Elementar escrita por Lana


Capítulo 1
Prólogo — A Queda


Notas iniciais do capítulo

Esta é a primeira vez que começo, de forma séria, a postar Elementar aqui no Nyah. É meu projeto mais importante e a continuação dessas postagens vai depender sobretudo da boa vontade dos (futuros) leitores. Portanto, se você vai ler, deixe seu comentário para que eu saiba o que achou do início dessa história tão especial para mim.



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Monte Castelo, 30 de novembro de 1884.




O brilho cintilante da Estrela de Marte, tão forte quanto uma chama, obliterava da lua o centro das atenções daqueles que contemplavam o céu. A terra, por sua vez, reflexo dileto do firmamento, lançava labaredas gigantescas em direção ao manto maculado e tenebroso que ostentava tão perigoso signo. E ela gritava, aos Sete Céus, a canção que mais gostava de predizer: Caos.

Entre os sons tenebrosos que cortavam a noite, uma longa espada de aço cintilante ameaçava, sedenta de sangue, o peito do monarca, numa cruel demonstração de poder e destemor. Enquanto arfava, seu peito subindo e descendo superficialmente, rei Ludovic observava a face transfigurada do próprio irmão, procurando por uma resposta inexistente nos olhos de prata fria e colérica.

— Tristan... — murmurou Ludovic, as palmas das mãos viradas para cima, rendido. - Você não pode fazer isso. Somos irmãos.

— Não posso? - riu-se o outro, empunhando a espada com mais firmeza.

Ele podia.

Por tanto tempo planejara tudo aquilo...

Poder. O poder de governar a tudo e a todos. Sim, ele podia fazê-lo. Agora, mais do que nunca.

Depois de tantos anos, sempre esperando...

Apenas infante. A palavra incitava-lhe uma tal cólera e desprezo que faziam seu rosto contrair-se em um espasmo involuntário que o tornava monstruoso. Apenas infante. Nunca mais do que isso. Como se ele não merecesse, não fosse digno, não fosse capaz...

— Por quê? — perguntou Ludovic. O rei buscava, em vão, qualquer sinal de hesitação ou temeridade, mas não havia nada a não ser ódio e desprezo. Foi então que entendeu que havia perdido.

— Porque, durante a vida inteira, você tem roubado o que me pertence por direito. Porque eu sou mais digno do que você. Porque sou melhor do que você. Mas agora... Agora só estou pegando de volta o que é meu. O seu reinado, meu irmão, termina aqui.

Tristan retraiu o braço, deixando os olhos absorverem aquele momento vitorioso enquanto preparava-se para o golpe final. Regozijava-se ao ver o verme do seu irmão acuado como o animal que ele era, os olhos amedrontados, finalmente curvado sobre sua infinita superioridade.

Seus dedos seguravam com firmeza o punho da pesada Espada Régia, roubada do irmão no início daquela gloriosa noite. Observou, os olhos arregalados e atentos como se pudessem vislumbrar a cena em uma gravura animada, o irmão encurralado e, finalmente, preparou-se para o golpe final.

Um segundo antes, porém, os olhos azuis alumiaram-se repentinamente e, sob a pressão inesperada de algo, Tristan foi jogado para o chão, errando por meio metro o pescoço do rei. Na queda, a espada foi arremessada pelo chão, rilhando o assoalho envernizado de mármore.

Antes mesmo que ela parasse de deslizar, Ludovic a apanhou, correndo para a porta na escuridão densa, fugindo pelas escadas da torre antes que o outro pudesse esboçar qualquer reação.

Ao levantar-se com um urro de fúria, Tristan localizou uma figura de longos e desalinhados cabelos cor de mel completamente amedrontada, encolhendo-se como se desejasse desaparecer.

— Alexandra... — cuspiu ele, a voz envenenada completamente pelo ódio enquanto fitava, alucinado, a mulher.

— Você não pode... Ludovic é o rei! Ele é seu irmão! — rugiu Alexandra, os cabelos desgrenhados na face marcada de vermelho.

— Cale-se, mulher — sussurrou Tristan, as palavras feitas de nojo e desprezo, e um esgar ameaçador.

Lentamente, aproximou-se da criatura acuada, agarrando-a pelo pescoço com força enquanto ela se debatia, os pequenos dedos tentando libertar-se daquele aperto sufocante. A cólera transformava seus olhos em órbitas fundas, destituídas de qualquer sentimento de compaixão, mesmo diante da mulher subjugada que perdia o ar aos poucos.

As mãos, fracas, estavam a segundos de desistir quando ele a soltou, enojado.

— Cuido de você mais tarde — ameaçou, largando-a de qualquer jeito no chão.

Enquanto a mulher rastejava precariamente para longe dele, as mãozinhas massageando o pescoço enquanto ela tossia baixinho, Tristan se recompôs e observou a escuridão atrás de si. Da janela da torre onde ele estava, era possível ver toda Monte Castelo em uma festa indizível de labaredas e explosões, rindo-se pelo vale da noite ao som de uma cacofonia feita de desespero agonizante e gritos de puro horror.

Sua coroação.

Com um meio sorriso contrafeito, já se esquecendo do vulto encolhido a um canto, Tristan fez um único gesto com a mão, e o anel em forma de águia em seu dedo refletiu o brilho das incontáveis línguas de fogo que rugiam ao longe. Um momento depois, uma pequena nuvem escura aproximou-se, flutuando pelo chão, tão espessa e palpável quanto qualquer outra coisa no mundo. A sombra aumentou de tamanho, inchando, tornando-se cada vez mais visível e palpável, exalando um cheiro de maldade. Então, meio minuto depois, um homem forte com armadura cintilante passou pelo portal da velha torre, fazendo uma mesura respeitosa, os olhos suavemente desfocados.

— Capitão Lassak — cumprimentou Tristan, a voz incrivelmente saudosa, obscurecida pelo brilho avermelhado nos olhos cruéis. — É bom ver que finalmente se uniu à causa.

Com um sorriso animalesco, o falso rei olhou para os pés do homem. A armadura bem lustrada refletia seu alto posto de comando, com proteções fortes de metal nobre. As botas novas também brilhavam, embora nada chamasse tanta atenção quanto o elmo em forma de águia, o bico pontiagudo feito de prata pura. Nada, a não ser dois pequenos detalhes: seus olhos, antes de um tom raro de castanho, exibiam agora um violeta feroz, tão brilhantes quanto um raio. E, debaixo de seus pés, onde sua sombra deveria tremular pela luz dos incêndios da cidade, não havia nada.

— Tenho uma importante missão para você hoje. Dois traidores conseguiram fugir, graças à nossa nova rainha. Quero todos de volta antes da festa da coroação, não importa quantos você tenha que matar para isso — ordenou, os dedos unidos em volta do novo anel, um brilho de demência em seus olhos.

Sem dizer uma única palavra o homem assentiu, uma expressão feroz no rosto enquanto afastava-se, obediente. Tristan deu outro de seus sorrisos animalescos e, com outro gesto, suas Aliadas reuniram-se a ele, rastejando de todos os cantos até convergirem no mesmo ponto no centro da sala. O novo rei observou por um momento, satisfeito, aquela pequena parte de seu exército, fazendo gestos de aprovação cada vez que sentia uma nova presença aproximando-se.

Caminhando entre as Sombras, ele saboreou o momento, parecendo achar graça no som do desespero das milhares de pessoas que se propagava até o castelo.

Com uma expressão que mesclava irritação e ódio, Tristan disse a única palavra capaz de acabar com tudo aquilo de uma só vez.

Peguem-nos.

***

Na colina erma afastada da capital, sob o brilho intenso e sinistro da lua, a claridade das chamas inquietava os cavalos, que pateavam nervosamente enquanto dois vultos encapuzados tentavam contê-los, em vão. O brilho atento dos olhos escuros não perdia nenhum movimento importante do que acontecia logo abaixo, esperando pacientemente poder cumprir a missão a qual fora destinado.

No meio de toda a fumaça e dos gritos enlouquecedores, o relincho abafado de cavalos despertou sua atenção. Da névoa causada pelo aquecimento da neve, um grupo formado por pelo menos cinquenta vultos chamou sua atenção, subindo velozmente a encosta lamacenta.

Em um gesto rápido, Baltazar acendeu a tocha de madeira, revelando um rosto velho e enrugado dentro do capuz verde musgo. Acenando para os cavaleiros, uma segunda tocha foi acesa ao lado da primeira, revelando um rosto impossivelmente jovem e extremamente sério.

Enquanto esperavam o grupo aproximar-se o suficiente, os dois tentavam acalmar seus cavalos, que relinchavam amedrontados.

Quando todos os cavalos pararam à sua frente, Baltazar limitou-se a fitar, com bastante atenção, os rostos igualmente protegidos nas sombras de mantos encapuzados.

Durante um longo momento, todos esperaram em silêncio, observando o velho rosto ilegível com temor e ansiedade. Nem um ruído, nem um suspiro, nem o som de uma respiração. Só diversos olhos fitos na barba alva e austera do velho homem.

— Meu senhor, por favor, diga que é verdade que pode salvar o nosso filho — implorou uma voz fraca cuja dona estava escondida por um manto grosso e um trapo enrolado nos braços.

— Não tema, minha rainha. Todos vocês estarão a salvo comigo por ora. Mas não temos tempo a perder. Precisamos chegar até o porto de Calamar antes do raiar do dia.

Os olhos azul safira do rei brilharam de esperança e tristeza, e ele aproximou-se do velho homem de modo que pudessem conversar sem serem ouvidos.

— Elas estão por toda a parte, Baltazar. Dezenas de homens foram mortos enquanto nos escoltavam até aqui. Somos muitos, isso nos denunciaria rapidamente. Por favor, leve meu filho e minha esposa a salvo e eu os atrasarei o máximo que puder.

— Eu sei de tudo isso, rei Ludovic. Sei mais do que isso, porém. E posso garantir que Vossa Majestade não morrerá essa noite, nem nenhum dos seus homens.


***


A escuridão da noite tornava-se cada vez mais tenebrosa e densa, preenchida pelos gritos de terror e agonia que encontravam ecos em todas as direções. O cheiro de medo percorria o ar repleto de estática e um frio completamente desconhecido afagava os rostos amedrontados que corriam contra a escuridão enquanto apenas uma coisa os fazia enxergar: fogo.

As pessoas tentavam fugir, na esperança de salvar-se do perigo desconhecido. Sombras palpáveis sobrevoavam os telhados, destruindo-os, explodindo-os.

Os gritos agudos de horror puro não eram nada comparados à destruição causada por aqueles seres inomináveis. Corpos desfalecidos formavam uma espécie de tapete macabro nas ruas; corpos de pessoas cujas sombras não conseguiram ser retiradas pelo Mal. A capital caótica ruía, a poeira subindo por todos os lados, o fogo consumindo o restante das casas e das pessoas cujas vidas haviam sido roubadas. Os escombros não suportavam a pressão à qual eram submetidos, e cumpriam seu papel de contar aquela história para quem sobrevivesse no momento em que, uma por uma, cada casa tombava, espalhando sua alma pelo chão estilhaçado.

Monte Castelo sucumbia.

A cidade símbolo de todo o próspero reinado dos bondosos Legrand estava em ruinas fúnebres. A desesperança penetrava pelos corpos dos resistentes, preenchendo aqueles que tentavam se esconder, sussurrando que deveriam se render.

Nas ruas, o cheiro do medo espalhava-se como o fogo pelas casas. Os gritos de agonia cortavam a noite e, além da escuridão, tudo o que eles podiam ver era a fumaça e a luz das chamas de destruição que aqueles seres inomináveis suscitavam. Suas casas tombavam uma a uma como se feitas de gravetos, emitindo um som de ossos rompendo-se dentro de suas estruturas.

As labaredas dançavam sobre os escombros, rindo enquanto brincavam de alcançar o céu negro, sussurrando suas crepitações enquanto consumiam as ruínas – seu alimento. A neve encolhia-se ante a passagem majestosa das chamas, acrescentando aos sons cacófatos a sua própria contribuição que se resumia ao chiado da água fria sendo evaporada por um calor impossível de deter.

Contemplando a tudo com um sorriso satisfeito no rosto de barbas negras, Tristan resmungou algo ininteligível antes de virar-se, claramente contrafeito, para a figura acuada a um canto. Lançando-a um olhar de asco, ele aproximou-se, os passos lentos quase sem som vibrando pelo ar frio daquela noite enquanto a mulher de olhos tristes tentava, de alguma forma, se confundir às paredes.

— Que triste fim você terá, minha pobre esposa... Uma morte tão agonizante, tão dolorosa... — ele ronronou, o rosto contorcido em uma máscara de pura demência.

Levantando-a do chão com violência, o homem a forçou a caminhar à sua frente, levando-a até a base da estreita e escura escadaria da torre. Segurando-a pelo braço com força, desceu a escadaria apressado, cuidando em mantê-la firmemente presa para que não pudesse atrapalhar seus planos mais uma vez.

— Não! Tristan, você não sabe o que diz! Não pode fazer isso comigo...

— Claro que eu posso, e essa é a graça. Você é minha. Para viver ou morrer — disse Tristan, saboreando o desespero que aquelas palavras despertavam nela.

Alexandra reuniu toda a coragem que se esvaia aos poucos de seu peito. Precisava viver. Precisava fazer aquilo. Por eles.

Desvencilhou-se do aperto do marido, tropeçando na barra do pesado vestido. Antes que caísse, recebeu auxílio inesperado de uma parede fria onde se recostou, tentando controlar a respiração trêmula que fazia seu peito tremer quase tanto quanto suas pernas. Levantou as mãos, um pedido mudo para que ele parasse.

— Espere. Espere, Tristan – ela pediu, a voz falhando, desesperada. — Você não pode fazer isso. Não agora.

A respiração entrecortada dela lançava névoas no ar à sua frente. Tristan parou alguns centímetros perto do rosto da mulher, os olhos indiferentes, a expressão vazia. Aproximou a mão cheia de anéis do pescoço fino da esposa, falando cada palavra lentamente.

— Dê apenas um motivo.

-— Estou grávida — ela revelou, erguendo o rosto corajosamente enquanto via a máscara de fúria oscilar por um momento no rosto severo.

Tristan recuou a mão num movimento inconsciente, o rosto abandonando a expressão homicida. Ambos ficaram em silêncio por um momento, os pensamentos embaralhados sendo postos em ordem pelo novo soberano enquanto a agonia da noite fora dos muros do palácio chegava em trinados abafados aos ouvidos de sua mulher.

— Um herdeiro? Um herdeiro! — ele murmurou para si mesmo, dando um esgar maligno que se assemelhava ao antigo sorriso que emoldurava em seu rosto.

Alexandra suspirou, aliviada. Conseguira. Salvara seu bebê.

— Pois bem, você viverá. Dará continuidade a sua gravidez com o máximo cuidado. Um herdeiro para o trono! — Tristan a segurou novamente pelo braço, guiando-a pelas escadas com um pouco mais de delicadeza.

Um novo mundo era construído em sua mente doentia. Uma dinastia sua.

Em meio à sua satisfação, um pensamento empalideceu seus novos planos. Ele trincou os dentes, a testa enrugando-se de desconfiança.

— Estou avisando: cuide bem da gravidez para que seja um menino. Se me der uma filha, as duas terão o mesmo fim.

Com um olhar ameaçador, o rei a libertou do aperto irresistível que a mantinha presa a ele e seguiu sozinho pelos últimos degraus, tomando o conhecido e desejado caminho até a Sala do Trono. Não precisava olhar – sabia que sua mulher o seguiria.

Alexandra engoliu em seco, levando a mão institivamente à barriga sem que o rei percebesse. No silêncio agourento daquele lugar, envolta naquelas sombras tão traiçoeiras, a nova rainha rezou, pedindo a proteção divina para seu bebê enquanto observava o marido em seu andar austero e vencedor encaminhando-se para o trono azul e prata que reluzia no grande salão.

Tristan observou com o olhar atento a grande águia negra e a lua prateada na bandeira do seu novo reino. Isso, pensou ele, é só o começo. Ainda há muito a conquistar.

Com uma imponência de quem há muito desejava aquilo, um gesto que era símbolo de tudo o que acontecia agora, ele sentou-se, imperiosamente, no trono que apenas um dia atrás pertencera a Rei Ludovic. O sentimento que experimentava era de júbilo, olhando soberbamente por cima das cabeças de sua nova corte imaginária enquanto julgava e atendia aos pedidos da plebe.

O som de passos, porém, findaram seus devaneios. Som de couro caro e metal de armaduras misturado ao cheiro fétido de fracasso. As Sombras rastejavam preguiçosamente à frente de dois dos seus novos homens.

Com uma reverência temerosa, os dois homens dobraram um joelho para o rei, permanecendo de cabeça baixa enquanto o soberano os avaliava rigorosamente.

— Ora, ora, ora... — a voz arrastada do rei derramou-se como pingos de granizo pelo chão. — Notícias sobre quantos deixaram escapar ou sobre quantos conseguiram pegar?

— Majestade — começou Lassak, hesitante. — Vosso irmão. Ele... Ele...

— Não conseguiram trazê-lo com vida, não foi?

— Conseguiram fugir, Majestade — cuspiu o outro, os olhos fitos no chão, aflitos.

— Fugiram? Como assim fugiram?! - rugiu, um desespero alucinante tomando conta de seu peito — Eu sabia que vocês poderiam falhar. São tolos demais! Mas vocês? — ele abaixou a voz, o brilho de loucura deixando seus olhos avermelhados enquanto fitava as Sombras tremeluzindo silenciosamente no chão.

— Nós os perseguimos com todos os cavalos, majestade; todos nossos quinhentos homens foram abatidos. Eles não estavam sozinhos, havia um pequeno exército com eles — replicou Lassak, abaixando depressa o olhar quando o rei levantou-se, furioso.

— E suponho que seria demais tentar atirar em qualquer um que se dispusesse a ajudar o traidor?

— Atiramos, senhor. Nenhuma bala acertou neles; nada os atingia. Conseguiram se esconder, e depois fomos atacados por alguma coisa. Uma ave chegou agora, o Tempestade de Gelo acabou de zarpar sem régia permissão.

— Mandem uma frota atrás deles! Mandem todas as frotas, se for preciso! Quero aqueles três mortos.

O Capitão assentiu e, com uma mesura trêmula, os dois afastaram-se apressadamente dali, deixando o novo rei com suas novas amigas.

O salão ficou ainda mais gelado. Os ruídos reduziram-se a chiados quase ininteligíveis, cacofônicos, perturbadores. Pareciam unhas afiadas correndo por sobre vidros finos, que se estilhaçavam, que arranhavam, que matavam.

Mas o rei as entendia.

— Havia um homem, majestade. Ele é perigoso, devemos alertá-lo. Não pudemos penetrar suas defesas e tentar seria o mesmo que colocar sua batalha em perigo — disseram as milhares de vozes, os chiados, os murmúrios.

— Quem é esse homem? Quem ousa me desafiar a esta altura?

— O nome dele é Baltazar.

— E o que tinha de tão especial para fazer recuarem servas tão poderosas?

— Ele o tinha, senhor. O Anel do Protetor.


***


Baltazar suspirou pesadamente ao sentar-se na cadeira de mogno escuro à escrivaninha de sua cabine. O manto verde musgo jazia em seus ombros, surpreendentemente intacto. O tecido suave e macio não parecia ser forte suficiente para proteger qualquer pessoa do frio, mas para Baltazar, era tudo de que precisava.

O jovem menino parou, em pé, alguns metros atrás dele, o temor reverencial impedindo-o de se aproximar. Com os olhos azuis muito vivos, ele observou o velho homem demonstrar, finalmente, algum sinal de cansaço, embora fosse incomum que Baltazar o fizesse.

Ele deve estar muito esgotado, pensou Joseph, seus olhos prestando atenção a cada movimento.

Enquanto aproximava-se, sorrateiro, do espaldar alto da cadeira, a criança viu o sábio tirar algo pequeno de um dos seus bolsos, fechando o objeto na mão com força. Quando a abriu, o objeto revelou ser um bonito e estranho relógio de bolso todo feito em ouro, adornado com símbolos que o pequeno Joseph nunca havia visto antes.

Precipitando-se para perto da escrivaninha, ele chegou bem a tempo de ver Baltazar abrir o relógio, fazendo-o prender o fôlego. Nunca em sua vida imaginara ver algo tão belo e tão incomum.

Dentro do relógio, onde deveria estar um mostrador com dois ponteiros e doze números, havia dois mostradores e, em cada um deles, quatro ponteiros girando quase aleatoriamente em ambos os lados.

A criança observou, hipnotizada, o movimento dos pequenos ponteiros, até que Baltazar finalmente pareceu perceber a sua presença. Fechando displicentemente o objeto, ele o fitou com os olhos indecifráveis.

Isto — começou ele — é algo com que você deverá aprender a lidar. Mas suponho que ainda terá muito tempo até que esse dia chegue. Por ora, você precisa conhecer o verdadeiro mal e o verdadeiro bem.

— É sobre a Profecia, não é? — perguntou, timidamente.

— É, é sobre a Profecia. Há muita coisa que não estava nos meus planos, muito que eu não havia calculado. Mais tarde, alguém terá que pagar o preço. E isso, meu menino, muda tudo.

— Então tudo está acabado? Aquilo... O que você me contou.

— Não, criança, não acabou. Está apenas começando.



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Notas finais do capítulo

Espero, sinceramente, que vocês tenham gostado. Não esqueçam de comentar!



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