A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 27
O homem que Sorah amou


Notas iniciais do capítulo

AEE o capítulo que eu tenho esperado há tanto tempo pra postar... Ou pelo menos um deles.



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Uma aranha cassava algum inseto no teto de pedra bruta. A iluminação mínima da janela não chegava aos dois animais. Logo ela enrolaria a tal mosca em sua teia, prendendo-a para morrer. E o bicho, sem chance alguma, perguntaria se fizera algo errado, se merecia tal fim. Logo ele, que não vive mais que uma semana. Que tem uma vida tão curta para viver, morrendo assim.

Não. É desse jeito que tem que ser.

Sorah suspirou, inalando profundamente o ar pesado que se formava a cada segundo. A longa conversa com Dart havia terminado faria duas horas dentro de quatro minutos. Quatro longos minutos.

O silêncio incomodava. Mas nenhum deles tinha nada a dizer. E também não queriam admitir que buscavam em cada canto da mente um assunto, qualquer coisa que desenvolvesse uma conversa. Até mesmo a luta do dia seguinte já fora assunto. Mas nenhum dos dois se importou em ver contra quem seria. Os pensamentos estavam lentos e eles nem calculavam direito o que acontecia ao redor. Se bem que nada acontecia naquele quarto.

Ela, ali deitada na rede, com um braço estendido e o outro sobre a testa. Às vezes tampava os olhos, suspirando cansada do silêncio. Era a única interrupção do silêncio doentio, misturado às paredes e à escuridão das oito da noite. Nenhuma folha se mexia. A sensação de solidão era grande naquela torre. Só havia mais quatro pares de lutadores hospedados na torre. Mas nem Sorah nem Dart se preocuparam em parar pra pensar nessa quantidade. Nem mesmo faziam idéia em que altura estava o campeonato. Só sabiam que eram poucos os concorrentes por não ouvirem nada na torre o dia todo. As duplas que restavam ainda vivas eram as de Sorah e Sabrina, Nely e Nacknar, Nicka e Mirian e a dupla daquele que era recordista de velocidade.

Aliás, era nesse último em quem Sorah pensava naquele e em todos os outros momentos.

Quem era? Qual o nome do tal lifing? Por que lhe trás fleches de memórias boas e ruis? Seu rosto era familiar, seu olhar… os cabelos então, prateados e longos… com certeza já o vira antes. Sua cabeça doía só de tentar lembrar. A frustração lhe dava um gosto amargo na boca. E uma ponta de raiva e chateação.

E tudo isso foi, de repente, irrompido, como se cada partícula de ar daquele aposento fosse preenchida de ruídos num único instante. E a presença de Sabrina quebrou todas as moléculas grandes e pesadas de silêncio que pairavam ali.

A humana estava suada e arfava alto, porém despreocupada. Parecia um moleque que voltava da rua depois do futebol com os amigos. Estava inclusive um pouco suja de terra. Sorah não quis perguntar, mas apostou que ela estava treinando e ao mesmo tempo brincando com o resto dos humanos.

- Já viu contra quem vamos lutar amanhã? – perguntou Sabrina após descansar e respirar bastante.

Na verdade, horas antes, fora Dart quem avisara que a luta daquela dupla seria amanhã. E mesmo assim, a lifing não se importara nem um pouco em olhar a tabela de lutas para saber o adversário. Nunca olhara aquele papelzinho e nem tinha curiosidade em fazê-lo.

- Não e nem quero saber. – balbuciou Sorah, como se estivesse gostando do silêncio que se estabelecia até a entrada da humana.

Sabrina andou até o baú sem pressa, após fechar a porta do quarto. A tabela estava em cima daquele que era o único objeto além das redes dentro do aposento.

Percorreu o papel seguindo os nomes com o dedo, mas sem tocá-lo, pois estava escrito a sangue. Apesar de achar ridículo esse seu nojo de sangue a essa altura do campeonato. Não fazia sentido nenhum.

- Sorah K. e Sabrina… - murmurou a humana subindo na tabela, até impressionada com a quantidade de lutas que ocorreram. – Aqui. – encontrou finalmente – Sorah K. e Sabrina contra…

A humana de cabelos vermelho escarlate ficou em silêncio alguns minutos e mordeu o lábio inferior. Um choque atravessou seu cérebro a imaginar o que se seguiria ao dizer quem era o adversário das duas no dia seguinte.

- Se é pra dizer, diga logo, humana. – mandou Sorah, impaciente.

Sabrina gaguejou alguns segundos antes de responder. Olhou para a lifing devagar e olhou em seus olhos.

- O tal recordista de velocidade.

Sorah pulou da rede e quase caiu, sem se importar. A chance de saber quem era ele finalmente chegara! Ia mesmo vê-lo, falar com ele, ter a chance de perguntar. Mesmo que ele tenha a fama de matar adversários antes do mesmo pensar em se defender (?).

Só então lhe ocorreu de ver o nome dele na tabela.

- O nome! O nome dele! Diga!

- Belthor não te disse? Ele contou pra nós. O nome dele é Kiev.

Um calafrio lhe percorreu a espinha, chegando à cabeça e lhe apagando os sentidos. Em três segundos, seu corpo caiu mole contra o chão, desmaiada.

 

                                                 ***

 

Dart tinha uma vaga lembrança desse nome. Já tinha ouvido Sorah mencioná-lo. Mas o que importava no momento era reanimá-la.

O desmaio inédito da lifing foi como se uma imensa barreira de força fosse quebrada, tamanha a aparência indefesa que ela tomara.

A inconsciência durou cerca de dez minutos. Dart pedira a Sabrina que não chamasse ninguém. Sabia que ela se sentiria irritada se acordasse de um desmaio com tanta gente ao redor. Principalmente se isso incluísse Belthor.

Ao abrir os olhos, a primeira pessoa por quem procurou foi Sabrina.

- Diga que não foi um sonho! Você disse mesmo que o nome do recordista é Kiev. K-I-E-V. – Soletrou Sorah.

- Isso. – afirmou Sabrina não podendo ver a importância daquilo.

Sorah então virou-se para Dart. Sorria. Aquela lifing sorrindo? Impossível.

- Kiev, Dart! Kiev! Aquele de quem eu te falei! Pra mim ele tinha morrido. Eu não tinha a menor dúvida disso. Mas ele está vivo, Dart! Kiev está vivo!

Dart buscou na memória alguma situação em que ela mencionasse aquele nome, que não lhe parecia estranho. Foi então que se lembrou de frases soltas, de Sorah e suas. E seu coração foi feito um mil pedaços.

 

Você já sentiu como se quisesse dar sua vida pra ter alguém de volta? Um nome… fica na minha cabeça… martelando… Kiev…

- Você o amava muito, não?

- Sim, mas de que importa? Ele não vai voltar mesmo…

Um simples sim… mesmo que as demais palavras tenham sido para ocultá-lo, para disfarçá-lo… fingir uma inutilidade… essas três letras simples pesaram como chumbo na mente e coração de Dart.

- Toda essa indiferença é por causa desse tal de… Kiev?

- Ele é a única referencia de amor que eu tenho… a única lembrança boa que me restou… a única pessoa que um dia se preocupou comigo. E como todos… também me deixou…

 

A única pessoa que um dia o coração gelado de Sorah conseguiu amar voltara. E se encontraria com ela no dia seguinte.

 

                                               ***

 

- Sorah não pode saber de forma alguma sobre Kiev. – murmurou Belthor, alheio às demais pessoas presentes.

Mia serviu café a Íris e Belthor. Em seguida pegou uma xícara para si mesma e se sentou à mesa da cozinha.

- Não entendo o motivo. – pronunciou-se Íris, enchendo seu café de açúcar.

- Kiev pode mudar muita coisa na cabeça da lifing. Ele a colocou contra nós.

- Pare de implicância a toa com os lifings, Belthor! Kiev não tem nada a ver com isso. Foi você quem a fez nos odiar. – discordou Mia.

- Eu não fiz nada! – defendeu-se Belthor, quase aos gritos. – Kiev sabia! Aqueles malditos… aqueles dois malditos lifings contaram a ele e então Sorah ficou sabendo! Só que ouviu por pessoas erradas, foi isso que aconteceu. Ela ouviu que as guardiãs… que nós a faríamos sofrer! E a ensinaram a ser uma assassina!

- Esses lifings a quem se refere são…

- O pai e a mãe de Sorah, é claro. Aqueles dois… seria melhor se nunca tivessem nascido! Evitaria muitas mortes.

- Você não sabe a metade da história… - lamentou Mia.

- Ah é? E que parte eu não sei?

- Você é muito teimoso, não acreditaria. Morra com essa lembrança dos nossos amigos, Belthor. É melhor pra você.

- Sorah não pode, de forma alguma, saber de Kiev. – insistiu Belthor, nervoso.

Sua xícara tremia em suas mãos, tamanho nervoso. Bebeu o café todo de uma só vez, sem açúcar.

- Gostaria de saber como você vai impedir… - comentou Íris entre um gole e outro. – A luta dos dois é amanhã, e ela provavelmente já sabe que o rapaz não morreu.

Belthor caiu sentado na cadeira, incrédulo.

- Droga! – xingou alto ao recompor-se.

- Parece que o reino da Noite finalmente terá um rei. – admirou-se Mia.

- Ah, pelo amor de Deus! Não me diga que está feliz com isso! Somente os pais de Sorah mataram juntos mais da metade dos humanos residentes em Yelion naquela época. A segunda maior cidade de toda Ilha Eid! E depois a filha deles logo ao pisar na cidade mata dois homens e trinta juízes! Não me venha com essa… o fato daquele reino maldito ter novamente um líder nos afeta e muito! Principalmente em se tratando de Sorah e Kiev!

- Os soldados humanos vindos da cidade do rei estavam a caminho do reino da Noite, para atacá-los. – corrigiu Mia, irritando-se. – Os pais de Sorah estavam sem guardas devido a um confronto contra o reino do Fogo. Então eles mesmos foram até onde os guardas humanos estavam e os mataram, para proteger seu povo. Concordo que não era necessário tantas mortes, mas você diz como se eles tivesse ido até lá matar pessoas por prazer!

- Como se eles não gostassem de matar. Lia, não seja idiota!

- Não seja teimoso! Dê uma segunda chance aos dois!

- Eu dei uma segunda chance a Sorah! E o que ela fez? Quase matou Flértis durante o treinamento.

- Flértis quase a matava todos os dias. – murmurou Íris, não querendo se intrometer na discussão.

Os dois pararam, com a boca aberta para continuar a discussão, e olharam para Íris, no meio de um gole de café.

- Acreditem em mim. O reencontro de Sorah com Kiev vai acabar mal. – finalizou Belthor, mordendo o lábio inferior ao falar.

 

                                                 ***

 

- Eu nem sei o que dizer a ele… - comentou Sorah com a voz emocionada.

- O que acha de “por que fingiu que morreu e nunca mais quis saber de me procurar?”.

- Ora Dart, ele estava realmente entre a vida e a morte! Nem mesmo sei como sobreviveu.

- Vai ver ele não foi revivido por Nely.

- Pare de implicâncias! Kiev jamais aceitaria uma coisa dessas. Faz tempo, mas eu ainda sei exatamente como ele é… - informou a lifing, com os olhos brilhando de felicidade. – Vai ser ótimo revê-lo… Ótimo não! A melhor coisa que já aconteceu na minha vida.

- Sabe, as pessoas mudam muito com o tempo. Você mesmo mudou muito desde quando te vi pela primeira vez.

“Principalmente desde hoje…”.

- Não sei se vou conseguir dormir. Estou muito nervosa. Vou me encontrar com Kiev novamente! Ele se fortaleceu muito desde aquela época…

- É força que importa pra você? Então eu fico forte, eu me mato de treinar e fico mais forte que ele pra você.

- Dart! – bronqueou Sorah – Parece que não me conhece! É óbvio que eu amaria Kiev não importa sua força.

- É… eu acho que não te conheço.

Dart baixou os olhos e saiu do aposento. Sorah, cega de felicidade, nem notou. “É óbvio que eu amaria Kiev…”. Amar? Desde quando aquela lifing cheia de dentes para matar, garras para destroçar e força para destruir tem coração para amar alguém, se nem tem coração para perceber que é amada?

 

                                                 ***

 

A noite se estendeu longa. Sorah, como havia dito, mal dormira. Todos os demais estavam ansiosos com o que aconteceria no dia seguinte. Porém, cansados por treinarem o dia todo, dormiram bastante. E para estes, a noite foi curta. Dart queria que ela durasse mil anos. Simplesmente para que Sorah não revisse Kiev. E cada vez que pensava nisso sentia-se culpado. Era claro que ela seria feliz com o tal Kiev. Então por que não deseja logo que ela seja feliz e a manda casar-se com ele? Por que era assim tão difícil? Por que era difícil que ela visse, que percebesse, o quanto era difícil para ele desejar que ela fosse feliz com Kiev?

 

Sorah ficou deitada até pouco antes da luta, meditando. Na face, o sorriso estampado e deixando claro que aquele seria o melhor dia de sua vida.

Sabrina ria a felicidade da companheira. Apesar da apreensão devido à força dele. Mesmo que conhecesse Sorah, a deixaria ganhar? Ou preferia que ele mesmo seguisse em frente? Independente disso, nenhuma das duas tinha a menor condição de enfrentá-lo.

 

Dart saiu do quarto, incomodado com o sorriso de Sorah, e tendo como conseqüência uma sensação pior ainda. Culpa por não estar feliz em vê-la feliz.

Ia descendo as escadas solitário. Pensando na vida toda que teve ao lado dela. Não havia vida sem Sorah. Mal se lembrava da época antes da lifing. Mas cada segundo depois de se encontrar com a garota estava marcado em sua memória. Por mais que sentisse desde o dia anterior que era hora de apagá-las. Que era inútil mantê-las. Pois mostravam uma Sorah que só agia daquela forma ao lado dele. E não sabia mais se a Sorah era a que estava ao seu lado ou a que matava humanos, que odiava todos ao redor. E depois de quarenta anos juntos, descobriu que não fazia a menor idéia de quem era Sorah. Sorah era uma desconhecida, uma estranha.

Não era ela.

Já lá fora, apoiou-se na torre, sozinho. Fazia um lindo dia de sol. E como isso o incomodava. Parecia que até a natureza ria de sua tristeza.

 

Sorah desceu junto aos demais – menos pelos guerreiros que já estavam no estádio - e surpreendeu-se por Dart estar parado ali. Pediu que os outros fossem na frente, arranjando lugar. Olhou nos olhos baixos dele. Ele os desviou.

- O que aconteceu? Não vai assistir meu reencontro com Kiev?

Dart sentiu o gosto amargo que aquele nome lhe trazia e virou para o outro lado.

- Toda vez que menciono o nome dele… - Sorah procurou os olhos dele para falar. Em vão. – Você faz essa cara. Por acaso não quer minha felicidade?

Dart pensou um pouco. Havia pensado nisso o dia todo. E por lhe causar um horrível sentimento de culpa, jamais chegara a uma conclusão.

- Não. – respondeu secamente, sem olhar nos olhos da garota.

Sorah permaneceu estática. E num segundo o colocou no mesmo nível que Belthor. Pela primeira vez, sentiu raiva de Dart.

- Então eu não te conheço mais.

- Também não te conheço.

- Quer dizer que somos estranhos.

- Isso.

- Essa é a primeira vez que nos vemos, então.

- Exatamente.

Ela se virou. Olhou para ele uma vez. Duas. E então seguiu sem olhar pra trás, buscando por Kiev.

 

                                                 ***

O coração batia rápido a medida que entrava no estádio. A respiração aumentava no mesmo ritmo. Dart lhe sumiu da cabeça. Os sons sumiram. Tudo pareceu simplesmente desnecessário, inútil. Tudo que importava agora era Kiev.

Buscou automaticamente por ele do outro lado do tatame. A visão era ruim, mas deu pra ver um lifing bem alto, de cabelos prateados e cumpridos, presos de forma bem larga. Roupa pomposa, vermelha e preta. Eram vestes de guerra para comandantes do exercito do reino da Noite. Cheia de detalhes em dourado, folhadas a ouro. Mas própria para luta.

Sorah tremeu dos pés à cabeça. Era ele. A única pessoa que um dia amou. Era Kiev. O mesmo Kiev de mais de cem anos atrás.

A juíza pediu que os primeiros lutadores se aproximassem. Será que não via o reencontro que era aquilo? Não era uma luta.

Como Sorah previu, Kiev subiu no tatame e em questão de segundos estava posicionado. Não sabia se a reconheceria, mas mesmo assim, seu coração acelerou ao aproximar-se. Estava a menos de cinco metros de Kiev! A emoção parecia querer estourar em seu peito.

Ele não a reconheceu. Mas não importava, logo diria quem é e ele a reconheceria.

A juíza deu início a luta e virou o rosto para o lado. Sabia perfeitamente o que ia acontecer, por mais que Sorah estivesse cega demais para lembrar-se de que ele era o recordista em velocidade para matar.

Quando piscou os olhos estava sendo erguida pelo pescoço a mais de vinte centímetros do chão.

Sua garganta era pressionada com tamanha pressão que seria quase impossível falar.

- Ki… ev… - era doloroso o esforço que fazia para lhe dizer quem era. – So… So… rah… Ke… tsu.

Os olhos amarelos do poderoso lifing piscaram em vermelho, e Sorah foi arremessada contra o muro das arquibancadas com tamanha força que se não houvesse nada ali, iria parar a mais de vinte metros.

 

Dart, de onde estava, ouviu o som e correu para a entrada do estádio. A cena da garota ali caída sob as ruínas do muro o chocou. Kiev permanecia no centro do tatame olhando para sua vítima.

Sorah se levantou, cheia de sangramentos. Cuspiu um punhado de sangue e caminhou devagar, cambaleante, para o tatame.

Ao olhar novamente nos olhos dela, Kiev abriu a boca com caninos ainda maiores que os da garota e avisou, cheio de ódio:

- Jamais repita o nome de Sorah Ketsu! Esse nome é digno demais para sua boca imunda. – avisou, com uma voz suave e severa ao mesmo tempo. Aveludada, cheia de ódio, serena.

- Mas sou eu! Sou Sorah!

- Cale-se!

E este segundo aviso foi seguido de um chute na altura do rim, que a fez voar para longe novamente.

Desta vez já não conseguia voltar ao tatame. Kiev sabia disso. Foi até ela.

- Poderia morrer rapidamente, como os outros vermes. Mas se prefere sofrer, não tenho direito de recusar.

Sorah o viu piscar os olhos. Ao abri-lo, eram verdes. Percebeu, incrédula, que Kiev usava a habilidade de sua família. E com tamanha facilidade que apenas um piscar de olhos era suficiente para que ele adquirisse o primeiro nível.

Ocorreu-lhe uma idéia. Se usasse o poder de sua família, provaria que era Ketsu. Levantou-se e preparou-se para atingir o primeiro nível.

Kiev sentiu uma pequena ponta de raiva ao vê-la tentar fazer o mesmo que ele.

Após muito esforço, explosões de energia e sofrimento, Sorah, arfando, abriu os olhos verdes, com o dobro da antiga força.

- Já entendi. É uma lifing que copia técnicas, não é? Não pode chegar ao meu nível, não importa sua capacidade. – concluiu.

- Não! Sou eu, Kiev! SORAH!

- Da próxima vez que repetir esse nome, eu te retalho, e faço cada pedacinho ser menor que sua unha.

E com um segundo picar de olhos, sua pupila tornou-se vermelha. O segundo nível também era alcançado com a mesma facilidade.

Sorah arfou alto. Fechou os olhos impedindo lágrimas de rolar. Fez todo esforço que pôde não se importando com dor ou com o que quer que fosse sentir. Atingiu o segundo nível também. Mas o corpo mal suportava o próprio peso.

- Não adianta ficar copiando minha técnica. Está claro que é mais fraca que eu. Por que não morrer honrosamente de uma vez!?

- Por que foi você quem me ensinou que desistir não é uma opção, e que se for preciso morrer, não morrer em vão! Mas sim lutando até a morte!

- Ainda insiste que é Sorah!? Você está pedindo para morrer!

Ele fechou os olhos longamente. Um pouco de energia circulou ao seu redor. Sua armadura, esplendorosa, negra e escarlate, surgiu em seu corpo. Era ainda mais bela que a de Sorah. Parecia mais pesada também. Com enormes ombreiras, todas formando uma única peça com articulações para que se movimentasse. A lifing ficou admirada, orgulhosa por ele ter atingido tamanha força. Não importava que ele fosse usar toda ela para destruí-la.

- E então? Não vai copiar minha técnica?

Sorah se lembrou da dor que sentira por forçar este nível. Reteve-se alguns instantes. Perderia a cabeça e poderia acabar atacando-o. E isso não queria, de forma alguma.

Mas era necessário.

Posicionou-se e fechou os olhos. Suspirou e já emendou toda sua força no esforço de atingir o último nível. Kiev estava estático. Não imaginava que ela poderia conseguir. Houve explosões, urros por parte dos lifings, comemorando. Sorah também gritava. Mas de dor. De sofrimento. Seu corpo sangrava, as pequenas veias estouravam à flor da pele, fazendo seu corpo todo sangrar.

Assim que finalmente a armadura instalou-se em seu corpo, usou de mais esforço para controlar-se. Não podia perder a consciência, por mais que estivesse cega e até sua audição fosse piorando a cada segundo. Sentia que ia desmaiar e sabia que assim que isso acontecesse, estaria novamente em estado de fera selvagem. Será que Kiev a seguraria num abraço e lhe diria para ser mais forte que sua dor?

Controlou de volta a energia e voltou ao segundo nível, cansada demais para se levantar, arfando alto. Parecia ter durado uma eternidade, mas não passara de quinze segundos.

 

Kiev a olhou com desdém. Abaixou-se e a ergueu novamente pelo pescoço.

- Sorah saberia sair desse ataque. – e pressionou sua garganta ainda mais.

Na verdade, a pressão era alta demais para que pensasse em mais alguma coisa além de atacar de qualquer jeito para voltar a respirar. Usou a técnica de gelo, tentando congelar o braço dele. Nem mesmo se lembrou que Kiev também controlava o gelo.

Agora tinha que se livrar também do gelo que envolvia todo seu pescoço, ameaçando quebrá-lo.

 

“Sorah, quando sua melhor técnica falha, é hora de usar o ponto fraco do adversário. Quando o gelo também é o ponto forte do outro lutador, você deverá utilizar o que aprendemos sobre os outros elementos. Mas só em último caso. Quando sua vida depender disso.”

 

Era sua única chance.

Apesar de estar quase sem forças, utilizaria naquele momento uma enorme quantidade de energia.

Concentrando se em si mesma, em seu interior, Sorah fechou os olhos e ignorou a dor. Ignorou tudo ao redor. Ergueu a mão.

E só um punhado de gelo se formou.

- Como eu imaginava. Você é só mais um verme.

Ele pressionou sua garganta ainda mais ainda. Seu pescoço quebraria em poucos segundos. A visão já ficava turva pela falta de oxigênio. Preparava-se para desistir da vida. Quando se lembrou que Kiev jamais lhe perdoaria por isso.

Esforçou-se novamente e se concentrou na palma de sua mão direita. Quase toda energia que ainda lhe restava foi direcionada para lá. E sob os olhos surpresos de Dart, Sabrina e todos os demais humanos, Sorah fez nascer uma bola de fogo.

Mal podendo levantar o braço, encostou a labareda num Kiev incrédulo, que teve de soltá-la imediatamente.

Ela caiu no chão sem fazer nada para aparar a queda. Não tinha forças pra mais nada. Só pra respirar.

- Você lê pensamentos. Só pode ser isso.

Sorah quis morrer ao ouvi-lo dizer aquilo. Nada do que fazia era suficiente para provar que falava a verdade.

Só havia uma única coisa que restava tentar. Jamais imaginou que precisasse chegar a isso.

O que ela disse, abafado pelos uivos incessantes dos lifings, ninguém ouviu. Nem mesmo Dart, que se esforçara ao máximo para fazê-lo. Os humanos, mesmo que ouvissem, nada entenderiam, pois era em linguagem lifing, mas parecia fazer sentido para Kiev:

- Kyu… ryaku ignati… thron nest hantiji… Ygnis Nandeyo tore ware… Trhon ne yo mataguiri.

Essas palavras vinham ainda da linguagem lifing mais arcaica. Significavam uma lenda. Escondiam um segredo. Era o motivo pelo qual Sorah usava as faixas da cintura até depois dos seios. Como uma forma de negá-las, de esquecê-las. Era sua sina, seu destino. E dizer essas palavras agora significava uma renuncia a Dart. Permanente.

Kiev estava imóvel. O choque daquelas palavras, a comprovação de que a garota falava a verdade. Ninguém deveria saber aquelas palavras além de Sorah. Era impossível.

Abriu bem os olhos e respirou fundo. A lifing em sua frente realmente lhe lembrava a garotinha de muito tempo atrás. Ajoelhou-se e a pegou no colo, abraçando-a. Porém, Àquela altura, ela já estava inconsciente.

- Peço desculpas, Sorah. Minha Sorah.

Virou-se para a juíza e a chamou.

- Dê a vitória ao grupo de Sorah.

- Mas seu companheiro ainda não lutou!

- Mandei dar a vitória a Sorah! – avisou, dando a entender que o próximo pedido seria seguido da morte da juíza.

Gaguejando, a jovem anunciou a vitória do grupo de Sabrina. Os protestos não paravam. Mas isso não importava. Aquele monte de lifings sujos não tinha nada a ver com os dois.

Tendo Sorah em seu colo, ele caminhou sem a menor pressa na direção da saída. Seu parceiro, sem entender muita coisa, correu atrás dele.

- Senhor, onde está levando essa garota!?

- Não interessa a você. – respondeu, sem mudar a entonação da voz.

- Mas senhor!

- Volte para o Reino. Diga que estarei lá em breve. Com a rainha.

O parceiro, um lifing robusto e submisso, ostentava com orgulho o símbolo do reino da Noite no peito. Ao ouvir que a rainha voltara, parou alguns segundos e se encheu de sorriso. Feliz, seguiu em outra direção.

Todos, com exceção de Belthor, desceram das arquibancadas quando Kiev, carregando Sorah, já estava passando pela saída do local.

- Onde está levando Sorah!? – gritou Sabrina em tom acusatório.

Kiev simplesmente parou seus passos calmos e se virou, despreocupado.

- Uma humana deveria baixar o tom de voz ao falar comigo. Ou melhor, recolher-se à sua insignificância e ficar quieta.

Sabrina sentiu um frio na espinha fazer seu corpo tremer. Será que mesmo todos juntos poderia ter uma chance contra a auto confiança de Kiev?

- Largue-a! Imediatamente! – mandou Nicka escondendo o medo na voz.

- Que tipo de humana você pensa que é pra me dar ordens?

- Somos amigos de Sorah!

- Há! Amigos? Sorah não tem amigos humanos.

Sem resposta alguma nem como convencê-lo de que estavam mesmo andando com ela há algum tempo, e mesmo sendo protegidos pela lifing, ficaram em silêncio. Nem Mia ou Íris disseram alguma coisa.

Quem se pronunciou foi Dart, dando a volta nos demais, de braços cruzados.

- Você ficou longe dela muito tempo. Não pode saber de nada.

- Um lifing nojento do reino Antigo, pelo que vejo. Fique longe da Sorah, se não quiser morrer.

- Antes morto ao lado dela, que vivo longe. Acho que você não pensa assim, não é mesmo?

- Cale-se. Apenas não o mato aqui e agora para não sujar Sorah com teu sangue imundo.

Kiev se virou, ignorando todos os demais, e partiu carregando Sorah. Dart só podia falar, mas jamais impedir.

 

                                                 ***

 

- Por que tem tanto medo de Kiev? Por que não foi nos ajudar a defender Sorah!? – acusou a Belthor, Mia.

- Em primeiro lugar, não tenho medo de um lifing nojento. Em segundo lugar, em momento algum eu defenderia uma lifing nojenta. E por último, porém não menos importante, ela não precisava ser defendida. E mesmo se precisasse, não somos nós que poderíamos fazer isso ao lutar contra Kiev.

- E agora nem fazemos idéia de onde ela está…

- Justo agora… - lamentou Íris – justo agora que a luta de Nicka e Mirian contra Nely está tão próxima.

Belthor balançou a cabeça, temeroso. O silêncio baixou pesado sobre o local enquanto os três guerreiros pensavam nos últimos acontecimentos.

Os demais humanos presentes naquela casa estavam reunidos no quarto de visitas. Mas os guerreiros não podiam imaginar se dormiam ou conversavam.

Era tão tarde que a sensação era de que a presente quarta-feira espreitasse na noite em busca da quinta. Fazia frio e a escuridão lembrava o tom da morte. Só uma pequena luz iluminava a mesa redonda e os três humanos quietos.

O silêncio revelou o som abafado de outras vozes. Mia suspirou nervosa.

- Eu tinha mandado Sabrina ir dormir… - reclamou, levantando-se da mesa.

- Espere. – mandou Belthor segurando-a pelo braço. – Deixe-os. Precisam refletir sobre os últimos acontecimentos.

- Sinto que tem mais coisas acontecendo do que simplesmente essa confusão com Sorah. Novos problemas estão por vir. – previu Íris com o olhar vago.

As vozes faziam um eco sombrio, como se suas sombras repetissem cada palavra.

- Refere-se a eliminação de uma das guardiãs?

- Fale baixo! – bronqueou Belthor – Não podemos arriscar que elas descubram.

- Sei que isso é o certo. Mas tenho medo. Sorah longe e a luta de Nicka e Mirian cada vez mais próxima. E se a eliminação…

- Eu não deveria estar preocupado com isso. Mas tenho quase certeza de que uma delas irá morrer.

- Não diga uma coisa dessas! – zangou-se Mia – Nem de brincadeira!

- Elas não podem ter pais para não terem um ponto fraco. Mas têm umas às outras. Para evitar qualquer dano em hora errada, creio que Yume previu isso tudo, ensinando-as a conviver com a perda de uma das companheiras. – receou Belthor.

- Eu nunca entendi bem pra que a criação de uma guardiã extra. – raciocinou Íris – Mas esse sacrifício macabro faz sentido.

- E tem ainda mais uma coisa. – adicionou Mia, estralando os dedos com os cotovelos sobre a mesa – Zigor. Não sei vocês mas… sinto a presença dele cada vez mais perto.

- A primeira página do jornal de hoje foi uma reportagem sobre trinta pessoas de um mesmo município que morreram devido a raios. E o mais estranho é que nem estava chovendo. – informou Íris.

- Vi esse jornal, Íris.  Mas esqueceu-se de mencionar todas as mudanças climáticas bruscas por todo o planeta. Imagina o motivo delas?

- A harmonia está sendo quebrada. A Lágrima, dividida, não tem condições de manter a ordem na terra por muito mais tempo. Já fazem mais de treze anos que ela se separou. – respondeu Íris.

- Isso significa que precisamos dar um jeito de reaver as partes dela o mais rápido possível, destruir Zigor sabe-se lá como e ainda descobrir uma maneira de tirar a alma que está em Íris sem matá-la. – informou Mia, calculando suas possibilidades.

- Isso é impossível. A criatura mais poderosa que havia na terra era Yume. E ela perdeu para Zigor com onze dos mais poderosos guerreiros humanos de toda Ilha Eid ao seu lado. Não podemos reaver as partes da Lágrima antes da luta marcada. Isso se elas forem capazes de matar Nely e Nacknar. Aliás, esqueçam essa última. Eles já estão mortos. Como matar quem já está morto!? – desesperou-se Belthor – Nós mesmos deveríamos ter nos inscrito nesse torneio.

- Se esqueceu de mencionar que não há como tirar a alma de alguém sem matá-la. – lembrou Íris melancólica.

- Tem que haver um jeito, e eu descobrirei como! – avisou Belthor quase gritando.

- Engraçado… você acha que tudo é impossível. – riu Íris escondendo o medo da morte na voz – Menos evitar que eu morra ao tirar a alma de mim.

- Pra tudo se dá um jeito. – consolou Mia.

- Menos para a morte. – lembrou Íris.

 

                                                 ***

 

As demais pessoas presentes na casa não pareciam se importar com o tiquetaquear do relógio, como um professor que lhe ensinava que era hora de dormir há pelo menos uma hora. O frio atravessava a janela sem ao menos se preocupar com o vidro. Ignorava a cortina e fazia com que as pessoas do quarto pudessem imaginar, ao fecharem os olhos, milhões de agulhas frias penetrarem em suas peles. E o cobertor, maleável e frágil, era o mais poderoso escudo.

Para Dart, o único descoberto e pouco se importando com o frio que sentia, esse clima era como a raiva de Sorah por tê-la abandonado, a deixado ser levada por aquele lifing, desacordada. Em sua cabeça, a tão agradável voz da garota ecoava em tom acusatório, raivoso. “Por que não lutou por mim? Deixou-me ser levada por falta de coragem? Esse era o limite da nossa relação?”. E era com a mesma raiva que ele mandava essas vozes pararem, sentindo-se culpado pelo próprio orgulho em não admitir que deveria ter impedido Kiev. Que se importava com Sorah.

Os humanos, diferente do lifing, não agüentavam o silêncio por muito tempo. Conversaram sobre a luta de Nicka e Mirian dentro de poucos dias. Sabrina e Sorah estavam na final com quem vencesse esta penúltima luta. Mas antes de qualquer coisa, o dia seguinte era, como qualquer outro, dia de aula às sete da manhã.

O relógio avisou cheio de amargura que já eram meia noite e meia. Desistiram de driblar o sono e acomodaram-se em suas camas. Sabrina fora para seu quarto, mesmo tendo a cama de Sorah desocupada. E um a um, caíram no buraco negro dos sonhos e pesadelos.

 

                                                 ***

 

Os olhos não precisaram se acostumar com claridade. Já era noite quando despertou. Tentou localizar-se, em vão. Mas logo sua visão avistou algo que a fez ignorar data local e hora. Kiev estava ao seu lado, de joelhos, colocando um pano molhando sobre sua testa. Isso a fez lembrar-se da dor. E cada corte ardeu imediatamente. Ao gemer, Kiev olhou em seus olhos e deixou um pequeno, curto e fino sorriso transparecer.

- Fico feliz que já tenha acordado. Você sempre demorou a se recuperar das vezes em que gastava muita energia. – recordou Kiev em tom nostálgico.

- Não acredito que estou do seu lado novamente… eu achei que tivesse morrido.

- Naquela hora eu também achei que não me demoraria a morrer. Mas Aquele homem só queria matar você. Eu era um mero empecilho. Mal acertou um golpe em mim e avistou você voltando. Não teve dúvidas em tentar matá-la. Quando a perdeu de vista, voltou. Foi uma sorte que aquele verme tenha tido preguiça de se livrar do meu corpo no mesmo dia. Foi o tempo para que eu me recuperasse e o matasse enquanto ainda dormia.

- Se eu tivesse voltado… se tivesse tentado…

- Tudo bem… já aconteceu e agora nós estamos juntos novamente.

- O estranho é que… você seria o governante do reino da Noite. Não eu.

- Engraçado você não saber a resposta disso. Ele queria você pelo mesmo motivo que me fez acreditar que era mesmo Sorah Ketsu.

A lifing levou a mão ao ombro, como se a intenção fosse as costas. Olhou para o alto e suspirou melancólica.

- Daria tudo para não ter esse fardo nas minhas costas.

- Pois saiba que eu daria tudo para tê-lo. É mais que uma honra. – consolou Kiev, com o estranho modo de falar sem alterar o tom da voz e muito menos a expressão fria do rosto.

Após um confortável silêncio, quebrado apenas pelos sons deprimentes da noite, Kiev se lembrou de horas antes.

- Aqueles humanos que me disseram ser amigos seus. Quem são?

- As garotas… elas… são guardiãs.

- Não acredito que está seguindo essa sina escrita por humanos.

- Meu destino seria vago e sem propósito se não as acompanhasse.

- Não. – discordou Kiev alterando levemente a voz – Seu destino é ter um filho que governará toda Ilha Eid.

- Não quero pensar nisso ainda.

- Então salve esses humanos inúteis. Com certeza bem não fizeram a você.

- Eu sofri muito na mão dos humanos. Mas Kiev, por favor, vamos deixar isso pra lá hoje. Já faz mais de cem anos que não nos vemos, não quero brigar.

- Tudo bem. Mas e quanto ao lifing?

- Dart? Ele falou com você?

“Engraçado… achei que não podia sequer ouvir o nome de Kiev…”.

- Então o conhece. Escute, Sorah. É muito importante que se afaste dele. Pode ser um espião do reino Antigo te procurando para matá-la.

- Dart não é um espião.

Sorah sentia. naquele momento, raiva de Dart. Não retirava qualquer hipótese de traição depois dele ter dito que não desejava sua felicidade.

- E como pode ter certeza?

- Porque… ele é o herdeiro do reino Antigo.

Nesse momento Kiev finalmente alterou sua voz.

- O que?! Está me dizendo que tem andado com alguém que deveria matar!? Não há a menor dúvida de que ele irá tentar te matar! Um herdeiro eliminando o outro para que seus respectivos filhos não o façam. Que comovente.

- Dart não sabe que sou herdeira deste fardo. Ele não viu minhas costas. Provavelmente isso nunca passou pela cabeça dele. Que fosse eu.

- Então como sabe sobre ele?

- Eu vi as costas dele. Assustei-me, mas já desconfiava. Assim como eu, ele também usava as faixas por todo tronco, escondendo as profecias. Mas Dart é homem, andava sempre sem camisa. E enquanto lavava as faixas, eu as vi. Mas ele nunca soube sobre as minhas.

- Fico feliz. Por ele não saber e por não tê-las visto.

- O que está insinuando? – questionou Sorah, com uma resposta pronta.

- Não sei… Mas se ele as tivesse visto poderia significar um envolvimento mais profundo entre vocês.

- Não seja bobo. Dart e eu não somos nada além de companheiros de viajem. Depois que você morreu… - Sorah pensou no que havia dito e achou absurdo – Depois que eu achei que você tivesse morrido, encontrei Dart. Ou melhor, ele me encontrou. E agente ia se protegendo do que aparecesse.

- Tudo bem. Mas é melhor que se afastem, mesmo assim.

- Não posso me afastar deles todos assim de repente. Espere tudo terminar e nunca mais olharei no rosto de cada um daqueles humanos.

Sorah achou que algo dentro dela a acusava de mentir para Kiev. Ignorou e continuou mantendo a máscara de matadora impiedosa.

- Por que não acaba com a vida deles logo de uma vez?

- Perda de tempo.

Teve certeza de que mentia.

- Não vou impedir que faça o que achar melhor. Mas se vier me pedir um conselho, já sabe qual será.

Sorah afirmou com a cabeça. Sorriu e dormiu. Ele se deitaria ao lado dela, no meio da floresta que se erguia como grossos pilares de madeira segurando o teto escuro pela falta de luz.

Um martírio seria o dia seguinte, ao encarar Dart novamente.

 

                                                 ***


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