Talvez eu esteja no país dos horrores. Cheio de criaturas estranhas à espreita. E por que eu sinto que talvez isso não seja tão ruim? Estava pensando nisso enquanto embalava um pedaço de pão para levar até a Cheshire. Provavelmente John não deixaria, por isso estava pegando escondida.

- Ah, Alice. – Marie me surpreendeu, fazendo-me dar um pulo. – Desculpe, não queria te assustar. Eu só queria me desculpar... Sobre o que aconteceu mais cedo.

- Não, está tudo bem. Eu só tenho que levar isso pra... alguém.

- Ah, tudo bem. Não vou contar pro John. – Marie sorriu. Dava pra ver claramente que ela estava envergonhada.

Naquele momento, eu realmente queria lhe dar um tapinha nas costas e falar: “Ei, se anime!”. Mas na minha condição, eu não estava apta para animar ninguém. Virei-me e saí do local, indo para a rua. Aquele lugar me dava arrepios. Mas eu ainda tinha a memória fresca para lembrar onde Cheshire estava.

E ela estava exatamente onde deixei. Deitada em cima de alguns lençóis velhos, encolhida como um filhote de gato. Cutuquei suas costas e ela logo se voltou para mim.

- Ah, Alice. – Ela não pareceu surpresa e nem empolgada de me ver.

- Te trouxe comida. – falei, jogando o pão pra ela.

- Uau, está realmente me tratando como um gato de rua. – ela sorriu, pegando o pão e o devorando.

- Não tenho culpa se você age como um.

- E então, como conseguiu esse pão? Meios ilegais? – ela riu.

- Claro que não, idiota. Eu...

- Alice! Céus, era aqui que você estava. – Marie chegou repentinamente com uma respiração cansada. – Hum? Uma garota?

- Olá. – Cheshire acenou, dando um sorrisinho.

- Puxa, achei que estava alimentando um gato e não uma garota.

- É a mesma coisa. – repliquei.

- Bem, não podemos deixa-la aí, certo? Venha. Pode ficar na nossa casa por enquanto.

- O que? Marie...

- Está tudo bem, nós temos muito espaço. Venha.

Encarei Cheshire com um olhar fuzilador, que dizia: “Não aceite!”. Mas propositalmente ela disse: “Tudo bem” e seguiu Marie até o boteco de quinta categoria que Marie chamava de casa e eu de prisão.

- Pronto, chegamos. Suas roupas estão bem acabadas, então pode dar uma olhada no meu guarda roupa e ver se tem algo que caiba em você. Acho meio difícil encontrar, você é tão pequena. – Marie riu. – Ah, também temos um chuveiro naquele corredor, se quiser tomar um banho.

Cheshire apenas acenou com a cabeça e saiu dando pulinhos e cantarolando. Marie parecia realmente satisfeita com aquilo tudo. Embora eu estivesse com um olhar de insatisfação todo aquele tempo.

- Ela é bem fofa. – Marie riu.

- O que Jonh vai falar quando ver ela? – a encarei.

- E-Eu não sei. Jonh pode ser surpreendentemente bonzinho de vez em quando.

[...]

- Não, não e não! Não vou deixar essa menina com retardo mental ficar aqui! Ela vai espantar minha freguesia, além de me dar má fama. – Jonh falou.

- Por favor! Ela está tão feliz, por favor. – Marie implorou.

- Não é não! Ainda mais ela. Eu deixei de passar perto daquele beco por causa dela!

- Eu posso ouvir vocês. – Cheshire deu uma risadinha irônica, enquanto se aproximava com sua nova roupa. Era uma camisa da Marie que serviu como vestido para Cheshire.

- Oh... Essa roupa ficou muito boa em você. – Marie disse.

- É, ficou. Agora pode ir embora da minha casa? – Jonh esbravejou.

- Ah, mas que grosseiro você. Eu vou embora se você pedir por favor.

- Olha, deixa eu te explicar a situação. Ou você vai embora viva ou vai embora morta. Não tem outra opção. – Jonh já não estava mais contendo seu nervosismo.

- Ah, já cansei de ficar vendo isso e não fazer nada. Eu vou conversar com a Cheshire, ok? – falei, puxando a garota pelo braço.

Andamos até a varanda e eu a encarei. Cheshire virou sua cabeça para trás e de um riso, enquanto encarava o nada.

- Ops, seus amigos estão brigando por minha causa.

- Eles não são meus amigos.

- Mas você gosta deles. Dá pra ver que gosta.

- Isso não vem ao caso agora. O que vai fazer, Cheshire? Você... Você já pensou num futuro? Como vai ter um se ficar no meio da rua sem fazer nada?

- Alice, as pessoas me chamam de louca por isso. – Não, não é apenas por isso. – Eu não penso num futuro, eu não tenho expectativas de alguma conquista. Eu larguei isso há muito tempo...

- Hum... E então?

- Eu vou voltar para onde eu deveria ter ficado. Eu sou apenas um gato de rua afinal. – Cheshire disse, enquanto se afastava da minha vista. E quando ela estava realmente longe e apenas dava para observar sua sombra borrada, eu pensei: “Não, você é mais que isso”.

IMAGEM EXTRA (Mary é a Rainha de Copas e a Marie é a Rainha Branca)