Jason

O navio navegava pelo céu, sol estava alto e nenhuma nuvem de tempestade estava à vista, mas eu sabia que nesses tempos nenhuma paz é realmente duradoura. O Argo III estava sendo minha casa há um bom tempo, navegando entre os acampamentos, buscando semideuses e resolvendo problemas, não era a mesma coisa que o Argo II, mas desde que Leo tinha voltado ele se esforçou para deixa-lo mais familiar. Enquanto olhava o céu me lembrava do dia em que Leo tinha aparecido voando nas costas de Festus com a namorada dele, Calypso, claro que o acampamento meio-sangue e os romanos que estavam ali não souberam como reagir, Leo havia sido dado como morto em ação quando se sacrificou para deter Gaia e salvar o mundo, mas depois de alguns momentos todos ficaram felizes com a volta do brincalhão em pessoa, mesmo que eu tenha tido que acalmar Piper para ela mesma não mata-lo, eu também não tinha ficado bem com a ideia das “férias secretas de Leo” , mas fiquei feliz por ele estar de volta conosco.

Faziam quase oito meses desde que Leo tinha voltado, nesse tempo ele e Jonathan Stone, o novo chefe do chalé de Hefesto, haviam terminado de construir a versão melhorada e mais irada do Argo, que agora tinha espaço para até vinte semideuses, cada um em seu próprio quarto, um monte de outras funções complicadas que só Leo e Jonathan entendiam, além de terem criado uma imensidão de novos projetos que estavam mudando a vida de todos nos acampamentos, acho que o contato entre semideuses gregos e romanos estava criando algo novo, mas eu não conseguia adivinhar no que daria só esperava que fosse em algo bom. Fiquei olhando para o céu em quanto pensava até que alguém veio falar comigo:

— Perdido em pensamentos de novo Jason? — Só pela voz enrolada e sonolenta eu já podia saber que era Dakota, ele podia parecer bêbado mesmo sem tomar uma gota de álcool. Eu o tinha trazido comigo dessa vez pois ele estava tendo alguns problemas no acampamento Júpiter por causa do vício em suco tang, então eu o trouxe comigo e decidi que o ajudaria a parar com isso, quer dizer, não deveria ser impossível mesmo para ele, não é?

 — Um pouco — Eu respondi — Só imaginando o quanto as coisas têm mudado, como elas tem se tornado algo que nunca poderia imaginar, mas que está mais perto da realidade do que nunca.

— Hum, bem profundas suas palavras pontífice — Ele disse, por mais que esse fosse um título muito nobre, ouvir meus amigos me chamando assim era estranho, e também minha missão já estava terminada, os deuses menores já tinham seus templos em ambos os acampamentos, suas histórias seriam conhecidas por todos agora, me perguntava se ainda merecia ser chamado assim — Ainda não entendi o porquê de ter me chamado nessa missão no meio de tanta gente, alguns poderiam dizer até que um dos novatos seria escolha melhor.

A forma como ele falou me deixou triste e me fez notar o quão ruim sua situação havia chegado, ele também estava um pouco desleixado e fora de forma quando o chamei no acampamento Júpiter, durante a primeira parte da viagem que ia até o acampamento meio-sangue eu me dediquei a mudar isso, foram dias de bastante treino e disciplina que dei a ele, agora no retorno ao acampamento Júpiter podia notar as diferenças, mas não tinha certeza se seu vício havia indo embora.

— Eu discordo — Disse veemente — Você é meu amigo e tem lutado ao meu lado há muito tempo, isso já te faz uma opção muito valiosa.

Realmente, aquilo era mais verdade do que eu queria dizer, as formas como as coisas haviam mudado rapidamente nas últimas semanas havia me surpreendido, talvez, trazer Dakota nessa missão de intercâmbio tenha sido uma forma de me sentir mais confortável com tudo isso, desde que Annabeth fora sequestrada as coisas pareceram enlouquecer um pouco mais do que o normal, em um dia Percy foi enviado para busca-la, no outro dezenas de semideuses aparecem em ambos os acampamentos trazidos pelo que chamaram de uma luz que os envolveu e aparentemente também os ensinou nossa língua pois agora havia campistas de todos os cantos do mundo. Dakota parecia prestes a falar quando foi interrompido por uma voz chamando por mim.

— Jason, a reunião, estão esperando por você — Era Ana, a irmã de Percy, ela era uma dos que havia chegado na luz, alguns dias antes do retorno do irmão e havia se adaptado ao acampamento muito rápido, ela disse vir do Brasil, o que me fazia querer perguntar o que Poseidon fazia por lá.

— Já estou indo — Eu disse para ela e depois me virei para Dakota — Sinto muito, mas parece que meu tempo relaxando acabou, nos falamos depois.

Dizendo isso caminhei até Ana e ela veio ao meu lado até a sala de reuniões, que ficava logo atrás da cabine dos controles que funcionavam magicamente sem ninguém para manuseá-los, pelo menos até ser necessário alguma atitude inesperada. Ana vestia uma armadura de couro por cima da blusa azul, além da calça e tênis pretos carregava na cintura sua espada dourada, ela já a tinha desde antes de aparecer no acampamento, seus longos cabelos negros estavam presos em rabo de cavalo. Eu a havia trazido comigo do acampamento meio-sangue porque vi que desde que havia retornado Percy a estava sufocando muito, então para evitar uma briga entre os dois escolhi Ana como minha ajudante, além de que éramos amigos e confiávamos um no outro.

— Sabe Jason, ainda não sei como vocês conseguem se manter sãos com tudo o que vem acontecendo — Ela disse abrindo as portas — Eu particularmente me sinto à ponto de enlouquecer.

— Eu também me pergunto muito isso Ana, muito mesmo.

Dentro da sala de reuniões havia uma grande mesa em forma de semicírculo e na frente dela havia uma tela que mostrava imagens de qualquer lugar do mundo, nesse momento mostrava a imagem de algum lugar em nova York onde semideuses terminavam de instalar um tipo de antena de bronze celestial. Na sala estavam Leo, Jonathan, Nicholas e Amber.

— Enfim vocês chegaram, achei que teria que aguentar esses dois falando de engrenagens e pistões o dia inteiro — Nicholas disse com seus coturnos sobre a mesa e toda delicadeza que um filho de Ares teria, na verdade, ele era agora o segundo conselheiro chefe do chalé de Ares, já que Clarisse não podia deixar seu posto na segurança do acampamento.

— Sabe que não precisa falar assim, não é? — Amber retrucou enquanto acariciava sua pequena gatinha preta em seu colo, na verdade elas pareciam inseparáveis, onde Amber ia sua gatinha estava junto, o que era um toque interessante para uma filha de Hécate — Deveria mostrar mais respeito e educação, afinal, você é o líder do seu chalé.

Era estranho ver Amber e Nicholas discutindo, ambos tinham a mesma idade, 16 anos, mas Amber parecia muito mais jovem e mesmo discutindo não mostrava muita confiança. Ambos usavam o uniforme do acampamento com seus toques pessoais, Amber havia adicionado um pouco de brilho mágico a sua camisa e a seu cabelo loiro o que a deixava parecendo ainda mais como uma criança, Nicholas por sua vez tinha alguns cortes e certas manchas avermelhadas bem suspeitas, moreno, músculo e com corte militar, sem a atitude indisciplinada poderia ser confundido com um fuzileiro naval muito facilmente.

— Ei garotinha, pelo menos eu estou aqui por mérito próprio, o que não posso dizer de você — Nicholas disse fazendo Amber se encolher na cadeira. Embora estivesse ali Amber fora escolhida por votação para representar seu chalé já que os conselheiros chefes não podiam se ausentar, mas isso não a tornava menos merecedora de um lugar no navio.

— Tudo bem, já chega, temos coisa mais útil a fazer do que perder tempo assim — Eu interrompi — Certo Leo, qual a situação?

— Pensei que eu fosse capitão, não deveria ser eu que pergunto qual a situação? — Leo disse com um largo sorriso, Jonathan ao seu lado pareceu um pouco desconfortável, apesar de não admitir tinha uma certa competição com Leo pelo navio, já que o Argo III havia sido ideia de Jonathan — De qualquer forma, tudo está bem, a instalação da antena Iris I foi um sucesso, os materiais para a Iris II no acampamento Júpiter estão abordo e preparados para a instalação assim que chegarmos.

— Então qual o motivo dessa reunião? — Perguntei sentando em uma das cadeiras — Parece estar tudo em ordem.

— Ahem, bem, nem tudo na verdade — Jonathan tomou a chance de falar — Como todos aqui sabem, essa vai ser a última viagem do Argo III entre os acampamentos por um bom tempo e essa informação está em segredo, não sei bem o que vamos falar para os campistas de ambos os lados, porque não vamos receber louros por agir dessa forma.

Jonathan tinha razão, mas mesmo assim não podia deixar de concordar com o jeito que estávamos agindo. Depois que Percy retornou com Annabeth e contou aos conselheiros do chalés e a Quiron sobre a nova ameaça e sobre a chamada Legião da Luz todos ficamos muito abalados, mas uma decisão foi praticamente unânime, deveríamos preparar ambos os acampamentos e para isso os semideuses deveriam estar em seu lugar devido, mas como mantínhamos a informação em segredo seria muito difícil que houvesse compreensão, principalmente daqueles de um lado que criaram relações com o outro, ouvi uma vez que um garoto romano que namorava uma grega e com certeza não gostariam de estar separados sem um bom motivo.

— Isso nós decidiremos mais tarde — Eu disse, mas admito que vinha dizendo isso há algum tempo — O principal objetivo dessa missão é deixar o sistema Iris pronto para funcionar.

— Sim, e eu estou aqui para isso, não é? — Amber disse empolgada — Essa com certeza vai ser ideia do século.

— Talvez, mas ainda não temos certeza se vai funcionar — Jonathan disse parecendo chateado.

— É claro que vai funcionar — Amber retrucou irritada — O chalé de Hécate trabalhou por semanas para atingir um meio de equilíbrio entre tecnologia e a magia, para assim podermos trocar informações entre os acampamentos mais rápido e sem chamar a atenção de monstros.

Ela tinha razão, o sistema Iris já era uma ideia em questão bem antes das novas descobertas, mas se tornou algo extremamente necessário depois delas, e essa ideia estava a ponto de entrar em funcionamento.

— Não tenho dúvidas de que vai funcionar Amber — Ana disse quebrando seu silêncio, as vezes ela me lembrava Nico com seu jeito quieto — E se buscam uma desculpa para encerrar o programa de intercâmbio por um tempo indefinido podemos dizer que vamos operar num cadastro para o sistema que precisa de cada um em seu devido acampamento, pelo menos é uma ideia, não é?

Todos da sala ficaram em silêncio por um minuto, então percebi que apesar de Ana sempre me acompanhar nas reuniões aquela era a primeira vez que falava algo e não poderia ter dito nada melhor, ela acabara de resolver nosso maior problema, mesmo sendo próximo dela nunca imaginaria tamanha perspicácia, Percy teria com certeza uma forte competidora.

— Bem — Leo disse tamborilando os dedos sobre a mesa — Acho que isso encerra nossa reunião.

Com isso nos levantamos e caminhamos para a porta, mas então Jonathan me chamou e disse que queria conversar comigo.

— Bem, acho que você ainda tem negócios para resolver — Ana disse sorrindo — Te vejo por aí.

— Jason, me acompanha cara, não curto muito ficar nessa sala — Jonathan disse indo em direção a amurada do navio e pareceu dar um olhar torto para Leo que ainda estava a mesa mexendo em algumas maquininhas espalhadas, de repente senti que estaria entrando em um terreno perigoso.

— O que você quer fala comigo? — Disse enquanto Jonathan se apoiava na amurada, torcendo para que ele não me perguntasse nada sobre Leo.

— Certo, você ainda namora a Piper não namora? — Jonathan perguntou, devo ter deixado algum suspiro de alivio escapar pois ele me olhou desconfiado.

—  Sim, ainda estamos juntos — Respondi da forma mais casual que pude, mas isso era complicado, estava passando por alguns problema com Piper ultimamente e não sabia onde isso nos levaria — Mas por que o interesse?

— Hã... Eu preciso de algumas dicas sobre relacionamentos — Jonathan pareceu triste e desanimado, eu tinha que me esforçar para conter o alivio da tensão que estava sentindo.

— Err, pergunte, o que eu puder dizer eu direi — Havia esquecido que não era nada bom nisso.

— O que você acha da Ana? — Jonathan disse me olhando nos olhos e por um momento não entendi o que ele queria dizer, talvez passar muito tempo com Percy estivesse me afetando, ele estava gostando de Ana e veio me pedir ajuda de como chegar a ela, de repente um questionamento sobre o Leo não parecia tão ruim.

— Ah.. Bem.. a Ana.. — Tentei organizar meus pensamentos, mas a tarefa não estava fácil. Então alguém gritou chamando a atenção de todos para o chão sobre onde voávamos.

— Ei, do que eles estão fugindo? - Alguém questionou.

Mesmo da altitude que estávamos podíamos ver dezenas de pessoas correndo de um celeiro ver melhor no meio de uma fazenda que não parecia nada de incomum, mas então em um momento que pareceu durar mais do que pude me dar conta, o celeiro explodiu.

— Pro chão! — Foi tudo que pude gritar antes da onda de choque nos atingir.

Levantei esperando que ninguém houvesse caído para fora do navio, mas todos pareciam bem, olhando pela amurada  uma coluna de fumaça já começava a subir e podia ver os pedaços de madeira encravados no casco, mas me preocupava com as pessoas, algo sobre aquilo não estava se encaixando, então do meio da fumaça silhuetas de formas estranhas começaram a surgir, só podiam ser monstros e o que aconteceu depois confirmou minhas suspeitas, grandes correntes de vento começaram a se mover e formaram um pequeno tornado que limpou a fumaça do local.

— Jonathan, tem que nos levar pro chão agora, quem quer que esteja lá embaixo precisa de nossa ajuda.

— Não dá pra fazer isso imediatamente, vai levar tempo pra descer, depois dessa explosão deve estar tudo descalibrado, o mais rápido que consigo é em cinco minutos — Ele respondeu, então comecei a subir na amurada do navio — O que vai fazer?

— Vou ganhar tempo, coloque esse navio no chão em três minutos Jonathan — Então saltei para o ar comandando as correntes que me descessem o mais rápido e seguro possível esperando que desse certo e eu não virasse adubo na fazenda, de repente agradeci muito por ter trocado meus óculos por lentes de contato especiais.