

- Nossa como fui estabanada me perdoe. (se agachando para pegar os livros que derrubou)

Edgar: - Não se preocupe.

Edgar também se abaixa para ajudá-la a pegar os livros: as mãos dos dois então se encontram em meio a um dos livros a fazendo-os sentir uma forte sensação que fora reprimida por diversas vezes nos poucos encontros que tiveram, eles se olham sem dizer nada e se levantam sem soltarem as mãos. Os olhares continuavam perdidos um no do outro, olhares estes que se incumbiam de falar e expressar tudo o que um  queria dizer ao outro, mas as palavras não sabiam expressar. Estão com o os rostos bem próximos, ambos podiam sentir a respiração exaltada um do outro, Laura sentia suas pernas tremerem e Edgar por sua vez era tomado por uma mistura de nervosismo e coragem. Edgar se aproxima mais de Laura, ele a hipnotiza com seus olhos claros e ele por sua vez mergulha profundamente nos olhos da moça.

Edgar diz calmamente e baixinho para que só Laura pudesse ouvir: - Esse seu olhar encantador, tão misterioso e ao mesmo tempo tão revelador me prende tanto, ao mesmo tempo que ainda existe uma menina  também existe  o despertar de uma bela mulher tão decidida em seus ideais. Laura você... esse seu olhar... eu não consigo me controlar...

Edgar sem conseguir mais resistir, beija os lábios de Laura. Ele segura seu rosto e movimenta os lábios levemente, Laura mal esboça alguma reação, porém também não foge do beijo do rapaz, o fazendo se sentir mais seguro na ousadia. Era o primeiro beijo da moça. Laura não sabia o que fazer, estava completamente entregue, envolvida, um nervosismo misturado a uma felicidade incontrolável tomavam conta do seu ser.

O beijo é rápido, mas a intensidade de emoções dos dois jovens presente naquele gesto de carinho os fizeram sentir o tempo parar. Os dois se olham confusos, nervosos, e até mesmo um pouco assustados.

Edgar com um largo sorriso, mas ainda sem acreditar no que acabara de fazer tenta dizer: - Laura... eu...

Porém é impedido de continuar ao ser interrompido pela entrada de Margarida e Constância na biblioteca.

Constância: - Laura, vamos. Recebi uma mensagem de sua tia Carlota, ela nos espera em casa com urgência, precisamos ir.

Laura e Edgar despertam do clima romântico que viviam naquele momento. Laura não diz nada, não saberia o que dizer a Edgar depois de ter sido pega de surpresa ganhando um beijo dele, o seu primeiro beijo. E muito menos saberia como reagir sendo interrompidos assim por Constância e Margarida.

Constância: - Laura você está me ouvindo? Vamos minha filha, sua tia me espera.

Laura olha fixamente para Edgar, pega o Dom Casmurro que caira no chão no momento em que Edgar a beijara, e sai sendo puxada por Constância que alegava ter muita pressa.

Constância: - Margarida me desculpe sair assim.

Margarida: - Não foi nada querida, imprevistos acontecem. Espero que voltem mais vezes.

Devido a correria a despedida não ocorre de forma muito próxima. Laura e Edgar nem se despedem, antes de cruzar a porta de saída Laura olha mais uma vez fixamente para Edgar que não esconde o sorriso bobo no rosto.